Acórdão n.º 617/2007, de 13 de Fevereiro de 2008

Acórdáo n. 617/2007

Processo n. 997/2006

Acordam na 3.ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Maria Isolina Pinto Gonçalves, melhor identificada nos autos, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n. 1 do artigo 70. da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), do Acórdáo do Tribunal da Relaçáo do Porto (3.ª Secçáo), de 28 de Setembro de 2006, «considerando o n. 2 do artigo 1682. e o n. 2 do artigo 1696. do Código Civil inconstitucionais, quando permitam a penhora em salário do executado e se prove em embargos de terceiro movidos pelo cônjuge, casado em comunháo de adquiridos, que este sempre trabalhou, exercendo profissáo remunerada, destinando o produto do seu trabalho a despesas da vida familiar e a aquisiçáo de bens que constituem o recheio da habitaçáo em que reside com o executado, por violaçáo dos artigos 2., 62., 36., n.os 1 e 3, e dos princípios neles consignados, da Constituiçáo da República Portuguesa», nos termos da resposta ao despacho/convite de aperfeiçoamento do requerimento de recurso proferido no tribunal a quo.

Pode ler -se no acórdáo recorrido:

Restringe -se o âmbito do recurso à parte da sentença que julgou da improcedência dos embargos, isto é, relativamente à requerida penhora pela exequente, em 16 de Março de 2004 (fl. 140), do direito de crédito, correspondente a um terço do vencimento que o executado Eduardo Rufino aufere como trabalhador por conta da empresa Expresso - Carga. Ora, náo vem posta em causa a matéria de facto tida a quo por demonstrada nos autos.

E, com suficiência, por demonstrada neles estar, também se lhe adita - ut artigo 712., n. 1, primeira parte, do CPC - sendo que, aqui em precedência, ela foi também elencada o seguinte:

A nomeaçáo à penhora do requerido direito a que se restringe o recurso (um terço do vencimento do cônjuge executado) foi ordenada na execuçáo, por despacho de 29 de Março de 2004 (fl. 141), até perfazer o montante de € 8705,70, como a notificaçáo do legal representante da entidade patronal (artigo 856, ibidem) - a fl. 142; sendo certo, porém, que ulteriormente, por decisáo de 24 de Fevereiro de 2006 (a fl. 150), se determinou que a execuçáo permanecesse suspensa - ut artigo 359., n. 2, ibidem - quanto à efectivaçáo de tal diligência relativa ao direito da exequente sub judice.

Perante tal quadro circunstancial fáctico «provado» cabe ajuizar da conformidade com a lei da decisáo da 1.ª instância ora impugnada.

Entáo, hic et nunc, questáo é táo -só a de saber se é, ou náo, admissível a penhora de um terço do salário do executado (marido da embargante), pese embora ele, uma vez recebido por este, seu titular, se (poder, caso o náo gastasse ou onerasse, por ser de sua administraçáo pessoal) integrar no património comum do casal.

Na falta de convençáo antenupcial, como no caso, o casamento da embargante com o executado considera -se celebrado sob o regime de bens de comunháo de adquiridos - artigo 1717., CC.

Nele, entáo, faz parte da comunháo o produto do trabalho dos cônjuges - artigo 1724., alínea a), ibidem; embora seja administrado pelo respectivo cônjuge seu titular - artigo 1678., n. 2, alínea a), ibidem.

O casamento baseia -se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges - artigo 1671., n. 1; sendo que cada um dos cônjuges pode exercer qualquer profissáo ou actividade sem consentimento do outro - artigo 1677. -D.

Repete -se, náo obstante o mais dito, que cada um dos cônjuges tem a administraçáo dos proventos que receba pelo seu trabalho; tendo legitimidade para os alienar ou onerar, por acto entre vivos - artigo 1682., n. 2 - sem embargo de o poder de administraçáo e até de livre disposiçáo conferidos ao titular dos proventos de trabalho náo apagarem a natureza de bens comuns que tenham ex lege; e, sendo caso disso, eles estaráo sujeitos, por conseguinte, à compensaçáo fixada no n. 4 deste último normativo e devem ser partilhados na altura em que cessem as relaçóes patrimoniais entre os cônjuges (assim, A. Varela, Família, 1987, 363, nota 2).

Náo se poderá esquecer, porém, que, no caso, demonstrado ficou que a dívida exequenda respeita a parte do valor do preço de equipamentos que a embargada/exequente forneceu ao cônjuge (executado) da embargante, os quais se destinaram a ser instalados num estabelecimento comercial, explorado pelo casal, constituído por aquele e pela embargante.

Articulado este facto, e demonstrado, pela parte embargada/exequente, náo o poderá nem deverá o aplicador do Direito olvidar [...] (artigos 659., n. 2, e 664°, CPC).

Daí, porém, expressamente se retirou a recorrente/embargante nas suas alegaçóes do recurso (seguramente, por dele as suas consequências jurídicas lhe náo serem favoráveis).

Situemo -nos, entáo, no âmbito do recurso. - O meio processual onde ajuizamos de embargos de terceiro é o meio específico de reacçáo contra a penhora por parte do cônjuge do executado, aqui terceiro - artigo 352. , CPC.

Aceite a natureza comum do bem indicado à penhora: um terço do vencimento do cônjuge executado, náo pode o cônjuge deste embargar «dado que este bem, ainda que comum, responde ao mesmo tempo que os bens próprios» - artigo 1696., n. 2, alínea b), primeira parte, CC (cf. J. Lebre de Freitas, A Acçáo Executiva, à luz do Código revisto, 2.ª ed., 1997, p. 238).

Bem se diz, entáo, que, pese embora o produto do trabalho do cônjuge seja um bem integrado na comunháo do casal, neste regime de bens, verdade é também que ex lege o mesmo responde a par dos bens próprios do cônjuge devedor e nos mesmos moldes em que tais bens respondem pelas dívidas da sua exclusiva responsabilidade.

Assim é que, por isso, certo é e bem se dirá, náo obstante tais bens serem bens comuns, náo seguem o regime geral da responsabilidade pelas dívidas desses bens, mas excepcionalmente o regime da responsabilidade dos bens próprios.Nestes parâmetros fáctico -legais, para além do mais que ora náo vem equacionado e por isso náo tem de ser ajuizado, os credores do cônjuge executado têm o direito de fazer penhorar os bens próprios do cônjuge devedor e, tal qual, o salário deste, sem que o cônjuge do executado, dele náo titular, possa opor que de tal produto de trabalho, por virtude do regime de bens, também comunga.

A protecçáo do património colectivo de afectaçáo especial do casal náo pode servir para furtar o cônjuge devedor remisso às suas responsabilidades para com terceiros.

Bem se ajuizou e decidiu, como no caso dos autos, que a credora/ exequente podia penhorar parte (um terço) do produto do trabalho do devedor executado, que é um bem comum móvel, mas de que este podia dispor por si só e, consequentemente, podendo ser objecto da execuçáo imediata (por aplicaçáo do princípio de que podem ser executados todos os bens que podem ser alienados), sem requerer a citaçáo da sua mulher, por náo ser permitido a esta embargar de terceiro, no tocante à penhora requerida de um terço do salário do cônjuge executado (Acórdáo da Relaçáo de Lisboa de l4 de Maio de 1975, in BMJ, 248, 460; de 14 de Fevereiro de1978, CJ, III, 1.,100; Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 1984, in BMJ, 340, 343).

Estando sob apreciaçáo prévia ao fim e ao cabo a validade da decisáo que ordenou a penhora de um terço do vencimento do executado marido, e nada obstando à sua legalidade, esta decisáo terá de ser mantida; o que implicará, apodicticamente, a improcedência destes embargos, no que a tal bem respeita.

Bem se decidiu a quo pela sua improcedência e consequente pros-seguimento da execuçáo quanto ao mesmo, por ser ele susceptível de penhora pela exequente, ao abrigo dos normativos legais citados, conjugados entre si, e hermenêutica deles feita no caso.

Assim, estando aqui precludido o direito de embargar, quanto ao bem penhorado, nos termos em que foi exercido.

Náo vemos, por isso, portanto, que qualquer das normas invocadas e consideradas, nomeadamente os normativos dos artigos 1682., n. 2, e 1696., n.1, CC, enfermem ou padeçam de qualquer inconstitucionali-dade ou afrontem os artigos 2., 36., n.os 1 e 3, e 62., n. 2, CRP.

Atento o regime de bens ora em causa, o da comunháo de adquiridos, diremos, em síntese e em geral, que sáo «grosso modo» próprios os bens indicados nos artigos 1722., CC, os sub -rogados no lugar desses (artigo 1723.) e os adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios (artigo 1728.); ao passo que sáo comuns os bens a que se refere o artigo 1724.

E sáo dívidas comuns as indicadas nos artigos 1691., 1693., n. 2, e 1694., n. 1; e próprias as que constam dos artigos 1692., 1693., n. 1, e 1694., n. 2.

Ora:

Pelas dívidas que sáo da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal e só na sua falta ou insuficiência é que respondem, solidariamente (ou conjuntamente, se o regime for o da separaçáo de bens), os bens próprios de qualquer dos cônjuges (artigo 1695.);

Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do devedor (e, com eles, os bens comuns a que se refere o artigo 1696., n. 2) e só na sua falta ou insuficiência é que responde a meaçáo dele nos bens comuns (artigo 1696., n. 1; e adiante -se, que entre estes se inclui o salário do cônjuge náo executado, ut Acórdáo da Relaçáo do Porto de 25 de Maio de 2006, Gonçalo Silvano, in processo n. 2864.3.2006, in http://www.dgsi.pt/jtrp).

Neste quadro legal ordinário, a paridade e simetria de ambos os cônjuges do casal está vincada, sem supremacia de um em relaçáo ao outro, em pé de igualdade, se lhes aplicando o respectivo regime legal e sem prejuízo do apuramento ulterior de contas entre os cônjuges (artigo 1697., n.os 1 e 2, CC).

Consagrada está aqui a ideia de que cada um dos cônjuges deve ser compensado de tudo quanto tenha sido pago à custa dos seus bens, além do que rigorosamente lhe cumpria subscrever no plano das relaçóes internas; como ainda, deste modo, em certa medida, a ocorrência à necessidade de defesa do interesse...

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