Decreto-Lei n.º 191-D/79, de 25 de Junho de 1979

Decreto-Lei n.º 191-D/79 de 25 de Junho O n.º 3 do artigo 293.º da Constituição da República Portuguesa admite e impõe um processo de adaptação de normas anteriores relativas ao exercício dos direitos, liberdades e garantias consignados no texto constitucional, marcando como prazo para a referida adaptação o fim da primeira sessão legislativa.

A conjugação deste normativo com o do n.º 1 da mesma disposição implica que a adaptação é o processo adequado quando não se verifica a colisão frontal de um texto legal com as disposições constitucionais. Nesta última hipótese opera-se a revogação da anterior norma, nos termos gerais.

É aquele o caso do Estatuto Disciplinar vigente, uma vez que nele se encontram disposições inconstitucionais, bem como outras de duvidosa constitucionalidade, não sendo no seu conjunto um diploma frontalmente oposto à Constituição.

Trata-se, portanto, de adaptar o actual texto legal no sentido do reforço das garantias e direitos atinentes à defesa do arguido, eliminando do mesmo passo as disposições inconstitucionais ou aquelas que, em face da evolução do direito disciplinar e do meio social a que se aplica, se mostram desactualizadas.

Reconheceu-se já não ter sido o Estatuto revogado pelo n.º 1 do artigo 293.º, sem embargo de algumas das suas disposições deverem ser aplicadas à luz dos novos preceitos constitucionais ou por estes se deverem considerar revogados.

Como exemplo de disposições claramente inconstitucionais indicam-se a do artigo 9.º, na medida em que, regulando o dever de obediência, não se conforma com o que a Constituição dispõe no n.º 3 do artigo 271.º, norma esta que faz cessar o dever de obediência a ordens ou instruções que impliquem a prática de um crime.

Do mesmo modo, o texto constitucional impõe a reformulação do § único do artigo 10.º do actual Estatuto, já que a matéria da responsabilidade do agente ou funcionário que cumpriu ordem de legítimo superior hierárquico tem hoje assento no n.º 2 do artigo 271.º da Constituição.

Colide ainda com a Constituição, designadamente, o § único do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar em vigor, uma vez que não permite a interposição de recurso do despacho que não conceder a revisão de processo disciplinar, enquanto o n.º 2 do artigo 269.º da Constituição da República garante a possibilidade de recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer decisões definitivas e executórias.

Para além destes casos, em que a colisão é absoluta, existe um determinado número de disposições que carecem de revisão no sentido de uma maior adequação ao espírito constitucional e ao elenco de direitos e garantias estabelecidos. Pensa-se, fundamentalmente, no importante campo dos direitos de defesa e audiência do arguido, nomeadamente na assistência por advogado, direito de consulta do processo em termos mais amplos, possibilidades de recurso e adaptação das normas que regulam o processo especial por abandono de lugar, pontos estes, entre outros, em que se avança qualitativamente para além da mera adaptação.

Do mesmo modo e no mesmo sentido se minoraram os efeitos das penas mais graves, nomeadamente no que toca ao reflexo das mesmas sobre o direito à pensão na perspectiva das alterações introduzidas ao Estatuto da Aposentação e, quanto às incapacidade delas resultantes, pela introdução da figura da reabilitação. No que respeita às penas expulsivas, o elenco das infracções que a elas poderão dar lugar, bem como o condicionalismo na sua execução, indicam ser a sua aplicação possível apenas quando se inviabilize a manutenção da relação jurídico-funcional.

Carecem de regulamentação diferente, também, os efeitos sobre o vencimento da suspensão preventiva resultante da pronúncia definitiva por determinados crimes, tendo em conta as garantias em processo criminal estabelecidas no artigo 32.º da Constituição, particularmente no seu n.º 2.

As adaptações introduzidas, além da adequação necessária ao texto constitucional, visam ajustar o sistema disciplinar às novas condições em que se desenvolve o exercício da actividade dos funcionários e agentes da Administração, sem prejuízo de se considerar que, mesmo adaptado, tal conjunto de normas constitui essencialmente um diploma de transição, cuja substituição virá a ser feita, oportunamente, no âmbito da reforma administrativa em curso e da projectada Lei de Bases da Função Pública.

As modificações em questão pretendem aproximar as garantias de legalidade do processo disciplinar das garantias existentes em outras formas de processo, designadamente criminal, sem esquecer a especificidade do campo a que se aplicam.

Trata-se, pois, da modernização do Estatuto na perspectiva de uma administração subordinada a princípios de legalidade, moralidade administrativa, interesse colectivo e eficiência.

Deste modo, mantendo-se embora a concepção de que é o Governo, através dos titulares dos seus departamentos ministeriais, o detentor do poder disciplinar, o alargamento da capacidade gestionária dos directores-gerais e equiparados implica, consequentemente, que lhes seja de imediato delegada a respectiva competência para punir.

Contudo, a gravidade das penas expulsivas aconselha que a sua aplicação continue a ser da exclusiva competência dos Ministros.

Quanto às autarquias locais, face às particularidades que reveste o seu regime, designadamente à autonomia dos respectivos órgãos - embora subordinados às leis gerais da República -, julgou-se preferível a adaptação, por via regulamentar, de determinadas matérias expressamente assinaladas no texto dispositivo.

Assim: Usando da autorização conferida pela Lei n.º 17/79, 26 de Maio, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte: ARTIGO 1.º É aprovado o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, o qual faz parte integrante do presentediploma.

ARTIGO 2.º Os processos pendentes reger-se-ão pelas seguintes regras: a) As normas relativas à incriminação e qualificação de infracções constantes do Estatuto em anexo serão aplicáveis na medida em que forem mais favoráveis ao arguido; b) As normas processuais aplicam-se imediatamente.

ARTIGO 3.º Podem requerer a revisão do processo ou a reabilitação, nos termos e condições previstos no Estatuto aprovado pelo presente diploma, todos os funcionários e agentes punidos ao abrigo das disposições revogadas pelo artigoseguinte.

ARTIGO 4.º 1 - Fica revogada a legislação em vigor aplicável, em matéria disciplinar, aos funcionários e agentes abrangidos no âmbito pessoal de aplicação do Estatuto referido no artigo 1.º 2 - É revogado o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 152/75, de 25 de Março.

ARTIGO 5.º 1 - Os estatutos ou regimes disciplinares especiais serão adaptados, por decreto regulamentar, ao que no Estatuto aprovado pelo artigo 1.º se dispõe, no prazo de seis meses a contar data da entrada em vigor deste diploma.

2 - Até à publicação dos decretos regulamentares previstos no número anterior, a aplicação dos estatutos e regimes especiais far-se-á sem prejuízo da observância imediata das normas relativas às garantias de defesa do arguido, bem como das constantes na alínea a) do artigo 2.º do presente diploma.

ARTIGO 6.º As dúvidas suscitadas pela aplicação das disposições do presente diploma, bem como do Estatuto Disciplinar por este aprovado, serão resolvidas por despacho genérico do membro do Governo que tiver a seu cargo a função pública, ouvida a Direcção-Geral da Função Pública.

ARTIGO 7.º O presente diploma entra em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua publicação.

Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local CAPÍTULO I Princípios fundamentais ARTIGO 1.º (Âmbito e aplicação) 1 - O presente Estatuto aplica-se aos funcionários e agentes da Administração Central e Regional, bem como aos institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos.

2 - Os funcionários e agentes das autarquias locais passarão a reger-se, quanto a disciplina, pelo presente Estatuto.

3 - Excluem-se do âmbito de aplicação deste diploma os funcionários e agentes que possuam estatuto especial.

ARTIGO 2.º (Responsabilidade disciplinar) O pessoal a que se refere o artigo anterior é disciplinarmente responsável, perante os seus superiores hierárquicos, pelas infracções que cometa.

ARTIGO 3.º (Infracção disciplinar) Considera-se infracção disciplinar o facto culposo praticado pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce.

ARTIGO 4.º (Prescrição do procedimento disciplinar) 1 - O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a falta tiver sido cometida.

2 - Prescreverá igualmente se, conhecida a falta, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de três meses.

3 - Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos no Código Penal.

4 - Se antes do decurso do prazo referido no n.º 1 alguns actos instrutórios, com efectiva incidência na marcha do processo, tiveram lugar a respeito da infracção, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o últimoacto.

ARTIGO 5.º (Sujeição ao poder disciplinar) 1 - Os funcionários e agentes ficam sujeitos ao poder disciplinar desde a data da posse ou, se esta não for exigida, desde a data da entrada ao serviço, podendo no entanto ser processados por factos anteriores a uma ou outra, quando os mesmos derem origem a procedimento criminal e o crime determine incapacidade para o provimento em funções públicas.

2 - A exoneração ou a mudança de situação não impedem a punição por infracções cometidas no exercício da função.

3 - As penas previstas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 11.º serão executadas desde que os...

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