Decreto-Lei n.º 10/90, de 05 de Janeiro de 1990

Decreto-Lei n.º 10/90 de 5 de Janeiro 1. O Decreto-Lei n.º 177/86, de 2 de Julho, instituiu na nossa ordem jurídica o processo especial de recuperação de empresas, cuja aplicação vem constituindo o quadro jurídico em que se tem promovido a reestruturação de numerosas empresas economicamente viáveis (e como tal consideradas pelos seus credores), mas com dificuldades financeiras que normalmente as levariam ao processo de falência. Apresentou o diploma diversas soluções inovadoras, algumas delas com um campo de crescente aplicação prática e muitas necessitando também de ser revistas à luz da experiência entretanto adquirida. O processo dessa revisão está já em curso, mas passa pela reformulação global do regime substantivo e adjectivo das falências e pela articulação adequada do processo de recuperação com os meios preventivos e suspensivos da falência. Antes dessa revisão legislativa global considera o Governo inconveniente, e mesmo perigoso, introduzir alterações pontuais no regime do Decreto-Lei n.º 177/86, perturbando a formação espontânea de uma jurisprudência sempre rica de ensinamentos e gerando provavelmente efeitos perversos tão negativos como aqueles que estariam na origem da própria revisão.

Exceptuam-se apenas as pequenas alterações de conjuntura, destinadas a superar alguns bloqueamentos na aplicação do regime vigente e a evitar distorções perturbadoras na sua execução, fruto de alguns dispositivos menos claros ou menos felizes do próprio Decreto-Lei n.º 177/86. É esse o sentido geral das modificações legislativas agora introduzidas.

As alterações encontram-se ordenadas ao longo do diploma, de harmonia com a localização que lhes corresponderia se fossem integradas no próprio Decreto-Lei n.º 177/86. Evitou-se, no entanto, a prática condenável de dar nova redacção aos preceitos do Decreto-Lei n.º 177/86, pelos graves inconvenientes que caracterizam tal método.

  1. Uma das inovações mais significativas agora consagradas respeita à forma como o Estado, os fundos públicos ou institutos públicos e a Segurança Social se farão representar como credores no processo de recuperação.

    Sendo qualquer destas entidades credora da empresa e cabendo-lhe em muitos casos uma palavra decisiva acerca da recuperação dela, entende-se que a decisão acerca do futuro da devedora não deve ser tomada à revelia do departamento ministerial responsável pelo sector económico a que pertence a empresa em dificuldade.

    Compreende-se que, sendo o credor uma empresa pública, gerida por dirigentes com responsabilidade pela rentabilidade de um capital posto à sua disposição, deva competir exclusivamente aos seus órgãos sociais a tomada de decisões relativas à recuperação dos seus créditos. Mas, sendo o credor o Estado ou um organismo do sector público administrativo, devem naturalmente ser ponderados, a par dos legítimos interesses da entidade credora na cobrança dos seus créditos, os objectivos sectoriais que o Governo visa prosseguir no plano económico-social e que podem ser seriamente perturbados com as decisões tomadas em assembleias de credores, muitas vezes à custa do voto do próprio sector público administrativo. Previu-se assim a possibilidade de intervenção dos ministérios sectoriais no acompanhamento do processo, criando o mecanismo institucional necessário para a escolha das soluções mais realistas e criteriosas e para garantia do apoio directo requerido pela providência aprovada na assembleia de credores, sem se cair num enquadramento excessivamente rígido e administrativo da intervenção.

  2. Uma das críticas mais generalizadas ao funcionamento da acção de recuperação aponta para a demora excessiva na tomada da decisão judicial que abre a fase crucial de observação da empresa.

    Tomam-se, por isso, no novo diploma providências que visam assegurar a maior celeridade no desenvolvimento do processo até ao momento de ser proferido o despacho que tem como principal objectivo a nomeação do chamado 'administrador judicial'. Até esse momento todo o processo passa a ter carácter urgente, devendo correr mesmo em férias judiciais, fixando-se prazos imperativos para os actos que devam ser praticados quer pelo juiz, quer pelos demais sujeitos do processo, e incluindo nos actos sujeitos a marchas forçadas o próprio despacho que determina a abertura da fase de observação da empresa.

    Sendo através deste despacho que a empresa começa a beneficiar do regime especialíssimo de tutela que a acção de recuperação assegura a todos os credores e à própria empresa, compreende-se que sem a maior celeridade na tomada dessa decisão toda a intervenção judicial na vida da devedora se arriscaria a ser, em muitos casos, totalmente inútil.

    Por um lado, poderiam vir a concretizar-se entretanto medidas executivas que tornem irreversível a desagregação da unidade empresarial; e, por outro lado, o próprio decurso do tempo sem a integração da empresa no esquema proteccionista legal poderá conduzir a esse mesmo resultado.

    Aproveita-se, ao mesmo tempo, a oportunidade para esclarecer que o despacho de prosseguimento do processo especial de recuperação deve incidir sobre as quatro matérias que o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 177/86 prevê, e não apenas sobre algumas delas, como, por vezes, erroneamente se tem entendido. É, na verdade, essencial que, ao ser aberta a fase de observação, com a séria limitação aos direitos dos credores que ela acarreta, sejam igualmente tomadas as providências necessárias para salvaguardar os direitos destes, como sejam a designação do administrador judicial, a nomeação da comissão de credores e a convocação da assembleia de credores, sem as quais ficaria seriamente desequilibrado o regime jurídico emergente deste acto processual.

  3. Paralelamente, acentua-se a ideia de que o recurso ao processo especial de recuperação judicial só tem sentido quanto a empresas que, apesar de atravessarem graves dificuldades financeiras, possam ser consideradas...

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