Enquadramento

AutorArnaldo Ourique
Cargo do AutorLicenciado, Pós-Graduado e Mestre em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas11-35
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2. Enquadramento
A) Antecedentes da organização das ilhas insulares como percepção das ideias
constitucionais
2.1 Para se perceber como as Constituições monárquicas divisavam as regiões insulares
teremos que entender que não só estes documentos se traduzem na implementação do
constitucionalismo em Portugal – mas também e não menos importante do sistema
administrativo; trata-se afinal duma feliz coincidência.
2.2 Antes do liberalismo, isto é no antigo regime, a organização administrativa era
central e a descentralização seria basicamente centrada nos municípios, sobretudo nos
mais significativos. Tudo se resumia na preocupação de comandos da hierarquia
superior para os municípios sem que existisse um reenvio para essa hierarquia das
preocupações locais. Os concelhos estavam ligados à coroa por uma dependência
directa de órgãos centrais; no seu seio o Juiz de Fora que julgava nas comarcas mais
importantes, o Corregedor que fazia a inspecção dessa justiça e da administração
concelhia, e o Provedor que básica e estrategicamente zelava pelos direitos fiscais da
Fazenda Real (
36
). Sobre este sistema teríamos assim o poder (
37
):
Governo
Rei
Ministros
Municípios
Órgãos da comarca
Juiz de Fora
Corregedor
Provedor da Fazenda Real
Ou seja, há um vector directo do topo para o local, não há um intermédio que faça essa
ligação e que portanto se reja por interesses não meramente locais mais abrangentes,
pelo menos nas matérias comuns e de interesse comum. Há um comando directo ao
(
36
) MARCELO CAETANO, Manua l de Direito Administrativo, Volume I revisto por FREIT AS
DO AMARAL, Lisboa, 1991, pp. 17 e seguintes, 144, 165 e seguintes.
(
37
) Por exemplo, Ordenações Afonsinas, 1514, Livro I, Regimento dos Oficiais das Cidades,
vilas e lugares deste reino, 1504, Orde nações Manuelinas, 1514, e Filipinas, 1595. MARCELO
CAETANO, Estudos..., pp. 329 e 330.
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município através sobretudo do corregedor que pautando-se pelos interesses exclusivos
do rei esquece em absoluto os problemas concretos das localidades.
2.3 Nos Açores estava em vigor o sistema do Governador Geral de 2 Agosto de 1766
(
38
) que, entre variada vicissitude legislativa, durou até ao sistema do primeiro Código
Administrativo de 1836 (
39
). O Governador-Geral, na pessoa do Capitão-Geral era
nomeado pelo rei, detinha todos os poderes Militares, Civis, Criminais e até
Económicos (política intervencionista com monopólios), e tudo se concentrava na
Capital dos Açores de então, Angra do Heroísmo, e onde se centravam os Tribunais
Superiores, a Junta da Fazenda e o Corregedor que recebia ordens directamente do
governo central. Em cada ilha um Juiz de Fora que presidia às câmaras municipais.
Governo
Rei
Ministros
Governador Geral
Capitão-General
Tribunais Superiores
Junta da Fazenda
Corregedor
Municípios
Juízes de Fora
Aqui as ilhas, embora com vicissitudes próprias, detêm já a matriz triangular do poder,
aquela que será a sua força motriz durante quase dois séculos: um pólo intermédio
centrado na Ilha Terceira. Só que, como veremos, enquanto aqui esse pólo é centrado
aos problemas concretos de Angra, o sistema subsequente administrativo é
descentralizado pelos distritos. Mas é singular esta vertente triangular porque nos diz
que nem todos esses vectores são afinal os melhores.
(
38
) Textos em JOSÉ GUILHERME REIS LEITE, O Códice 529 Açores do Arquivo Histórico
Ultramarino A Capitania -Geral dos Açores durante o Consulado Pombalino, Angra do Heroísmo, 1988.
Embora o sistema fosse criado com base em conhecimento do terreno insular, este durante muito tempo
não foi utilizado eficazmente, cif. DAMIÃO RODRIGUES e PAULO FERNANDES, As novas e velhas
estruturas do poder e os seus reflexos nos vários e spaços insulares, em História dos Aç ores, volume I,
Angra do Heroísmo, pp. 437 e 449.
(
39
) ARNALDO OURIQUE, História da Autonomia dos Açores antes de 1976 Apontamentos
Jurídicos, edição online, Vlex, Barcelona, 2008, p. 12, nota 26.

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