Classificação dos créditos

AutorAlmeida & Leitão, Lda
Páginas87-100

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    Este texto é da autoria do Dr. António Carlos Tomás Ribeiro que gentilmente autorizou a sua inserção nesta compilação.
1. Generalidades

Em regra todos os credores estão em situação de igualdade perante o património do devedor. É o denominado princípio da par conditio creditorum .

Esse princípio corporiza-se no artigo 604.° n.° 1 do Código Civil (CC): "Não existindo causas legítimas de preferência os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos".

Porém, é muito frequente que um ou mais credores tenham direito a ser pagos preferencialmente por alguns dos bens, ou por todos os bens do insolvente.

Deve, especialmente enfatizar-se que as garantias e privilégios creditórios constituem excepções àquele princípio de igualdade dos credores perante o património do devedor pelo que as normas que os tutelam devem ser interpretadas de acordo com a regra enunciada no artigo 11.° do Código Civil.

A repartição dos credores por classes no novo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (C.I.R.E.) é justificada pela consideração da diversidade de situações em que podem encontrar-se os titulares dos créditos sobre o insolvente e na necessidade de lhes dar um tratamento adequado à sua natureza. 1

E a definição da prioridade dos créditos para serem pagos opera-se através da verificação e graduação dos créditos, procedimentos estes de natureza declarativa previstos no Capítulo I do Título V do Código.Page 88

2. Classificação dos Créditos

De forma inovadora, o C.I.R.E. introduz as "classes de créditos". Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração são considerados credores da insolvência e tais créditos são denominados como créditos sobre a insolvência (artigo 47.°, n. os 1 e 2).

Os "créditos sobre a insolvência" não se confundem com os "créditos sobre a massa insolvente" previstos no artigo 51.°.

Os créditos sobre a insolvência são:

* Créditos "garantidos" e "privilegiados", os créditos e respectivos juros, que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais e de privilégios creditórios gerais sobre os bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalentes (artigo 47.°, n. 4, alínea a) );

* Créditos "subordinados", os créditos enumerados no artigo 48.°, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência (alínea b) );

* Créditos "comuns", os demais créditos (alínea c) ).

Dito de outro modo:

* Os créditos garantidos são os que beneficiam de garantias reais neles se incluindo os créditos que beneficiem de privilégios creditórios especiais previstos no Código Civil.

* Os créditos privilegiados são os que beneficiam de privilégios gerais mobiliários e imobiliários.

* Os créditos comuns são os que não beneficiam de garantias, nem privilégios, nem subordinados, sendo pagos depois dos antecedentes.

* Os créditos subordinados são os que são pagos depois de todos os restantes créditos, incluindo os comuns.

A classificação dos créditos tem influência directa na graduação respectiva dos mesmos para pagamento, liquidada que seja a massa insolvente.Page 89

3. Créditos garantidos

Créditos garantidos são, naturalmente, os créditos que beneficiem de garantias reais sobre bens individualizados integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias tendo em conta as eventuais onerações prevalentes.

Aqui se incluem a consignação de rendimentos (artigo 656.° do CC), o penhor (artigo 666.° e segs.) e a hipoteca (artigos 686.° e segs.) e o direito de retenção (artigo 754.°).

Uma das garantias reais previstas na lei e a mais vulgar no tráfego jurídico, é a hipoteca , a qual confere ao credor titular o direito a ser pago pelo valor de certas coisas imóveis pertencentes ao devedor (artigo 686.° do CC).

A hipoteca abrange os juros que constem do registo relativos a não mais de três anos, sem prejuízo da constituição e registo de nova hipoteca em relação a juros em dívida anteriores a três anos (artigo 693.° do mesmo diploma).

Créditos garantidos são ainda, na classificação legal usada, os créditos que beneficiam de privilégios creditórios especiais .

Estão neste âmbito, os privilégios creditórios imobiliários especiais e os privilégios mobiliários especiais , que abrangem apenas o valor de determinados bens móveis (artigo 735.°, n. os 2 e 3 do CC).

São exemplos de privilégios creditórios mobiliários especiais , os previstos nos artigos 738.° a 742.° do CC: despesas de justiça, crédito de autor de obra intelectual, etc..

Ou o previsto em legislação avulsa, como por exemplo, o Imposto de Circulação (artigo 10.° do Código do Imposto de Circulação e Camionagem) que "goza de privilégio mobiliário especial sobre o veículo que deu origem à colecta".

Os privilégios creditórios imobiliários especiais (artigo 97.°, n.° 1, alínea b) ) têm também assento no Código Civil e deles são exemplos: as despesas de justiça, a contribuição predial, o imposto de sisa e o imposto de sucessões e doações (artigos 735.°, n.° 3, 743.°, 744.°, do CC).

Quanto ao Imposto Municipal sobre Imóveis (que substituiu o imposto de contribuição autárquica), continua a gozar das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial (artigo 122.° do Código do I.M.I. que corresponde ao artigo 24.° do Cód. Cont. Autárquica).Page 90

Tal significa que o crédito pelo Imposto Municipal sobre Imóveis beneficia de privilégio imobiliário sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos à tributação, desde que inscrito para cobrança no ano corrente da apreensão do bem para a massa falida e nos dois anos anteriores (artigo 744.°, n.° 1 do CC).

O imposto de sisa tem igualmente privilégio imobiliário (n.° 2 do referido artigo 744.°) e o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, que o substituiu, tem igual privilégio (artigo 39.° do Cód. IMT).

Os créditos do Estado por imposto sobre sucessões e doações têm privilégio sobre os bens móveis e imóveis transmitidos (artigo 738.°, n.° 2 e 744.°, n.° 2 do CC).

Também o Imposto de Selo goza de privilégio mobiliário e imobiliáriosobre os bens transmitidos, nos termos dos artigos 738.°, n.° 2 ou 744.° do CC, consoante a natureza dos bens (artigo 47.°, n.° 1 do Código Imposto de Selo).

Apenas os créditos que gozam de privilégio imobiliário especial previsto no Código Civil estão sujeitos ao regime do artigo 751.° do mesmo diploma - preferindo a hipoteca ao direito de retenção e à consignação de rendimentos bem como oponibilidade a terceiro.

Já quanto aos créditos que gozem de privilégio imobiliário geral estabelecido em legislação avulsa (v.g., créditos dos impostos de IRS e IRC créditos da Segurança Social), ficarão sujeitos ao regime prescrito no artigo 749.° do CC. 2

A...

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