Acórdão n.º 401/91, de 08 de Janeiro de 1992

Acórdão n.º 401/91 Processo n.º 205/91 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I 1 - O procurador-geral-adjunto no Tribunal Constitucional veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 3, da Constituição e no artigo 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que este Tribunal aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 665.º do Código de Processo Penal de 1929 (na redacção do Decreto n.º 20147, de 1 de Agosto de 1931), na interpretação que lhe foi dada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934, publicado no Diário do Governo, 1.' série, de 11 de Julho de 1934.

Justificando o seu pedido, aquele magistrado do Ministério Público referiu que a norma em causa já foi julgada inconstitucional através dos Acórdãos n.os 219/89 e 340/90, publicados no Diário da República, 2.' série, respectivamente n.º 148, de 30 de Junho de 1989, e n.º 65, de 19 de Março de 1991, e dos Acórdãos n.os 23/91 e 48/91, ambos ainda inéditos.

2 - Com efeito, por acórdão tirado em 15 de Fevereiro de 1989, a 1.' Secção deste Tribunal (na sua anterior composição), por maioria, julgou inconstitucional 'a norma do artigo 665.º do Código de Processo Penal de 1929 com a sobreposição interpretativa do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934, na parte em que determina que as relações, no recurso das decisões condenatórias dos tribunais colectivos criminais, ao conhecerem da matéria de facto, haverão de basear-se exclusivamente nos documentos, respostas aos quesitos e em outros elementos constantes dos autos, a ponto de só lhes ser lícito alterar, a esse nível, aquelas decisões em face de elementos do processo que não tiverem podido ser contrariados pela prova apreciada em julgamento e que houvesse determinado as respostas aos quesitos'. No recurso em causa, deduzido do Acórdão de 22 de Junho de 1988 do Supremo Tribunal de Justiça pelos réus Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, Pedro Goulart da Silva e José Moutinho Mouta Liz, o Tribunal Constitucional considerou que a norma em causa, 'quando equacionada e lida em função do disposto no artigo 466.º do Código de Processo Penal de 1929, reduz a tal ponto, no recurso de decisões condenatórias de tribunais colectivos criminais, a possibilidade de reapreciação da matéria de facto por parte das relações que infringe claramente o princípio do duplo grau de jurisdição em processo penal, deduzível para o arguido condenado, e como recorrentemente se tem vindo a afirmar, do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, sendo assim, e em tal medida, irremissivelmente inconstitucional'.

3 - Posteriormente, a 2.' Secção do Tribunal Constitucional (já na sua composição actual), e também por maioria, negou provimento a um recurso de inconstitucionalidade interposto pelo réu Rudolphus Josephus Maria Lubbers, deduzido do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 1989, não julgando inconstitucional a norma do artigo 665.º do Código de Processo Penal de 1929, através do Acórdão n.º 124/90, de 19 de Abril, publicado no Diário da República, 2.' série, de 8 de Fevereiro de 1991.

Em face de teor desta decisão, que gerou uma divergência jurisprudencial entre as duas secções do Tribunal Constitucional, o Ministério Público interpôs recurso para o plenário do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 79.º-D da Lei n.º 28/82, aditado pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, tendo-se procedido à uniformização de jurisprudência, de novo por maioria, através do Acórdão n.º 340/90 publicado no Diário da República, 2.' série, n.º 65, de 19 de Março de 1991, no sentido da inconstitucionalidade do artigo 665.º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934.

4 - Na sequência do referido Acórdão n.º 340/90, a 1.' Secção do Tribunal Constitucional tirou os Acórdãos n.os 23/91, de 6 de Fevereiro de 1991, e 48/91, de 26 do mesmo mês e ano, ambos ainda inéditos, julgando inconstitucional a norma em causa, acolhendo para o efeito a orientação do citado Acórdão n.º 340/90.

De igual forma, a 2.' Secção deste Tribunal adoptou a referida orientação jurisprudencial nos seus Acórdãos (ainda inéditos) n.os 77/91, de 10 de Abril de 1991, 187/91, de 7 de Maio de 1991, 236/91, de 23 de Maio de 1991, 335/91, de 3 de Julho de 1991, e 350/91 de 4 de Julho de 1991.

5 - Neste contexto, verificam-se, pois, os pressupostos dos artigos 283.º da Constituição e 82.º da Lei n.º 28/82, a saber, a prévia existência de três julgamentos concretos de inconstitucionalidade da mesma norma que permitem ao Tribunal apreciar e declarar a sua inconstitucionalidade com força obrigatóriageral.

Assim sendo, e considerando que o Tribunal, em plenário, é de novo chamado a apreciar questão que já anteriormente havia sido objecto de análise e de decisão uniformizadora de jurisprudência através do Acórdão n.º 340/90, seguiremos doravante de perto a linha de argumentação deste aresto, a qual, aliás, por sua vez, retoma o essencial da fundamentação do primitivo Acórdão n.º219/89.

II 1 - O artigo 665.º do Código de Processo Penal de 1929, aprovado pelo Decreto n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, dispunha na sua redacção originária: As relações conhecerão de facto e de direito, nas causas que julguem em 1.' instância e nos recursos interpostos das decisões proferidas pelos juízes de 1.' instância, e conhecerão só de direito, nos recursos interpostos das decisões finais dos tribunais colectivos e das proferidas nos processos em que intervenha o júri, salvo o disposto no artigo 517.º Posteriormente, o mesmo normativo veio a ser alterado pelo Decreto n.º 20147, de 1 de Agosto de 1931, tendo passado a dispor: As relações conhecerão de facto e de direito nas causas que julguem em 1.' instância, nos recursos interpostos das decisões proferidas pelos juízes de 1.' instância, das decisões finais dos tribunais colectivos e das proferidas nos processos em que intervenha o júri, baseando-se, para isso, nos dois últimos casos, nos documentos, respostas aos quesitos e em quaisquer outros elementos constantes dos autos.

Em virtude das divergências jurisprudenciais suscitadas por esta redacção no tocante aos poderes das relações em matéria de facto nos recursos interpostos das decisões finais dos tribunais colectivos, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu assento em 29 de Junho de 1934 do seguinte teor: O artigo 665.º do Código de Processo Penal, modificado pelo Decreto n.º 20147, de 1 de Agosto de 1931, relativamente à competência das relações em matéria de facto, tem de entender-se no sentido de as mesmas relações só poderem alterar as decisões dos tribunais colectivos de 1.' instância em face de elementos do processo que não pudessem ser contrariados pela prova apreciada no julgamento e que haja determinado as respostas aos quesitos.

[Assento publicado no Diário do Governo, 1.' série, de 11 de Julho de 1934, e também, v. g., na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 67.º p. 92.] Da redacção do assento (designadamente pelo emprego do vocábulo 'só') resulta que a uniformização de jurisprudência operada pelo Supremo Tribunal de justiça se fixou num entendimento restritivo da competência das relações em matéria de facto na apreciação dos recursos das decisões dos tribunais colectivos.

Assim, a redacção do preceito em causa, com o alcance que lhe foi conferido pelo assento citado, foi sendo, ao longo dos anos, objecto de sucessivas reflexões doutrinárias, de que dá conta o Acórdão n.º 340/90 e que ora se recordam em síntese.

Logo em 1934, em anotação ao artigo 665.º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção dada pelo decreto de 1931, escrevia José Mourisca (Código de Processo Penal Anotado, vol. IV, 1934, nota 1255): De que serve a lei conferir à relação o poder de alterar o que decidiu, em matéria de facto, o tribunal colectivo, se, em regra, os autos não a habilitam a formar o seu juízo com aquela ponderação que se impõe sempre e principalmente tratando-se de crime grave? A principal prova, quanto à descoberta dos agentes do crime, é a testemunhal.

Mas se não ficam reduzidos a escrito os depoimentos das testemunhas no plenário, como há-de a relação modificar a decisão do colectivo? Dar uma faculdade e não conceder os meios para a poder exercer o mesmo é que não a dar.

Mesmo que conste dos autos a confissão do réu, não basta, porque ela, só por si, não pode levar à condenação.

Têm subido à relação muitos recursos, em processos de querela, em que os recorrentes gastam folhas e folhas de papel a dizer o que depuseram as testemunhas, para concluírem pela injustiça da decisão! Como se a relação pudesse agir em face das suas alegações! Como se a relação pudesse fazer obra apenas pelo que dizem as partes! Mais tarde, em 1983, Figueiredo Dias, em conferência intitulada 'Para uma reforma global do processo penal português - Da sua necessidade e de algumas orientações fundamentais' (publicada no volume Para Uma Nova Justiça Penal, 1983, p. 189), afirmava: Por outro lado, o sistema português de recursos penais é notoriamente, de uma parte, insuficiente - pois que não possui qualquer recurso do facto minimamente digno de tal nome -, de outra, excessivo - por isso que submete a mesma questão de direito a dois graus de recurso. O que vale por dizer que cria um duplo grau de recurso da mesma questão de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT