Decreto-Lei n.º 61/2020

ELIhttps://data.dre.pt/eli/dec-lei/61/2020/08/18/p/dre
Data de publicação18 Agosto 2020
SeçãoSerie I
ÓrgãoPresidência do Conselho de Ministros

Decreto-Lei n.º 61/2020

de 18 de agosto

Sumário: Estabelece a organização institucional do setor vitivinícola e o respetivo regime jurídico.

Os regimes de qualidade na União Europeia (UE), nomeadamente os produtos com denominação de origem ou indicação geográfica protegida (DO/IG), constituem uma das mais importantes políticas públicas de promoção do desenvolvimento e da competitividade dos territórios rurais, sendo um dos pilares da diferenciação e competitividade do setor agroalimentar europeu. A experiência acumulada ao longo dos últimos anos aconselhou a que se procedesse a um balanço da sua aplicação e compatibilizasse o regime à recente revisão da Organização Comum de Mercado.

Como objetivos de política pública, preconiza-se o aprofundamento do nível de proteção jurídica das denominações de origem (DO) e indicações geográficas (IG) e o reforço da autorregulação, assente no modelo do interprofissionalismo, tendo igualmente presente a necessidade de corporizar no direito nacional todo o normativo comunitário que rege o regime em matéria de reconhecimento, proteção e controlo.

Em especial, em matéria de proteção das DO e IG, procede-se ao alargamento do seu âmbito de aplicação aos bens e serviços associados ao nome das DO e IG, ao mesmo tempo que são clarificadas determinadas disposições que se prendem com as regras de inclusão de menções de rotulagem associadas direta ou indiretamente aos nomes protegidos quando sejam suscetíveis de confundir o consumidor e concretiza-se também o conceito de consumidor.

As entidades gestoras das DO ou IG desempenham funções delegadas pelo Estado, motivo pelo qual se estabelece com clareza qual a natureza jurídica destas entidades, bem como a forma de representação dos seus operadores. Estabelecem-se alguns princípios horizontais aplicáveis a todas as DO e IG, conferindo flexibilidade às entidades gestoras para definirem regras complementares a constar nos estatutos e respetivo regulamento eleitoral.

Os cadernos de especificações das DO e IG devem poder ser atualizados à luz da evolução tecnológica e das tendências do mercado. Tendo presente o objetivo de reforço da autorregulação, institucionaliza-se a primazia da iniciativa do setor na submissão de propostas de alteração às regras de produção e comércio das DO e IG, que deverão ser devidamente fundamentadas quanto aos objetivos preconizados, nas vertentes agronómicas e enológica e seus impactos esperados na reputação e criação de valor. Nesta matéria, consagra-se ainda o direito de oposição por quem demonstre ter interesses legítimos sobre a DO ou IG.

O presente decreto-lei institui ainda as regras setoriais de aplicação do regime das organizações interprofissionais (OI) ao setor vitivinícola. Em paralelo, são definidas as condições em que uma OI pode adotar regras tendentes a regular a oferta ou aprovar acordos de extensão de normas a aplicar a todos os operadores e produtos da DO e IG.

As regras europeias pressupõem a designação de uma entidade competente para a gestão da DO e IG e de uma outra entidade independente de controlo. O presente decreto-lei introduz novas modalidades de organização da certificação, ao mesmo tempo que salvaguarda que as entidades gestoras continuam a manter, na plenitude, a sua importância e as suas funções nucleares ligadas à gestão e estratégia das DO e IG. As entidades gestoras passam a poder optar por continuar a acumular as funções de gestão e certificação, mediante determinadas condições de imparcialidade e de segregação interna, ou por externalizar a certificação, constituindo para o efeito um consórcio de certificação com outras DO e IG ou por contratualizar esta função a outro organismo certificador do setor.

Por outro lado, de forma a garantir a igualdade de concorrência entre as diferentes DO e IG, os planos de controlo de certificação passam a estar sujeitos a aprovação prévia e a níveis mínimos de exigência iguais para todas as DO e IG, devendo obedecer a uma estrutura comum.

Por forma a melhorar a prestação de contas por parte das entidades que exercem funções delegadas pelo Estado, as entidades gestoras passam a reportar anualmente os resultados dos seus planos de controlo, segundo uma estrutura predefinida e de acordo com um conjunto de indicadores comuns a definir para todas as DO e IG.

Com o objetivo de melhorar o funcionamento do regime, o presente decreto-lei clarifica as atribuições e competências de todas as entidades que nele participam, incluindo os respetivos poderes legais, responsabilidades e deveres de cooperação.

É criada a Comissão de Acompanhamento das DO e IG, na dependência do Instituto da Vinha e do Vinho, I. P., com a missão de prestar apoio e consulta especializada às autoridades nacionais competentes, nomeadamente através de pareceres e estudos e conceção e execução de planos de estratégia e de ação.

Foram ouvidos os órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores e o Instituto da Vinha e do Vinho, I. P.

Foi promovida a audição dos órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira.

Assim:

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

1 - O presente decreto-lei estabelece a organização institucional do setor vitivinícola e disciplina o reconhecimento, proteção e controlo das denominações de origem (DO) e indicações geográficas (IG) dos vinhos, vinagres, bebidas espirituosas de origem vínica e produtos vitivinícolas aromatizados.

2 - O presente decreto-lei estabelece, ainda, o regime de reconhecimento das organizações interprofissionais (OI) do setor vitivinícola e dos respetivos instrumentos de autorregulação.

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

1 - O presente decreto-lei aplica-se a todas as DO e IG do setor vitivinícola existentes no território nacional.

2 - Sem prejuízo das competências do Instituto da Vinha e do Vinho, I. P. (IVV, I. P.), enquanto instância de contacto junto da União Europeia, o disposto no presente decreto-lei é aplicável à Região Demarcada do Douro e às Regiões Autónomas com respeito pelas normas especiais previstas na legislação, estatutos e regulamentos e decorrentes das competências da entidade gestora e do organismo certificador das respetivas DO e IG.

Artigo 3.º

Definições

Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:

a) «Acreditação» a declaração por um organismo nacional de acreditação de que um organismo de avaliação de conformidade cumpre, para executar as atividades específicas de avaliação de conformidade, os requisitos definidos em normas harmonizadas e, se for esse o caso, quaisquer requisitos adicionais, nomeadamente os estabelecidos em sistemas setoriais, conforme disposto no n.º 10 do artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 765/2008;

b) «Autoridades competentes» as autoridades de acreditação e as entidades públicas com poderes de supervisão ou de auditoria, previstas no artigo 21.º;

c) «Consumidor» todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios;

d) «Entidade gestora (EG)» as entidades designadas nos termos do presente decreto-lei que asseguram a gestão estratégica e a proteção jurídica de uma DO ou IG;

e) «Organismo certificador (OC)» a entidade designada para efeitos do Regulamento (UE) 2017/625, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, e os organismos de controlo designados por delegação de funções, nos termos do artigo 5.º do mesmo Regulamento.

Artigo 4.º

Regime jurídico das denominações de origem e indicações geográficas do setor vitivinícola

O regime jurídico das DO e IG estabelecido pelo presente decreto-lei é ainda objeto:

a) De regulamentação específica, a adotar nos termos do artigo seguinte;

b) Da disciplina constante dos cadernos de especificações de cada DO e IG;

c) Da regulamentação constante dos instrumentos de autorregulação, decorrentes de decisões tomadas pelas OI.

Artigo 5.º

Regulamentação específica

1 - A regulamentação específica é aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área da agricultura, nomeadamente nas seguintes matérias:

a) Reconhecimento e proteção nacional das DO e IG e a designação das EG;

b) Princípios de atuação e deveres das EG;

c) Conteúdo obrigatório dos cadernos de especificações;

d) Condições a respeitar nos pedidos de reconhecimento das menções tradicionais;

e) Condições a respeitar de acordo com o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 94/2012, de 20 de abril.

2 - A operacionalização do regime obedece ainda ao disposto nas orientações técnicas (OTE), emitidas pelo IVV, I. P., e publicitadas através do seu sítio na Internet, que visam concretizar a melhor forma de dar cumprimento a uma determinada obrigação, podendo assumir as seguintes modalidades:

a) Instruções vinculativas sobre o procedimento a adotar;

b) Recomendações.

CAPÍTULO II

Proteção das denominações de origem e indicações geográficas

Artigo 6.º

Âmbito da proteção

1 - As DO e IG constituem património com interesse público, cujo reconhecimento confere legitimidade às entidades gestoras, às autoridades competentes, e a qualquer interessado, para impedir ou fazer cessar a utilização ilícita daquelas designações.

2 - As DO e as IG não podem ter caráter genérico e não podem ser objeto de apropriação individual ou de grupo, designadamente pelos operadores previamente instalados.

3 - Os topónimos, incluindo as menções nominativas ou figurativas que incluam ou evoquem, nomeadamente, o nome de municípios, rios, serras, parques naturais, monumentos e afins, com uma forte reputação intimamente associada à área delimitada, apenas podem ser utilizados na rotulagem de produtos vitivinícolas certificados da respetiva região delimitada.

4 - Os topónimos referidos no número anterior podem ser utilizados na rotulagem de produtos não certificados quando do seu uso resulte de forma inequívoca um significado diferente do geográfico e desde que a sua utilização não induza o...

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