Acórdão n.º 18/2007, de 20 de Fevereiro de 2007

Acórdáo n.o 18/2007 - Processo n.o 197/2004

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

1 - O Procurador-Geral da República veio requerer que este Tribunal declarasse a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 2.o do Decreto Legislativo Regional n.o 2/2002/M, de 1 de Março, e, bem assim, de todas as normas ínsitas no Decreto Regulamentar Regional n.o 15/2002/M, de 18 de Setembro.

1.1 - Fundamentou a sua pretensáo, em síntese, com o seguinte quadro argumentativo:

O Decreto-Lei n.o 112/2001, de 6 de Abril, expressamente qualificado como lei geral da República, estabeleceu o enquadramento e definiu a estrutura das carreiras de inspecçáo da Administraçáo Pública, deter-minando a sua aplicaçáo às inspecçóes-gerais e aos serviços e organismos da administraçáo central e regional autónoma, estatuindo o n.o 3 do seu artigo 2.o que a respectiva aplicaçáo às inspecçóes e aos serviços e organismos da administraçáo regional autónoma se fará por decreto legislativo regional, atendendo às suas especificidades orgânico-administrativas;

Uma tal adaptaçáo veio a ser realizada pelo Decreto Legislativo Regional n.o 2/2002/M, de 1 de Março, o qual, todavia, se limita a prescrever, no seu artigo 2.o, que a aplicaçáo da nova estrutura das carreiras de inspecçáo da Administraçáo Pública aos serviços e organismos da administraçáo regional autónoma se fará, em cada caso, mediante decreto regulamentar regional;

Na sua óptica, aquele artigo 2.o padece de manifesta inconstitucionalidade orgânica, pois que, resultando das disposiçóes conjugadas dos artigos 227.o,n.o 1, alínea d), e 232.o, n.o 1, da Constituiçáo, que é da exclusiva competência das Assembleias Legislativas das Regióes Autónomas o exercício da atribuiçáo de regulamentar as leis gerais emanadas dos órgáos de soberania que náo reservem para estes o respectivo poder regulamentar, care-cem em absoluto os Governos Regionais de competência para regulamentar um diploma que se configura como

1276 lei geral da República, o que implica o entendimento de que é constitucionalmente inadmissível a delegaçáo de competência regulamentar, a favor do Governo Regional, operada pelo preceito em questáo do mencionado decreto legislativo regional;

Que, justamente por essa razáo, sáo, no seu ponto de vista, consequencialmente inconstitucionais todas as normas insertas no «regulamento editado ao abrigo de 'tal lei habilitante' - e que integram o referido Decreto Regulamentar Regional n.o 15/2002/M».

1.2 - Notificados do pedido formulado, vieram efectuar sobre ele pronúncia o Presidente da Assembleia Legislativa da Regiáo Autónoma da Madeira e o Presidente do Governo Regional da Madeira, ambos pugnando pela náo desconformidade constitucional dos normativos em causa.

O primeiro, em abono da sua posiçáo, invocou, essencialmente:

O Decreto-Lei n.o 112/2001 envolve, no que toca à administraçáo regional autónoma, dois níveis de aplicaçáo, implicando, o primeiro - consagrado no n.o 3

do seu artigo 2.o -, o exercício de competência legislativa regional, que envolve a decisáo de aplicar às Regióes Autónomas o regime previsto naquele diploma e, o segundo - prescrito no seu artigo 14.o -, a aplicaçáo concreta de tal regime a serviços e organismos da administraçáo regional especificamente considerados;

O Decreto-Lei n.o 112/2001, ao estabelecer o enquadramento e definiçáo da estrutura das carreiras de inspecçáo da Administraçáo Pública, efectuou uma completa e esgotante disciplina do regime que pretendeu instituir, pelo que náo carecia de ser regulamentado;

Ora, prescrevendo o artigo 14.o daquele decreto-lei que a aplicaçáo do disposto no presente diploma aos serviços e organismos a que se refere o n.o 1 do artigo 2.o faz-se, em cada caso, mediante decreto regulamentar - e náo passando em claro, por um lado, que no indicado n.o 1 do artigo 2.o se inclui a administraçáo regional autónoma e, por outro, que o legislador nacional sabia que, nas Regióes Autónomas, é da competência dos Governos Regionais a aprovaçáo de diplomas com o valor de decretos regulamentares regionais necessários ao bom funcionamento da administraçáo regional -, entáo é de concluir que tal normativo se refere somente à transposiçáo regulamentadora concreta dos próprios serviços e organismos, nos quais se háo-de incluir aos próprios da administraçáo regional, transposiçáo essa que há-de reflectir fielmente as normas de enquadramento e de estrutura das mencionadas carreiras definidas por aquele diploma;

Sequentemente se concluirá também que o aludido artigo 14.o se limita a remeter para o poder executivo do Governo da República e das Regióes Autónomas a ediçáo de diplomas que venham a regulamentar, em concreto, a aplicaçáo, aos respectivos serviços e organismos, da disciplina estabelecida no Decreto-Lei n.o 112/2001, diplomas esses que háo-de ser tantos quantos os serviços que, nos respectivos quadros, tenham pessoal de carreiras de inspecçáo;

Náo está, assim, em causa uma regulamentaçáo de uma lei geral da República, antes estando em questáo, unicamente, a obrigaçáo de os serviços e organismos abrangidos pelo Decreto-Lei n.o 112/2001 adoptarem uma regulamentaçáo própria de acordo com regime por ele instituído;

E essa obrigaçáo de adaptaçáo à realidade regional da Madeira foi levada a cabo pelo Decreto Legislativo

Regional n.o 2/2002/M, que, afinal, veio a traduzir, no seu artigo 2.o, a regra constante do n.o 1 do artigo 14.o do Decreto-Lei n.o 112/2001, ou seja, que a aplicaçáo da nova estrutura das carreiras de inspecçáo da Administraçáo Pública aos específicos serviços e organismos da administraçáo regional se faria mediante decreto regulamentar regional, sendo certo que essa matéria de específica aplicaçáo é da competência dos poderes executivos dos Governos Regionais;

Neste contexto, o Decreto Legislativo Regional n.o 2/2002/M e, bem assim, o Decreto Regulamentar Regional n.o 15/2002/M, náo ofendem quaisquer preceitos constitucionais, designadamente o n.o 1 do artigo 232.o, conjugado com a alínea d) do n.o 1 do artigo 227.o, um e outro da Constituiçáo;

Que, a náo merecer acolhimento a tese da náo inconstitucionalidade, e para a hipótese de vir a ser emitida uma declaraçáo de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, deveriam ser salvaguardados os efeitos de tal declaraçáo, limitando-os às situaçóes futuras.

Por seu lado, o presidente do Governo Regional da Madeira, em súmula, argumentou do seguinte jeito:

Determinando o n.o 5 do artigo 115.o da Constituiçáo que leis gerais da República sáo as leis e os decretos-leis que, cumulativamente, obedeçam aos requisitos de a respectiva razáo de ser envolver a sua aplicaçáo a todo o território nacional e de serem decretados para valer como leis gerais da República, o Decreto-Lei n.o 112/2001, muito embora tenha, formalmente, sido decretado para valer como lei geral da República, a verdade é que náo pode ser entendido como tal, uma vez que lhe falta manifestamente o primeiro requisito a que alude aquele n.o 5;

Uma «lei nacional» náo pode ser considerada lei geral da República quando a mesma autoriza a sua adaptaçáo ao contexto regional, fazendo depender a sua aplicaçáo às Regióes Autónomas da ediçáo de diploma regional;

Ora, porque o próprio legislador nacional, naquele diploma, reconheceu expressamente que o mesmo se náo aplicava, de per si, a todo o território nacional, já que previu a sua náo aplicaçáo às Regióes Autónomas, excepto se isso viesse a ser pretendido por elas, desiderato a operar por diploma regional, isso significa que o Decreto-Lei n.o 112/2001 náo pode ser considerado como uma lei geral da República;

O Decreto Regulamentar Regional n.o 15/2002/M náo procede à regulamentaçáo do Decreto-Lei n.o 112/2001, mas sim à regulamentaçáo do Decreto Legislativo Regional n.o 2/2002/M, o que consubstancia algo bem diverso, sendo que é aos Governos Regionais que compete, e táo-só, proceder à regulamentaçáo dos decretos legislativos regionais;

Sendo a Inspecçáo Regional das Actividades Económicas um serviço pertencente à estrutura orgânica da Secretaria Regional dos Recursos Humanos, a qual, por sua vez, integra a orgânica do Governo Regional da Madeira, e determinando o n.o 5 do artigo 231.o da Constituiçáo que é da exclusiva competência do Governo Regional a matéria respeitante à sua própria organizaçáo e funcionamento, nunca poderia um decreto legislativo regional regulamentar as carreiras daquele serviço, pois que, se o fizesse, incorreria em inconstitucionalidade, por violaçáo da competência exclusiva dos Governos Regionais;

Náo se mostra, assim, que o Decreto Regulamentar Regional n.o 15/2002/M padeça de vício de inconstitucionalidade.1.3 - A questionada norma do Decreto Legislativo Regional n.o 2/2002/M - após no seu artigo 1.o se dispor que esse diploma procede à aplicaçáo, à administraçáo regional autónoma da Madeira, do Decreto-Lei n.o 112/2001 (aplicaçáo essa extensível a todos os serviços daquela administraçáo, incluindo institutos públicos e fundos públicos personalizados - cf. o seu n.o 2) -, reza assim:

Artigo 2.o

Regulamentaçáo

A aplicaçáo da nova estrutura das carreiras de inspecçáo da Administraçáo Pública aos serviços e organismos da administraçáo regional autónoma referidos no n.o 2 do artigo anterior far-se-á, em cada caso, mediante decreto regulamentar...

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