Decreto-Lei n.º 28/84 - Altera o regime em vigor em matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública

Act Number28/84
Official Gazette PublicationDiário da República n.º 17/1984, Série I de 1984-01-20
ÓrgãoMinistérios da Justiça, da Saúde, da Agricultura, Florestas e Alimentação, do Comércio e Turismo e da Qualidade de Vida
  1. A criminalização e punição das actividades delituosas contra a economia nacional tem sido objecto de legislação penal secundária, cujo marco mais importante é o Decreto-Lei n.º 41204, de 24 de Julho de 1957, ao tempo saudado como um diploma bastante avançado em relação aos textos estrangeiros que proliferavam na matéria.

    Entretanto, decorridos mais de 26 anos sobre a sua publicação e a despeito das sucessivas alterações nele introduzidas, a realidade criminológica, em permanente evolução, requer com premência a revisão e a actualização do sistema de normas especialmente virado para o combate à delinquência económica.

    Disso se deu conta o legislador constituinte quando estatuiu que as actividades delituosas contra a economia nacional serão definidas por lei e objecto de sanções adequadas à sua gravidade (Constituição da República Portuguesa, artigo 88.º, n.º 1) e quando apontou algumas directrizes de política criminal a observar, neste domínio, pelo legislador ordinário.

    Uma delas respeita às sanções, que poderão incluir, como efeito da pena, a perda dos bens, directa ou indirectamente obtidos com a actividade criminosa, e sem que ao infractor caiba qualquer indemnização (citado artigo, n.º 2).

    Outra prende-se com a intervenção do Estado na racionalização dos circuitos de distribuição e na formação e no controle dos preços, a fim de combater práticas especulativas, evitar práticas comerciais restritivas e seus reflexos sobre os preços e adequar a evolução dos preços de bens essenciais aos objectivos da política económica e social (artigo 109.º, n.º 1).

  2. Muito embora se reconheça a pertinência dos objectivos visados com o Decreto-Lei n.º 41204, não só no que respeita ao abrandamento do sistema punitivo como à eliminação das regras processuais especiais de épocas de guerra e, ainda, quanto à vantagem de sistematização da legislação dispersa a que se procedeu, o certo é que se mantiveram e se acentuaram muitos dos defeitos dessa mesma legislação, cujos conceitos, em muitos casos, se repetiram quase textualmente.

    Acresce que, por força da definição contida no artigo 1.º daquele diploma, as suas disposições têm sido aplicadas apenas como um sistema quase exclusivamente repressivo da actividade comercial ou equiparada, quando a própria realidade da vida económico-social tem demonstrado que noutros sectores se desenvolvem comportamentos passíveis de prevenção e repressão não menos significativos.

    Aliás, é da própria natureza desta área do direito penal atender essencialmente à reprovação das condutas em si mesmas lesivas dos valores fundamentais do ordenamento sócio-económico, só se considerando a qualidade ou condição dos autores em casos especiais ou para efeitos especiais.

  3. Com a Lei n.º 12/83, de 24 de Agosto, ficou o Governo autorizado a alterar os regimes em vigor, tipificando novos ilícitos penais, definindo novas penas ou modificando as actuais, tomando como ponto de referência a dosimetria do Código Penal, na matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública, entre outras.

    A mesma lei autorizou o Governo a alterar o regime jurídico das contra-ordenações, seus processos e sanções, previstas, designadamente, nos Decretos-Leis n.os 191/83, de 16 de Maio, e 433/82, de 27 de Outubro, para o qual aquele remete.

    Por fim, o sentido da lei autorizadora é, quanto às infracções antieconómicas e contra a saúde pública, a obtenção de maior celeridade e eficácia na prevenção e repressão deste tipo de infracções, nomeadamente actualizando o regime em vigor.

  4. O presente diploma visa dar satisfação à política legislativa que dimana dos textos anteriormente referidos.

    Nessa medida, enquadra-se nos princípios que nortearam a elaboração do Código Penal, em vigor deste 1 de Janeiro do corrente ano, razão pela qual se elimina a distinção entre crimes e contravenções, privilegiando-se a distinção entre crimes e contra-ordenações.

    No que respeita ao processo penal não seria aconselhável introduzir alterações significativas, sabido, como é, que se encontra em fase de elaboração um novo projecto de Código de Processo Penal, e esse facto, só por si, condiciona toda e qualquer tentativa no sentido de consagrar inovações que, a mais ou menos curto prazo, poderiam revelar-se desarmónicas com as que vierem a ser adoptadas naquele.

    Mas o interesse da celeridade e da eficácia mostra-se garantido na medida do imediatamente possível, designadamente através da utilização da forma de processo sumário, prevista para as infracções a que corresponda pena de prisão até 3 anos quando o agente for preso em flagrante delito.

    Aliás, o facto de vários comportamentos aparecerem agora tratados como contra-ordenações proporciona uma maior celeridade no respectivo processamento e na aplicação das sanções, na medida em que são subtraídos à actuação da máquina judicial, já demasiadamente assoberbada.

  5. De acordo com as mais modernas correntes do direito criminal, e a fim de concorrer para a desejada harmonia do sistema jurídico, despenalizaram-se certos tipos de infracções, que normalmente revestiam a natureza de contravenções, englobando-se os comportamentos respectivos no direito de mera ordenação social.

    Neste aspecto, retomaram-se algumas soluções do Decreto-Lei n.º 191/83, de 16 de Maio, havendo o particular cuidado de extremar rigorosamente os campos dos 2 ilícitos em presença, a fim de evitar sobreposições ou confusões entre as previsões dos correspondentes tipos legais.

    Quer isto dizer que se relegaram para o capítulo das contra-ordenações apenas aqueles comportamentos que não põem em causa interesses essenciais ou fundamentais da colectividade e que, por isso, carecem de verdadeira dignidade penal.

  6. No que respeita aos crimes, salientam-se as seguintes inovações:

    1. Introdução de alterações importantes na estrutura e penalização de infracções previstas no Decreto-Lei n.º 41204, passando, assim, e salvo estando em causa os valores da vida, da saúde e da integridade física das pessoas - cuja protecção está assegurada na parte especial do Código Penal -, tais matérias a constituir infracções contra a genuinidade, qualidade e composição dos géneros alimentícios e aditivos alimentares, em que os valores protegidos são a confiança de quem entra em relação negocial com o agente e, reflexamente, o interesse patrimonial do adquirente ou do consumidor;

    2. No âmbito destas infracções, tem especial relevância a utilização de conceitos que integram a definição dos tipos legais de crimes, em consonância com a orientação das actuais legislações baseadas nas normas do Codex Alimentarius da FAO-OMS, em que Portugal colabora;

    3. Alargou-se, porém, a protecção penal a factos constitutivos de falsificação, contrafacção ou depreciação de outros bens e mercadorias, por não se ver razão para a excluir quando, como se disse, estão em causa o valor da confiança e a protecção do património dos lesados com esses factos, insuficientemente protegidos com as formas típicas do crime de burla do Código Penal em vigor e na linha do crime de fraude na venda que o Código Penal de 1886 previa;

    4. O presente diploma, no aspecto imediatamente antes referido, inspirou-se em soluções consagradas no Código Penal suíço;

    5. Tipificou-se, em novos moldes, o crime de abate clandestino, único tipo incluído nas infracções contra a saúde, por se afigurar que o respectivo comportamento não se subsumiria adequadamente nos tipos previstos no Código Penal, a despeito de se tratar de tipos bastante alargados de crimes contra a saúde;

    6. Quanto ao crime de açambarcamento, abrangeram-se novas situações, designadamente o condicionamento da venda de bens à venda de outros e, bem assim, a aquisição de quantidades de bens superiores às necessidades de abastecimento normal dos respectivos compradores, incluindo, por conseguinte, os próprios consumidores, aliás de acordo com outras legislações de países da CEE;

    7. Relativamente ao mesmo crime e mantendo embora a referência, que vinha do Decreto-Lei n.º 41204, ao prejuízo do regular abastecimento do mercado, especificou-se que o mesmo se verifica sempre que estejam em causa bens para os quais se encontrem fixados preços máximos ou estabelecidos regimes especiais de garantia do abastecimento;

    8. No que se refere ao crime de especulação, considerando a sua especial gravidade, abrangeram-se na respectiva tipificação factos que eram punidos apenas como tentativa ou que constituíam outras infracções punidas com penas mais leves;

    9. Tipificaram-se novas infracções, com vista a englobar, tanto quanto possível, situações não previstas em diplomas legais, bem como outras já previstas em legislação avulsa mas às quais, por vezes, era dado tratamento diferente;

    10. Nesta ordem de ideias, na sequência do disposto no artigo 110.º da Constituição da República Portuguesa, e de acordo com a actual orientação do direito europeu, tipificou-se como crime a publicidade comercial ou industrial que crie situações susceptíveis de induzir o público em erro sobre várias situações que se especificam;

    11. Entre os novos tipos de crimes incluídos neste diploma destacam-se a fraude na obtenção de subsídios ou subvenções, o desvio ilícito dos mesmos e a fraude na obtenção de créditos, conhecidos de outras legislações, como a da República Federal da Alemanha, os quais, pela gravidade dos seus efeitos e pela necessidade de proteger o interesse da correcta aplicação de dinheiros públicos nas actividades produtivas, não poderiam continuar a ser ignorados pela nossa ordem jurídica;

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