Direito à informação

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas13-22

Page 13

Uma sala quase vazia, de só paredes, uma enxerga e um banco. Lá dentro, duas personagens: Kafka e o padre. Este havia sido chamado por aquele na infindável e inconseguível busca dos termos da acusação sobre ele arquitectada.

Padre:

- Devo dizer-te que o processo está muito contra ti.

Kafka:

- Eu sei.

Apesar de não ter poupado esforços para ser informado dos motivos determinantes da minha acusação, mas até agora sem o mínimo resultado.

Padre:

- Como achas que isto vai acabar?

Kafka:

- Até há pouco pensava que tudo ia acabar em bem. Agora já tenho muitas dúvidas, estou com medo. E tu, sabes como tudo isto vai terminar?

Padre:

- Não, mas receio que tudo acabe mal.

Tu és dado como culpado. Se calhar, o teu processo nem sequer passará da 1ª Instância. Acham-te culpado e ponto final.

Kafka:

- Mas eu estou inocente.

É um erro tremendo ser considerado culpado. Aqui, todos nós somos homens, ninguém é diferente dos outros.

Padre:

- Tens razão, mas isso é o que dizem todos os culpados.

Decididamente, o autor passou-se. Exclama o leitor. Ou então: o conteúdo não corresponde ao título da capa. Erro da tipografia que o editor sem controle de qualidade, deixou passar. Page 14

Mas não. O supra é uma transcrição de uma passagem de "O Processo" de Kafka. 1

Que pensamos ter atinência com o direito à informação, por seu turno enquadrável nos Meios de Defesa do Contribuinte.

Pode alguém 2 defender-se sem saber os termos que ressaltando dos autos se lhe imputam?

Que meios de defesa aguentam tamanha indagação? Sem que o contribuinte conheça o processo, folha a folha, mesmo linha a linha, que lhe aproveitará a giroscópica malha de defesa que a lei lhe equaciona?

Audições prévias, recursos hierárquicos, reclamações, impugnações judiciais, oposições, contestações, quedar-se-ão flatus vocis.

Custou muito, mesmo muito, para que o legislador condescendesse. 3

Abriu mão, finalmente, permitindo o direito à informação. 4

Em 4 de Agosto de 1998, é promulgada uma Lei Geral Tributária. Estilhaçando o ensimesmamento, o segredo, as capelinhas que impediam o acesso aos processos administrativos pendentes no seio da Administração Tributária.

Aliás, expressão do pensamento dos detentores do poder a nível fiscal. Não será que "el toro sale a su amo"? 5

Mas, retomando: a Lei nº 41/98, de 4/08, incluiu em seu texto este dispositivo:

«ARTIGO 67º

Direito à informação

1 - O contribuinte tem direito à informação sobre:

a) A fase em que se encontra o procedimento e a data previsível da sua conclusão;

b) A existência e teor das denúncias dolosas não confirmadas e a identificação do seu autor.

c) A sua concreta situação tributária.

2 - As informações referidas no número anterior, quando requeridas por escrito, são prestadas no prazo de 10 dias.» Page 15

Foi como que o arrancar de todos os dentes para a Administração Tributária. Se bem que, o transcrito normativo ainda não seja um abrir de portas de par-em-par. Por se confinar à concretização das alíneas a), b) e c). Mas não é bem assim, pela correlacionação que se lhe deverá fazer com estoutros artigos:

«ARTIGO 268º 6

(Direitos e garantias dos administrados)

1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

3. Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível, quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.

5. Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

6. Para efeitos dos n.os 1 e 2 a lei fixará um prazo máximo de resposta por parte da Administração.» Page 16

«ARTIGO 30º 7

Consulta dos processos administrativos ou judiciais

1 - Os documentos dos processos administrativos e judiciais pendentes ou arquivados podem ser consultados pelos interessados ou seus representantes.

2 - Os mandatários judiciais constituídos podem requerer que os processos pendentes ou arquivados nos tribunais Ihes sejam confiados para exame fora da secretaria, com observância das normas do Código de Processo Civil. 8

Tudo conjugando: 9

[GRAFICO EM ARQUIVO ADJUNTO]

De notar: o indeferimento do pedido de informação tem de constar de um despacho devidamente fundamentado, pois estamos perante um facto que pode afectar os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Page 17

E depois e além de, há ainda uma outra forma de colher informação. De informação com carácter e efeito diverso. Marcando, sem dúvida, uma ainda mais vasta prodigalidade do legislador. Vejamos o seguinte dispositivo da Lei Geral Tributária:

«ARTIGO 68º

Informações vinculativas

1 - As informações vinculativas sobre a situação tributária dos sujeitos passivos e os pressupostos ainda não concretizados dos benefícios fiscais são requeridas ao dirigente máximo do serviço, sendo o pedido acompanhado da identificação dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se pretenda.

2 - O pedido pode ser apresentado pelos sujeitos passivos e outros interessados ou seus representantes legais, não podendo a administração tributária...

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