Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2013, de 15 de Fevereiro de 2013

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2013 Processo n.º 165/10.3TTFAR.E1-A.S1 A sociedade comercial Inspecentro-Inspecção Periódica de Veículos Automóveis, S. A., veio, nos termos dos arti- gos 437.º e seguintes, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, datado de 3 de Maio de 2011, transitado em julgado, pro- ferido no recurso registado sob o n.º 165/10.3TTFAR.E1, emergente do processo de contra-ordenação, que na fase administrativa, correu termos na Autoridade para as Con- dições do Trabalho (ACT), através da Unidade Local de Faro, no qual, à ora recorrente, na qualidade de entidade empregadora, era imputada a prática de infracção ao dis- posto no artigo 81.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, conjugado com o artigo 151.º, n.º 1, alíneas

a) e

b), da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, por que foi condenada em coima, e que, após impugnação judicial da decisão administrativa condenatória, deu origem, no Tribunal de Trabalho de Faro, ao processo n.º 165/10.3TTFAR, no qual, por despacho judicial, foi rejeitada, por intempestiva, a impugnação judicial por si deduzida.

Invoca a sociedade comercial, ora recorrente, oposição entre a solução deste acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que rejeitou, por intempestividade, a impugnação judicial por si apresentada, procurando reagir à decisão administrativa que lhe impusera a aplicação de uma coima, e a preconizada, em sentido inverso, sobre situação alega- damente similar, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no recurso n.º 18/10.5TTCLD.L1, da 4.ª Secção, datado de 30 de Junho de 2010, e transitado em julgado em 26 de Julho de 2010, proferido no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 18/10.5TTCLD, em que era ar- guida a sociedade comercial “Arma-Fio, Armaduras para Betão”. Por acórdão de 5 de Junho de 2012, foi decidido verifi- carem-se os pressupostos de admissibilidade do presente recurso extraordinário, nomeadamente, a oposição de jul- gados sobre a mesma questão de direito, e ordenado o seu prosseguimento.

Alegaram, nos termos do artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a sociedade comercial recorrente e o Ministério Público.

A sociedade comercial recorrente concluiu assim as alegações apresentadas (em transcrição integral): «I. No caso concreto, é aplicável o disposto nos ar- tigos 59°, n° 2 e 60° do R.G.C.O., pelo que o termo do prazo para a apresentação da impugnação terminou em 17 de Fevereiro de 2010. II. À luz do disposto no artigo 6º da superveniente Lei n° 107/2009, de 14 de Setembro, o mesmo prazo de 20 dias terminaria em 8 de Fevereiro de 2010. III. Em processo de contra ordenação laboral a nova lei que encurta o prazo de que o arguido dispunha para interpor recurso de impugnação, que constitui uma das formas do exercício do seu direito de defesa, tem que ser encarada como agravando sensivelmente de forma evitável a respectiva situação processual.

  1. Pelo que, nos termos do disposto no artigo 5º, n° 2 alínea

    a) do CPP - aplicável por força do disposto no artigo 41° do RGCO, para o qual remete também o disposto no artigo 60° da Lei n° 107/2009, de 14 de Setembro - cumpre aplicar a tal título a Lei anterior, por ser o regime mais favorável ao arguido.

  2. A aplicação do artigo 6º da nova Lei ao caso sub judice configura uma considerável limitação do direito de defesa da arguida, já que lhe encurta de forma signi- ficativa o prazo da sua defesa.

  3. A aplicação imediata da nova Lei ao caso con- creto viola o disposto no artigo 5º, n° 2, alínea

    a) do CPP, aplicável por força do artigo 41° do RGCO, para o qual remete também o disposto no artigo 60° da lei n° 107/2009, de 14 de Setembro». Termina defendendo que o recurso deve ser julgado procedente e fixada jurisprudência nos termos definidos no acórdão fundamento, ou seja: «Em processo de contra ordenação laboral a nova lei que encurta o prazo de que o arguido dispunha para interpor recurso de impugnação, que constitui uma das formas do exercício do seu direito de defesa, tem que ser encarada como agravando sensivelmente de forma evitável a respectiva situação processual, pelo que cumpre aplicar a tal título, nos termos do disposto no artigo 5º, n° 2 alínea

    a) do CPP- aplicável por força do disposto no artigo 41° do RGCO, para o qual remete também o disposto no artigo 60° da Lei n° 107/2009, de 14/9 — a Lei anterior». Por seu turno, o Exmo.

    Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, na douta e bem fundamentada resposta, concluiu nos termos seguintes: 8.1 – No âmbito do regime jurídico das contra-orde- nações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e quer por via do dis- posto no art. 60.º deste diploma, quer do art. 41.º, n.º 1 do DL n.º 433/82, de 23 de Setembro, são subsidiariamente aplicáveis, em matéria de sucessão da lei no tempo, os preceitos reguladores do processo criminal; 8.2 – No processo criminal está hoje pacificamente consolidado na jurisprudência – [na sequência, aliás, do Acórdão de Uniformização n.º 4/2009] –, e até também na própria doutrina, a dimensão normativa dos preceitos legais ao caso convocáveis que aponta no sentido de que, em caso de sucessão de leis processuais penais no que respeita ao recurso a interpor pelo arguido, o respectivo direito nasce com a prolação da sentença penal condenatória proferida em 1.ª Instância. 8.3 – O que significa portanto que o regime processual aplicável é, nesta sede, aquele que estiver em vigor na data em que foi proferida a decisão (da 1.ª Instância), in- dependentemente de o respectivo processo se ter iniciado no domínio de vigência da lei anterior. 8.4 – Ora, se no processo penal – [em cuja sede se tutelam bens jurídicos e valores de acrescida ressonân- cia social, como é desde logo o caso, v.g., do direito à “liberdade”, constitucionalmente garantido (art. 27.º da CRP)] – o direito ao recurso se materializa apenas no mo- mento em que é proferida a decisão condenatória, sendo portanto aplicável a lei processual que estiver em vigor aquando da respectiva prolação, redundaria em inadmissí- vel contradição valorativa que pudesse ser outro o caminho a trilhar no domínio do processo de contra-ordenação, ao qual é, como já vimos, subsidiariamente aplicável o processo penal, quando é certo que nele se tutelam so- bretudo interesses de índole meramente patrimonial e/ou económica, de relevância social incomensuravelmente menos significativa. 8.5 – No apontado quadro, é assim de concluir que, instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação de decisão de autoridade administrativa que, já na vigência deste diploma, aplique uma coima, é convocável o novo regime introduzido pelo seu art. 6.º, por aplicação subsi- diária do art. 5.º, n.º 1 do CPP, pois que é nesse momento que fica definida a relação entre o arguido e o processo [a “situação processual do arguido”] no que respeita à concretização e condições de exercício do seu direito ao recurso [impugnação judicial] da decisão que lhe seja desfavorável. 8.6 – A regra da aplicação imediata da lei nova pode, e deve, ser derrogada é certo, tanto no domínio do processo penal como do processo contra-ordenacional, quando esti- ver verificada alguma das circunstâncias normativamente enunciadas no n.º 2 do art. 5.º do CPP, entre as quais a de dessa aplicação imediata decorrer um «agravamento sen- sível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa». 8.7 – Só que “in casu” a alteração introduzida pelo mencionado art. 6.º da nova lei prende-se apenas com a forma de contagem dos prazos processuais no âmbito do processo de contra-ordenação laboral, tendo ficado con- finada, pois, a aspectos de mero formalismo processual, sem por qualquer forma modificar ou beliscar o núcleo essencial do direito ao recurso e/ou as condições de res- pectiva admissibilidade: o arguido/condenado manteve incólume o direito a impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa que lhe seja desfavorável, através do competente e adequado recurso jurisdicional, recurso esse que continua a ter de observar os mesmos cuidados de forma [tem de conter, designadamente, alegações e conclusões] e que terá também de ser interposto, como antes, no prazo de 20 dias. 8.8 – A alteração verificada, confinada assim à intro- dução da regra da “continuidade dos prazos” não pode, de todo, assumir, no plano do direito ao recurso, “uma grandeza, relevância e intensidade” susceptível de integrar o conceito legal de «agravamento sensível» da posição processual do arguido, nos termos e para os efeitos da previsão normativa contida na alínea

    a) do n.º 2 do citado art. 5.º do CPP. 8.9 – De resto, e como ensina Paulo Pinto de Albu- querque, In “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2.ª edição, pág. 58 e 59, se é verdade que «as normas processuais proprio sensu estão ainda subordinadas ao direito de acesso aos tribunais, previsto no art. 20.º, n.º 1, da CRP e no art. 6.º do CEDH […]», não é menos verdade também que, nesta matéria, «o legislador não pode aplicar imediatamente aos processos pendentes normas menos favoráveis aos sujeitos proces- suais quando elas ponham em causa o direito de acesso aos tribunais. (…) mas pode limitar a aplicação aos pro- cessos pendentes de normas mais favoráveis aos sujeitos processuais e participantes processuais, desde que essa limitação não constitua uma restrição desproporcionada e arbitrária do direito de acesso aos tribunais». 8.10 – No caso sujeito, temos por certo que a aplicação imediata da lei nova, com a consequente introdução da regra da continuidade dos prazos, não retira ao arguido quaisquer das garantias de defesa que anteriormente lhe es- tavam asseguradas, mantendo intocado o direito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT