Resolução n.º 196/2005, de 22 de Dezembro de 2005

Resolução do Conselho de Ministros n.º 196/2005 Portugal precisa de uma política de cooperação. Os investimentos que ao longo de três décadas tiveram lugar em actividades de cooperação obedeceram a lógicas muito variadas, foram de natureza extremamente diversa e tiveram resultados mistos, ambíguos e mesmo em muitos casos desconhecidos. Exige-se, por uma questão de responsabilidade e responsabilização política, e por razões de eficiência e clareza quanto aos objectivos, que se definam as linhas de orientação para a cooperação portuguesa, as quais terão em consideração as restrições orçamentais actualmenteexistentes.

É esse o propósito desta resolução do Conselho de Ministros.

Assim: Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministrosresolve: Aprovar o documento de orientação estratégica da cooperação denominado 'Uma visão estratégica para a cooperação portuguesa', anexo à presente resolução, da qual faz parte integrante.

Presidência do Conselho de Ministros, 24 de Novembro de 2005. - O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

ANEXO UMA VISÃO ESTRATÉGICA PARA A COOPERAÇÃO PORTUGUESA 1 - Introdução Portugal precisa de uma política de cooperação. Os investimentos que ao longo de três décadas tiveram lugar em actividades de cooperação obedeceram a lógicas muito variadas, foram de natureza extremamente diversa e tiveram resultados mistos, ambíguos e mesmo em muitos casos desconhecidos. Exige-se, por uma questão de responsabilidade e responsabilização política, e por razões de eficiência e clareza quanto aos objectivos, que se definam as linhas de orientação para a cooperação portuguesa.

Em 1999 o XIII Governo aprovou em Conselho de Ministros um documento de orientação estratégica com o título 'A cooperação portuguesa no limiar do século XXI' (ver nota i). Tratou-se da primeira - e, até à data, da única descrição coerente e completa de uma política de cooperação portuguesa.

Esse documento e as reformas então encetadas deixaram importantes marcas na cooperação portuguesa. Retoma-se agora o processo de atribuição de racionalidade e direcção estratégica à cooperação que foi entretanto interrompido.

A preocupação central em 1999, ainda hoje válida, ficou descrita na introdução à resolução do Conselho de Ministros que aprovou o documento: 'O importante desafio que se coloca a Portugal é o de saber articular, nos planos político, económico e cultural, a dinâmica da sua integração europeia com a dinâmica de constituição de uma comunidade, estruturada nas relações com os países e as comunidades de língua portuguesa no mundo, e de reaproximação a outros povos e regiões.

É neste quadro que a política de cooperação para o desenvolvimento, vector essencial da política externa, adquire um particular sentido estratégico, constituindo um elemento de diferenciação e de afirmação de uma identidade própria na diversidade europeia, capaz de valorizar o património histórico e cultural do País.

Torna-se assim necessário dotar a política de cooperação de mais rigor e coerência estratégica, de um comando político mais eficaz, de uma organização mais racional e de um sistema de financiamento adequado.' A política de cooperação para o desenvolvimento que aqui se propõe contém fortes traços de continuidade com a estratégia de 1999 e contém também inovações. No plano da continuidade, destacamos a preocupação em estabelecer uma ligação visível, consequente e eficaz entre princípios, prioridades, programas e projectos. Sublinhamos também a importância que em ambos os momentos se atribui ao requisito fundamental de comando e responsabilização política, por contraste com uma tradição de dispersão dos centros de decisão (inclusive no nível político) por entre as instituições que contribuem para a cooperação portuguesa, com a consequente perda de eficiência e sentido estratégico.

No plano da inovação, é notório que se verificou, desde 1999, uma acentuada tendência para a coordenação internacional da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) e que a cooperação portuguesa está actualmente pouco equipada para lidar com esta realidade, reduzindo desta forma a margem de actuação e a influência nacional nos grandes centros de discussão e decisão sobre as relações Norte-Sul. Esta tendência sublinha a urgência do aperfeiçoamento dos instrumentos e mecanismos da cooperação portuguesa, encontrando-se neste documento um conjunto de orientações a esterespeito.

Na senda da estratégia de 1999, o actual documento procura atribuir clareza, objectividade e transparência à cooperação portuguesa. Apesar da quebra nos montantes atribuídos à APD em Portugal em 2003 e 2004 (ver nota ii), estamos hoje perante uma dinâmica internacional de acréscimo da APD a que Portugal não pode permanecer alheio. Existem, aliás, diversos compromissos internacionais que apontam precisamente neste sentido, conforme se poderá verificar no capítulo 2. Porém, não pode justificar-se que haja uma participação activa portuguesa neste processo internacional sem que haja igualmente um importante esforço no sentido da rentabilização da cooperação portuguesa rentabilização para os países beneficiários e rentabilização para Portugal, nomeadamente para a sua inserção mais dinâmica nas redes e nos mecanismos que constituem a malha da globalização.

1.1 - A cooperação e a política externa portuguesa A experiência histórica mais recente do processo de globalização, e em particular desde o fim da guerra fria, trouxe uma renovada consciência e uma nova atitude quanto às relações Norte-Sul. Em outros momentos, a cooperação - a portuguesa e a de outros países - encontrava a sua justificação num conglomerado de razões que incluíam sentimentos de solidariedade humanitária ou política, interesses de ordem geostratégica ou económica e expressões de proximidade linguística ou cultural. Hoje, sobrepõe-se a este tipo de raciocínio a consciência de que, para funcionar, a globalização não pode continuar a ter largas manchas de exclusão no Hemisfério Sul. Essa possibilidade constitui a mais poderosa dúvida quanto aos benefícios da globalização e a mais perigosa semente para a instabilidade global. É esta consciência que está na base da transformação histórica do papel da cooperação internacional a que se assiste, em especial desde a Cimeira do Milénio, de 2000. De forma cada vez mais vincada, os países da OCDE [e em particular os da União Europeia (UE)] entendem as suas políticas de cooperação como elementos integrantes das suas estratégias para a globalização. Para Portugal, também a cooperação constitui um dos pilares da sua política externa e um instrumento imprescindível na sua relação com o mundo.

A política de cooperação reflecte a política externa portuguesa, fundamentalmente de três maneiras. Em primeiro lugar, no que diz respeito aos países de língua portuguesa, destacando-se em particular os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e Timor-Leste. A relação com os países africanos de expressão portuguesa constitui um dos pilares fundamentais da nossa política externa, juntamente com a integração europeia e a aliança atlântica. Igualmente a ligação a Timor-Leste, cuja independência constitui um dos grandes êxitos da diplomacia portuguesa, é profunda. O desenvolvimento desses países e a sua boa integração nas dinâmicas económicas da globalização constituem desideratos importantes da nossa política externa. Trata-se de desideratos com importância intrínseca, com evidentes consequências positivas para a qualidade de vida das populações desses países, sendo ao mesmo tempo favoráveis para os intercâmbios culturais e económicos que enriquecem a sociedade portuguesa.

Segundo, a língua portuguesa constitui um valor fundamental para a nossa política externa. A promoção da língua portuguesa no mundo contribui para a sedimentação, longevidade e proficuidade de uma comunidade linguística que constitui, a um só tempo, um importante contributo histórico português para o mundo e um trunfo relevante na era da globalização. A cooperação, em particular através do apoio à educação básica e à alfabetização nos países parceiros, consubstancia-se como um instrumento imprescindível para a promoção da nossa língua.

Terceiro, um dos objectivos da política externa nacional reside em promover a nossa capacidade de interlocução e influência em redes temáticas internacionais cujos centros de decisão são supranacionais. Ora, uma das características mais salientes da cooperação nos anos mais recentes é o enorme reforço da coordenação internacional através dessas redes. Não falamos aqui de uma característica exclusiva da cooperação internacional, antes pelo contrário: encontra-se o mesmo padrão em numerosas facetas da vida internacional contemporânea. Para um país de dimensão média e recursos limitados, o desafio essencial que se coloca é o de saber, com eficiência e profissionalismo, aplicar os instrumentos de que dispõe de forma a maximizar a qualidade da sua intervenção nos teatros de discussão e decisão que se identificam como mais importantes. A cooperação para o desenvolvimento internacional oferece um caso paradigmático desta forma de trabalhar. Urge agora orientar a nossa cooperação - tanto a multilateral como a bilateral - de modo a tirar o melhor proveito possível das vantagens que temos em algumas das arenas de coordenação internacional. Ao fazê-lo, conforme aqui se propõe, a política de cooperação insere-se de forma inequívoca e descomplexada no cerne da política externa nacional.

1.2 - Recursos e objectivos Face aos desafios de desenvolvimento que se colocam nos países parceiros, os recursos à disposição da cooperação portuguesa serão sempre escassos.

Em todas as áreas podemos encontrar, nos países parceiros, carências que poderão eventualmente ser atenuadas - pelo menos num primeiro momento através dos esforços da cooperação. Esta realidade, que deveria constituir um incentivo para o desenvolvimento de uma estratégia de intervenção racional e baseada em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT