O Impacto do direito fiscal internacional no planeamento fiscal: últimos desenvolvimentos

AutorTiago Caiado Guerreiro
Cargo do AutorAdvogado
Páginas108-125

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Iremos em seguida analisar o abuso na utilização de acordos tributários nos seguintes quatro casos concretos: (i) treaty shopping, (ii) cláusulas de limitação dos benefícios, (iii) rule shopping, e (iv) abuso de acordos tributários por Estados Contratantes.

Noções

A violação de acordos tributários é um caso específico de evasão fiscal que implica adesão a um acordo ao mesmo tempo que se frustram os seus objectivos.

A definição do conceito de violação ainda assenta consideravelmente nas diferentes medidas empregues pelos diferentes países para impedir o planeamento fiscal indevido.

Nalguns países motivações exclusivamente fiscais (i.e. não são razões objectivas, mas subjectivas, o que releva é a intenção do contribuinte) são requisitos necessários para a evasão fiscal e para a violação de tratados tributários, assim impossibilitando de facto a qualificação como tal na maioria dos esquemas de planeamento fiscal. Os académicos têm desde há muito defendido que a aplicação de normas convencionais ou domésticas deve ser assegurada independentemente da intenção do contribuinte ao fazer a transacção.

Isto levanta a importante questão acerca de saber se as leis nacionais podem ou não influenciar os acordos tributários. PodemPage 109 considerar-se três soluções possíveis a este respeito. Duas soluções, nomeadamente, aplicar (i) (em geral ou ad hoc) disposições internas antievasão também aos acordos tributários e (ii) legislar normas internas antievasão especificamente concebidas para os acordos tributários, e que terá como resultado a desaplicação dos acordos. Em contraste, a terceira solução possível é baseada em (iii) disposições antiabuso incluídas em acordos tributários, que me parece ser a única defensável, por razões que irão ser expostas ao longo deste pequeno resumo.

Diferentes países têm diferentes visões quanto a este problema. A desaplicação dos acordos foi incondicionalmente defendida pelos EUA, que sublinharam poder a lei interna influenciar a interpretação dos acordos tributários (o relatório da OCDE de 1998 sobre competição fiscal nociva reconheceu que os países podem aplicar as suas regras internas antiabuso a pedidos de utilização dos benefícios do acordo). Contudo, a literatura fiscal alemã sublinhou que o impacto da lei interna na interpretação e caracterização de acordos tributários produz frequentemente assimetrias quando existam medidas antievasão diferentes em dois Estados Contratantes.

Para estas situações os EUAincluíram o teste do "objectivo principal" no seus acordos mais recentes (especialmente com os países que não tem nenhuma cláusula antievasão no seu ordenamento interno), para assegurar que ninguém conseguirá tirar partido do acordo quando o objectivo principal da transacção é evitar o pagamento de imposto.

A inclusão de alguns critérios directamente nos comentários ao modelo de convenção da OCDE poderá atenuar o problema, uma vez que os acordos são concebidos para evitar a dupla tributação (mais do que para evitar a ausência de tributação), e assim aqueles critérios condensariam o princípio não escrito de acordo com o qual os acordos não devem ser aplicados em caso de abuso.

O mencionado critério seria esboçado de modo a que ambos os países contratantes devam reconhecer o abuso também no caso de apenas um deles ser afectado (frequentemente o país da fonte). Em peloPage 110 menos três situações deste tipo a cooperação do outro país contratante poderia contribuir decisivamente para conseguir alcançar uma estratégia conjunta equilibrada para o combate ao abuso dos acordos.

O Estado da fonte pode igualmente não negar os benefícios do acordo a uma transacção que considera abusiva, ou fazê-lo apenas com recurso a uma interpretação do acordo que não seja indiscutível. Para além disso, a mesma situação pode ocorrer quando o Estado da fonte tenha dúvidas acerca de uma prática seguida pelo Estado de residência que facilita o abuso dos acordos.

Há quem defenda que os Estados Contratantes também violam (i) activa e (ii) passivamente os acordos, posição com a qual não concordo. Os tratados alcançam o seu objectivo de minimizar ou eliminar a dupla tributação de rendimento em operações transfronteiriças, obrigando cada Estado Contratante a ceder uma parte do imposto a que de outro modo teria direito. Assim, quando um Estado Contratante contraria o propósito do acordo, o próprio Estado está a fazer aplicação abusiva do acordo.

Aplicação abusiva activa por um Estado Contratante ocorreria quando despesas de saída (exit charges) recuperam uma parte das receitas a que o Estado pela assinatura do acordo se obrigou a não tributar. Por exemplo, nas mais-valias. De facto, a sua tributação exclusiva no país de residência implica que tais ganhos sejam apenas tributados pelo país no qual o contribuinte é residente na altura da sua realização. Quando um contribuinte muda para outro país, ele poderá reduzir a sua responsabilidade fiscal. Contudo, este resultado não é atingido com recurso a nenhum artifício: é pelo facto de ele fisicamente estar presente nesse país. Consequentemente, após a residência ser transferida, o Estado de emigração deixa de estar autorizado pelas regras do acordo a tributar aqueles ganhos de capital e não deve atingir o mesmo resultado através de leis internas.

Aplicação abusiva passiva por um Estado contratante acontece quando existe benevolência das autoridades fiscais aos abusos pelo contribuinte. Por exemplo, os investidores residentes num paísPage 111 constituem uma sociedade num Estado Contratante que tem um regime fiscal mais favorável com o país da fonte. Caso o país da fonte refreasse a aplicação das suas regras antiabuso, e não confirmasse se a sociedade existe ou tem outra função que não a minimização da obrigação de imposto, estaria a aquiescer ao abuso do acordo levado a cabo pelo contribuinte.

No entanto, esta posição não é pugnada pela maior parte dos especialistas, que discorda que os Estados possam eles mesmos violar os acordos, aceitando, quanto muito, que se considere existir nestes casos uma desaplicação do acordo.

Apesar de muitas directivas da UE conterem disposições que visam evitar os abusos aos acordos, não existe nenhum conceito de abuso actualmente no direito comunitário.

A aplicação de cláusulas antiabuso aos acordos tributários é significativamente afectada pelo direito comunitário. Os Estados-membros da UE devem reconhecer o primado do direito comunitário sobre o seu direito interno, bem como sobre todos os acordos assinados após o Tratado de Roma. Por conseguinte, até onde as leis da UE têm aplicação, os Estados-membros não podem aplicar quer disposições internas antiabuso, quer acordos que tenham um impacto discriminatório ou restritivo nas liberdades fundamentais da UE (vide liberdade de escolha do Esta-do-membro para exercer uma determinada actividade económica, sediar uma sociedade por exemplo). Todos os cidadãos da UE podem invocar o tratamento nacional noutros Estados-membros da UE, apesar de nenhuma conclusão final ter sido alcançada quanto à discriminação horizontal (i.e. entre nacionais de dois Estados-membros da UE num terceiro Esta-do-membro da UE) e quanto à chamada doutrina da nação mais favorecida.

Mais além, o TJCE desenvolveu o princípio da proporcionalidade, para assegurar que as disposições antiabuso só sejam aplicadas até ao estritamente necessário para contrariar a violação em si mesma.Page 112

Casos

O abuso dos acordos levanta várias questões fiscais, nomeadamente o treaty shopping, limitação das cláusulas de benefícios, rule shopping, e abuso de acordos tributários por Estados Contratantes através de despesas de saída.

a) Treaty shopping

Discrepâncias nas várias leis internas afectam negativamente o direito a benefícios decorrentes dos tratados em situações triangulares, facilitando assim o treaty shopping. Soluções uniformes em todos os estados envolvidos num dado caso poderão reduzir o possível abuso, mas são difíceis de alcançar.

Por exemplo, aos juros pagos a uma sociedade constituída num país (aí considerada residente), com a sua direcção efectiva localizada noutro país...

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