Decreto-Lei n.º 293/77, de 20 de Julho de 1977

Decreto-Lei n.º 293/77 de 20 de Julho A solução do problema da habitação - que se reconduz fundamentalmente à carência de habitações - encontra-se constitucionalmente balizada por dois princípios cuja conciliação se impõe: a garantia do direito à propriedade privada e a garantia do direito àhabitação.

Sem prejuízo da acentuação da função social da propriedade privada, a solução do deficit habitacional há-de procurar-se e conseguir-se sem prejuízo de que cada um continue a dispor, a coberto de violências ou outras sujeições que não as da lei, das casas de que é proprietário.

É assim que o artigo 65.º da Constituição comete ao Estado, para assegurar o direito à habitação, não a revogação das prerrogativas atinentes ao direito de propriedade de edifícios, mas a construção de infra-estruturas urbanas e de novas habitações, aliás fazendo apelo a incentivos à construção privada.

Ora não se estimulará a construção privada, condição necessária de um parque habitacional suficiente, se sujeitarmos o direito de propriedade a ónus que comprometam a necessária segurança do correspondente investimento.

Neste domínio, como nos demais, há que ser realista. E não o será quem esquecer que o sector público não pode, sozinho, construir todas as casas de que o País carece e que o sector privado o não suprirá sem adequadas garantias.

Se é certo que não é hoje sequer admissível transigir com a desenfreada especulação imobiliária a que antes se recorreu para animar o sector da construção civil, não é menos certo que o não reanimaremos sem o quantum satis de justiça retribuitiva e de segurança.

Tudo isto aponta para uma revisão em profundidade das leis que regem o inquilinato privado. Mas não é disso que por agora se trata, sem prejuízo de alguns ligeiros retoques num ou outro dispositivo legal atinente à matéria.

O presente diploma limita-se, no essencial, a encarar o chamado 'problema dos despejos'. E fá-lo segundo a mesma preocupação de equilibrar interesses e valores igualmente dignos de tutela.

Não é evidentemente possível suprimir da lei processual a acção de despejo, bem como as suas parentes próximas, restituição de posse e outras formas de entrega judicial. A não se considerar a problemática da habitação subtraída ao domínio do direito e entregue à lei do primeiro ocupante, ou do mais forte - quia absurdum -, sempre terão de prever-se ocupações injustas e ilegais de prédios urbanos, a que deve, judicialmente, pôr-se termo. Acentue-se, porém, que aquela acção toca o réu, pelo menos frequentemente, num dos bens que merecem maior protecção - a sua habitação, a sua casa, o seu lar. Por esse motivo, procurou-se neste diploma reforçar até aos limites do possível a tutela dos interesses do réu no respectivo processo.

Como se sabe, a lei substantiva limita taxativamente as causas de despejo, a maioria das quais assenta na violação do contrato e dos deveres dos inquilinos. Ainda nestas hipóteses, ou melhor, em muitas delas, a lei consagra uma especial protecção do inquilino através da reparabilidade da primeira ofensa contra o caucionamento da sua não repetição, pois não pareceu justo que àquele se não oferecesse a possibilidade de resgatar a sua conduta. Mas algumas das causas de despejo não merecem esse favor legal. É o caso daquele que não habita a casa, mas a mantém (muitas vezes com a renda baixa e à custa do senhorio) para renegociar a locação com terceiros.

Deve esse desocupá-la e cedê-la a quem dela carece.

Uma das causas mais frequentes de despejo funda-se na falta de pagamento da renda. Esta falta de pagamento tem, por seu turno, as mais diversas causas, e torna-se necessário não estimular algumas delas com o prémio da impunidade. Se há quem não paga renda por não poder, há também os que a não pagam por puro espírito de desonestidade ou de gratuita contestação. Há, inclusivamente, quem tome de arrendamento casas de preços elevados sabendo de antemão que não poderá pagar a respectiva renda. A lei deve permitir destrinçar os casos. Numa sociedade tendencialmente socialista não pode permitir-se que, com puro espírito de lucro ou de ganância pessoal, se invoquem as regras de tutela dos mais desprotegidos.

Sobre o problema da falta de pagamento da renda se debruça o presente diploma com particular atenção. Há a distinguir duas hipóteses: a do não pagamento da renda por outras causas que não a carência de meios - convicção de não ser devida renda, ou pura desonestidade, para dar alguns exemplos - e a do não pagamento da renda por carência de meios. No primeiro caso, nada mais há que fazer do que esclarecer a situação e, sendo caso disso, executar o despejo. Ainda assim, a lei permite a continuação do arrendamento contra uma indemnização menor que a clássica 'renda em triplo' do regime jurídico anterior, mas não tão pequena que estimule o incumprimento. No segundo caso, impõe-se ao senhorio uma moratória não superior a doze meses. Ponderou-se que todo aquele que é proprietário de uma casa de habitação sabe que adquiriu um bem que desempenha uma função social. Trata-se, aliás, de um sacrifício mais aparente do que real, já que é ressarcido, sempre que o inquilino as não pague, pelo pagamento das rendas correspondentes à duração da moratória através do Instituto da Família e Acção Social, do Ministério dos Assuntos Sociais.

Estabeleceu-se ainda uma regra transitória para os despejos já decretados e ainda não executados, a qual sobrepõe os imperativos emergentes de verdadeiros estados de necessidade a critérios de legalidade estrita.

Estas as principais medidas agora tomadas, dentro do adequado esquema processual. Não as únicas. Restabelecem-se ainda duas causas de despejo que se encontravam suspensas: o despejo para ocupação pelo senhorio e o despejo para aumento da capacidade habitacional. Aquele obedece à ideia de que deve estimular-se, tanto quanto possível, a habitação de casa própria, única forma, aliás, de reduzir o fenómeno do inquilinato. Este corresponde, no fundo, a uma expropriação do arrendamento - aliás, se o arrendatário quiser, meramente temporária - com fins sociais no domínio da habitação. Não é justo que um só, ou uma só família, ocupe espaço onde potencialmente possam viver confortavelmente mais.

Nestes termos...

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