Acórdão n.º 2/97, de 30 de Janeiro de 1997

Acórdão n.º 2/97 Processo n.º 85 875. - Acordam no plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: Maria Teresa Gomes Fragoso Mendes e Henrique José da Silva Inácio Pratas interpuseram recurso para o tribunal pleno, nos termos dos artigos 763.º a 770.º do Código de Processo Civil, do Acórdão deste Tribunal de 12 de Janeiro de 1994 proferido na revista n.º 84 501, em que eles eram recorrentes e recorrida José Nunes Henriques & Filhos Lda.

Alegaram existir oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito com o decidido no Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 1980, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 293, pp. 252 e segs., oposição que a recorrida contrariou.

Foi proferida decisão preliminar no sentido de que se verificava a aludida oposição.

Prosseguiu depois o processo com alegação dos recorrentes, parecer do Ex.

Magistrado do Ministério Público e os necessários vistos, cumprindo agora decidir.

Dir-se-á, antes de mais, que este recurso para o tribunal pleno (ultrapassada que se encontra a fase preliminar), embora tenha sido interposto em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que reviu o Código de Processo Civil, está em condições de ser julgado, nos termos do disposto no seu artigo 17.º, n.º 3, circunscrito à resolução em concreto do conflito que emerge da oposição entre os dois acórdãos em confronto e para uniformização de jurisprudência.

Com efeito, aquele diploma legal, datado de 12 de Dezembro de 1995 e distribuído a 3 e 4 de Janeiro de 1996, estabeleceu duas normas transitórias: A primeira, no artigo 16.º, fixando genericamente a sua entrada em vigor para l de Março de 1996, o que representaria uma vacatio legis compatível com a complexidade do diploma; A segunda, no artigo 17.º, de revogação imediata das normas que regulam o recurso para o tribunal pleno (n.º 1), mas prevenindo, em seguida, duas situações neste domínio: a) Os assentos já proferidos têm o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B (n.º 2); b) Os recursos para o tribunal pleno já intentados - caso dos autos - têm o seu objecto circunscrito à resolução em concreto do conflito com os efeitos decorrentes dos artigos 732.º-A e 732.º-B, citados (n.º 3). Isto não pode deixar de significar que os actuais acórdãos para uniformização de jurisprudência, provindos de recursos já intentados, para além das consequências ali apontadas, deverão ser julgados pelo plenário das secções cíveis.

As Leis n.º 6/96, de 29 de Fevereiro, e 28/96, de 2 de Agosto, ao prorrogarem o prazo de entrada em vigor referido no artigo 16.º do diploma, sucessivamente para 15 de Setembro de 1996 e para 1 de Janeiro de 1997, em nada contendem com o que foi especialmente fixado no artigo 17.º quanto à revogação imediata dos assentos e ao regime dos recursos já intentados para o tribunal pleno, o qual continua, assim, aplicável.

Da mesma forma, nada se alterou substancialmente, no capítulo da uniformização da jurisprudência, com a publicação do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, que veio novamente rever o Código de Processo Civil, antes da sua entrada em vigor.

A oposição de decisões deve ocorrer no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito E não há dúvidas que ela se verifica.

Com efeito, em ambas as acções, a causa de pedir respeita a contratos de compra e venda de fracções autónomas de prédios urbanos já construídos, celebrados com os respectivos proprietários, não sendo relevante o facto de, no primeiro, a venda ter sido efectuada pelo construtor e, no segundo, por sucessores do proprietário que tinha mandado construir o prédio por empreitada a uns terceiros que não foram demandados; a pretensão fundamental, para além de outros pedidos alternativos ou subsidiários, é a de reparação dos defeitos de construção desse imóvel; face a isto, foi decidido, numa das acções, que era de aplicar o regime dos artigos 916.º e 917.º do Código Civil e, na outra, que estas normas não tinham aplicação.

Sendo patente a oposição, passa-se a conhecer do fundo da questão.

No caso de que emerge o acórdão recorrido, verifica-se que os autores adquiriram por compra e para sua residência, por escritura pública de 22 de Julho de 1982, à ré, uma fracção autónoma de um prédio urbano por esta construído. Em 17 de Julho de 1987 propuseram acção alegando que no início de 1987 começou a verificar-se grande e grave deterioração no andar por defeitos de construção e até no revestimento exterior das paredes do prédio, tendo denunciado essas deficiências à ré em Fevereiro de 1987 e que a ré se recusa a reparar. Pedem que ela seja condenada a reparar as deficiências e deteriorações ou, em alternativa, a pagar os custos das mesmas reparações.

A questão debatida consistiu em saber qual o prazo de caducidade do direito de accionar para reparação de defeitos da coisa imóvel vendida, a exercer pelo comprador em relação ao vendedor.

A decisão recorrida fixou que esse prazo era o dos artigos 916.º e 917.º do Código Civil (a que pertencerão os restantes artigos sem indicação de fonte), interpretados extensivamente, ou seja, necessidade de denúncia até 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa, e caducidade da acção se o comprador não tiver feito a denúncia ou decorridos, sobre esta, seis meses; foi afastada a tese de que a caducidade seria de cinco anos a contar da entrega, por analogia com o disposto no n.º 1 do artigo 1225.º Julgou-se, assim, caduca a acção.

Por seu turno, o acórdão fundamento assentou no facto de a compradora de uma fracção autónoma de um prédio urbano que disse ter-lhe sido vendido com defeitos, haver pedido dos vendedores uma indemnização por danos derivados dos vícios de construção ou em alternativa, a reparação dos defeitos à custa deles, tendo-se decidido que nem se aplicava o artigo 1225.º, porque não se tratava de contrato de empreitada, nem os artigos 916.º e 917.º, que se referem à acção de anulação por simples erro, relegando-se a solução para os princípios gerais, sem os explicitar, pelo que se mandou prosseguir a acção.

Em resumo, ambos os acórdãos afastaram a solução emergente do artigo 1225.º respeitante à empreitada, tendo o acórdão recorrido adoptado como prazo de caducidade para exigir a reparação dos defeitos o mesmo da anulação da venda por erro constante dos artigos 916.º e 917.º, enquanto que o acórdão fundamento arredou qualquer destas disposições, relegando a solução para os princípios gerais.

Os recorrentes pretendem que se uniformize a jurisprudência mediante decisão do seguinte teor: 'As disposições dos artigos 916.º e 917.º referem-se à denúncia de defeitos e ao prazo de caducidade relativos à venda de coisas defeituosas, prazos que contemplam apenas as acções de anulação por simples erro - artigo 917.º - e não por qualquer outro fundamento. Quando se pretende uma indemnização ou reparação pelos defeitos, aplicar-se-á o prazo geral, dado que as disposições legais que estabelecem prazos de caducidade não podem aplicar-se a situações que nas mesmas não estejam clara e taxativamente definidas e concretizadas.' A parte contrária não alegou.

O Ex. Magistrado do Ministério Público formulou douto parecer, em que propõe a seguinte redacção para solução do conflito de jurisprudência: 'O prazo de caducidade para o exercício do direito de reparação de imóvel defeituoso, referido no artigo 914.º do Código Civil, é de seis meses na vigência da primitiva redacção do artigo 916.º, por interpretação extensiva do artigo 917.º, ambos do mesmo Código.' O problema localiza-se no âmbito do contrato de compra e venda de coisa imóvel com defeito.

Por coisa defeituosa, para aquele efeito, entende-se a que sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT