Os serviços de interesse geral e o princípio fundamental da protecção dos interesses económicos do consumidor

AutorMário Frota
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo Professor Convidado da Universidade Paris XII (1991-2006)
I Dos serviços públicos essenciais aos serviços de interesse geral
1. A diversidade conceitual nos países europeus

O conceito de serviços de interesse geral na União Europeia é pluriforme: aí refulgem as concepções anglo-saxónica, germânica, nórdica, neo-latina... que não são, na realidade, coincidentes.

A noção de serviço público é inexistente em alguns dos Estados-membros.

Porém, como se assevera algures, "há ideias e realidades" muito semelhantes correspondentes a valores comuns a todos os países europeus.

Nos Países Baixos há os "beheer van diensten"; na Itália os "gestione di pubblica utilità"; no Reino Unido, as "public utilities"; na Alemanha, a "dasein vorsorge"; em França, o "service public"; em Espanha "los servicios públicos"; em Portugal, os "serviços públicos"1.

O conceito de serviços de interesse geral definido se acha em distintos actos institucionais da União Europeia.

A definição, conquanto não consolidada e susceptível de reparos fundados, perfila-se como segue:

- "Os serviços de interesse geral designam as actividades de serviços, com fins lucrativos ou não, consideradas de interesse geral pelas autoridades públicas e, por esse motivo, sujeitas a obrigações específicas de serviço público.

- Os serviços de interesse económico geral referem-se aos serviços que o mercado que os Estados-membros e a União sujeitam a obrigações de serviço público em função de critérios de interesse geral, sobretudo de serviço universal, em sectores como o das comunicações electrónicas, da energia e dos correios".

As noções não se nos afiguram suficientemente clarificadoras

- Porque, em regra, se contém o definido na definição, o que, a uma outra luz, constituiria, em tempos, ao menos entre nós, motivo da rejeição da própria noção que não permite a apreensão do conceito que se destina a descodificar.

O Comité das Regiões da União Europeia, em um parecer recente, emitido em 23 e 24 de Fevereiro de 20052e no que tange à distinção entre serviços de interesse geral (SIG) e serviços de interesse económico geral (SIEG) requer à Comissão prepare proposta de legislação-quadro susceptível de permitir a definição de princípios comuns positivos, v.g.,

- o dos critérios de distinção dos serviços de interesse geral económicos e não económicos,

- os princípios e obrigações gerais dos "serviços de interesse geral"

- os critérios para circunscrição da distinção das trocas comerciais

- o direito de os órgãos do poder local e regional à produção de serviços de interesse económico geral e os princípios directores de funcionamento

- os mecanismos de avaliação.

E, noutro passo, sublinha que o Livro Branco não dá uma definição inequívoca dos serviços.

Noutros documentos, há menções a serviços essenciais de interesse geral, sem que deles se faça um recorte adequado e decisivo, e menos ainda uma distinção clara ante as noções pouco precisas de serviços de interesse geral e de interesse económico geral. Nos serviços de interesse geral cabem ainda os serviços culturais, os serviços bancários mínimos, os serviços financeiros assentes nos seguros cuja contratação é imperativa, vale dizer, obrigatória, ante o carácter de que se revestem, o serviço público de radiodifusão e radiotelevisão, para além da rede mundial de informação, vulgo, internet.

Pode, sem dúvida, afirmar-se que o próprio conceito será ainda objecto de aprofundada reflexão e não menos acurada discussão.

2. Princípios nos documentos de reflexão da União Europeia

Os princípios que regem, na Europa, segmento tão relevante do social compendiam-se, de harmonia com o que se contém nos sucessivos textos vertidos neste particular, em:

2.1. O do direito de acesso

Aceder ao serviço de que se trata constitui, em verdade, o primeiro dos princípios.

O princípio comporta três variantes, a saber:

o do acesso físico independentemente do estatuto particular, da idade ou das deficiências susceptíveis de determinar eventuais interdições e/ou inabilitações: ou seja, haja ou não capacidade de exercício de direitos, o acesso ao serviço universal não pode ser denegado a quem quer que seja, afigurando-se-nos que a primeira das características do serviço deve radicar na condição, no estatuto do consumidor, dominado pela igualdade, haja ou não regras particulares no que tange aos consumidores economicamente desfavorecidos.

o do acesso económico, vale dizer, a preços "abordáveis", expressão que pretende significar que a retribuição, como contrapartida do fornecimento ou da prestação, deve pautar-se por valores acessíveis, moderados, em cuja definição é curial participem os actores coenvolvidos (sem se olvidar os consumidores, cuja participação é essencial).

Neste domínio assinale-se que nem sequer se admite que haja discriminação do preço consoante os modos de pagamento adoptados pelos consumidores;

o acesso geográfico que se traduz, efectivamente, no fornecimento do produto ou na prestação do serviço independentemente do lugar do domicílio do consumidor.

2.2. O do direito de escolha

O direito de escolha que se quer pela pluralidade de serviços, como eventualmente de fornecedores, em situações em que a natureza do produto ou serviço o recomende ou permita.

O direito de escolha deve estender-se naturalmente às tecnologias e às infra-estruturas e a condições gerais alternativas dos contratos, em particular no que se prende com o cômputo do fornecimento, modos de pagamento, garantia e assistência.

2.3. O direito à segurança que se perspectiva em particular sob o prisma da segurança física

De tal sorte que o eixo fulcral da política de consumidores na União Europeia no domínio da prevenção, como da precaução se observe sem reservas.

Os textos exprimem em tema de prevenção ditames genéricos como específicos: proíbe-se o fornecimento de produtos e prestação de serviços que, em condições de uso normal ou previsível, impliquem riscos incompatíveis com o seu emprego, inaceitáveis de acordo com um nível elevado de protecção da saúde e da segurança física das pessoas.

No que tange à precaução, peculiares cuidados se exigem quando ainda subsiste uma qualquer incerteza científica.

A precaução que figura em geral3 no Tratado da União, ora em vigor, postula um sem número de vectores, a saber:

ambiente

e

saúde.

Em particular, no domínio da segurança alimentar (e as águas inserem-se neste estilo de preocupações) o princípio da precaução é recortado em termos sensíveis, revendo-se de análogo modo nos pressupostos substantivos e adjectivos de que arranca:

1-Incerteza científica4

O que quer significar que os conhecimentos científicos permitem perspectivar um perigo para a saúde sem autorizar a conclusão da existência certa do perigo;

Incerteza científica: no domínio da salvaguarda da saúde, a avaliação científica é indispensável no processo legislativo.

Agravidade do risco pode revestir duas formas:

A primeira, uma incerteza científica relativa à superveniência de um prejuízo ou uma incerteza sobre a gravidade do dano;

A segunda, uma acção instante, urgente.

Duas condições formais se impõem:

  1. - Carácter transitório: a medida tomada em virtude do princípio da precaução deverá entender-se em simultaneidade com a da incerteza jurídica;

  2. - Diligências investigatórias: o que visa a remediar a incerteza científica por via de uma consequente investigação científica.

2.4. O direito à qualidade dos produtos ou serviços

Tal direito pressupõe obrigações de base que garantam a qualidade física dos produtos fornecidos ou dos serviços prestados aos consumidores.

A qualidade abarca, por seu turno, como se tem por curial, domínios outros que se prendem com os demais princípios ou atributos que neles se imbricam, a saber:

fiabilidade e continuidade dos serviços

comunicação com os consumidores

indicadores de qualidade e respectiva publicidade

inquéritos de satisfação e seus reflexos permanentes nos indicadores de qualidade

pagamento e suas opções (metrologia)

reclamações e seu tratamento.

Por conseguinte, recorta-se a qualidade e seus pilares bem como as refracções de um tal princípio.

2.5. O direito à continuidade e à fiabilidade do fornecimento

Os serviços terão de ser assegurados de modo contínuo, permanente e fiável.

Tal pressupõe e...

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