Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro de 2003

Decreto-Lei n.º 35/2003 de 27 de Fevereiro 1 - Um dos objectivos da reforma estrutural da educação prosseguida pelo XV Governo Constitucional assenta na concretização de uma nova visão para as políticas de desenvolvimento e de gestão dos recursos humanos intervenientes no processo educativo, dotando, para isso, a administração educativa de novas competências, novos procedimentos e novos sistemas de informação, direccionados para padrões mais elevados, quer de eficiência e de estabilidade na utilização dos recursos humanos, quer de eficácia na prossecução dos objectivos de gestão e de qualidade fixados. Ao estatuir um novo regime jurídico do concurso para selecção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, o presente diploma constitui-se como uma peça essencial da referida reforma estrutural da educação.

Em articulação com as reformas já introduzidas pelo XV Governo Constitucional na estrutura orgânica do Ministério da Educação, através do Decreto-Lei n.º 208/2002, de 17 de Outubro, o novo regime jurídico dos concursos de docentes insere-se numa política de valorização do estatuto dos educadores e professores e do prestígio das suas profissões, bem como de criação de condições de consolidação sustentada do sistema educativo no que diz respeito a um dos seus momentos essenciais, a selecção, recrutamento e mobilidade dos docentes.

A reforma do modelo de selecção e recrutamento dos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário constante do presente diploma prossegue cinco objectivos nucleares, que importa aqui deixar bem enunciados. Trata-se, em primeiro lugar, de promover a estabilidade do corpo docente nas escolas e o regular funcionamento de cada ano lectivo. Em segundo lugar, visa-se uma afectação mais racional dos docentes já pertencentes ao sistema educativo, com valorização da qualificação profissional do corpo docente. Um outro objectivo tem a ver com o incremento da transparência da oferta de emprego e dos processos de colocação dos docentes nas escolas, promovendo uma maior justiça e um mais adequado equilíbrio de todo o sistema de colocações. Vem, em quarto lugar, a desburocratização e simplificação dos procedimentos de concurso, com promoção da autonomia real das escolas. Todos estes desígnios convergem para um quinto objectivo global de melhoria da qualidade do funcionamento do sistema educativo e, nestes termos, da sua finalidade última: a qualidade das aprendizagens.

A prossecução dos objectivos que se enunciaram, sendo vista como um instrumento eficaz de qualificação do sistema educativo, é-o no respeito pelas especificidades próprias da vida dos docentes, pelo princípio da sua graduação profissional e assegurando mecanismos de mobilidade que permitam adequar o sistema a algumas considerações de equidade, quer relacionadas com aspectos da vida individual e familiar dos educadores e professores, quer do correcto aproveitamento dos recursos humanos docentes pelo sistema educativoportuguês.

2 - A selecção, o recrutamento e a mobilidade dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário eram, até ao momento, regulados pelos Decretos-Leis n.os 18/88, de 21 de Janeiro, e 35/88, de 4 de Fevereiro. Ambos os diplomas foram, ao longo dos tempos, objecto de variadas alterações e intervenções de complemento regulamentar, o que acarretou reflexos negativos ao nível da desejada consolidação normativa.

A situação é tanto mais desadequada quanto os dois normativos referidos patenteiam crescentemente uma incoerência grande perante outros momentos normativos basilares do sistema educativo, que também evoluíram, de que se destacam o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, o regime de autonomia, administração e gestão das escolas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio, e, mesmo, a Lei de Bases do Sistema Educativo, cuja versão inicial data de 1986. É também de relevar a incoerência dos normativos agora revistos face à evolução da organização das competências em matéria de educação, quer pela via da descentralização de poderes nas autarquias locais, recentemente aprofundada, quer pela articulação entre a administração educativa central e a desconcentrada.

A revisão do actual regime jurídico dos concursos para colocação dos educadores e dos professores dos ensinos básico e secundário constitui, pois, tema da maior pertinência e urgência naquilo que constitui mais uma reforma, com dimensão estrutural, no âmbito do sistema educativo português.

3 - Importa aqui concretizar que o regime jurídico dos concursos dos educadores e dos professores até agora em vigor está eivado de complexidades procedimentais que geram ineficiências graves, falta de transparência e diferenciações de oportunidades entre docentes dos diversos níveis e graus de ensino, sendo que, desde a aprovação do Estatuto da Carreira Docente, ao qual já se aludiu, existem princípios gerais comuns em matéria de vínculo, mobilidade, grau académico para ingresso e acesso na carreira e tipologia de quadros de pessoal. Por outro lado, cada um dos referidos diplomas que constituem a base até agora em vigor do regime jurídico dos concursos dos docentes tem características particulares, não justificadas por exigências de natureza técnico-pedagógica diferenciadas de cada um dos níveis de ensino.

Assim, o Decreto-Lei n.º 35/88 caracteriza-se essencialmente por atribuir o recrutamento e a transferência dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico a um serviço central, delegando para o nível regional, ainda caracterizado com base nas ultrapassadas delegações escolares, a gestão dos quadros distritais de vinculação. Acresce, num exemplo paradigmático da desactualização do diploma ora em análise, o facto de todo o normativo estar dirigido aos professores do, então, denominado ensino primário, denotando ainda que a educação pré-escolar não era vista como um nível educativo de preparação da educação básica, nível esse que hoje se reconhece ser fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem dascrianças.

Os procedimentos de concurso estatuídos no Decreto-Lei n.º 35/88 caracterizavam-se, em termos sintéticos, por integrarem uma fase nacional, centralizada, quer para ingresso no quadro único, de educadores, e no quadro geral, de professores do 1.º ciclo, quer, seguidamente, para recrutamento e transferência para os quadros distritais de vinculação. Os restantes procedimentos eram desenvolvidos a nível regional e destinavam-se à colocação dos docentes com os lugares suspensos à afectação a escolas do pessoal dos quadros distritais de vinculação e ao destacamento por preferência conjugal. O calendário de colocação prolongava-se, na prática, até finais de Outubro, terminando, assim, já após o início do ano escolar, o que era inaceitável.

O Decreto-Lei n.º 18/88 incidia, por seu turno, sobre o concurso dos professores dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário.

Enveredou pela centralização da gestão do recrutamento e da mobilidade para os diferentes tipos de quadros, tendo sofrido uma alteração de fundo após a aprovação do Estatuto da Carreira Docente, com a criação dos quadros de zona pedagógica para estes níveis de ensino; alteração essa constante do Decreto-Lei n.º 384/93, de 18 de Novembro. Seis diplomas legais, publicados entre 1993 e 2001, introduziram diversas outras alterações neste regime, o que contribuiu para agravar a complexidade intrínseca dos procedimentos, bem visível na necessidade de utilização de seis formulários diferentes e na multiplicidade de fases processuais exigidas, tendo conferido a este regime uma opacidade e uma irracionalidade inaceitáveis, que nem mesmo uma praxis administrativa de afeiçoamento conseguiu disfarçar.

O provimento em lugares de quadros e a transferência entre esses lugares constituia a primeira parte do concurso, desenvolvendo-se, em regra, entre Janeiro e Maio. Seguia-se uma segunda parte do concurso que, na realidade, consubstanciava cinco processos com opositores diferenciados. Nessa segunda parte, operava-se a mobilidade, por destacamento de um ano, entre quadros de escola, com fundamento na preferência conjugal e noutros motivos não caracterizados legalmente, a afectação a escolas de docentes dos quadros de zona pedagógica e a colocação, através de contrato administrativo de serviço docente, de opositores ao concurso que não haviam obtido colocação em vaga na primeira parte do mesmo. Esta segunda parte prolongava-se até finais de Agosto e exigia novos procedimentos de candidatura e a publicitação de listas provisórias de graduação diferenciadas das da primeira parte.

Findas as duas partes nacionais, era ainda encetado um recrutamento a nível de cada direcção regional de educação, recrutamento esse previsto no Despacho Normativo n.º 77/88, de 19 de Agosto, publicado no Diário da República, 1.' série, de 3 de Setembro de 1988. Esta fase, vulgarmente conhecida por 'miniconcursos', tinha por objectivo principal preencher os horários completos não conhecidos na segunda parte do concurso nacional e os horários incompletos. De acordo com a sua regulamentação, só se iniciava após o início do ano escolar, o que, manifestamente, era perturbador da boa organização das escolas e do arranque em estabilidade do ano lectivo. De anotar, para mais, que este concurso regional comportava, face ao concurso nacional, perversidades relativas à igualdade de oportunidades. Era assim porque, sendo o factor obrigatório a considerar na colocação a graduação profissional, a qual hierarquiza, segundo critérios legais expressos, o conjunto de opositores a concurso, e existindo vários momentos para o mesmo objectivo, verificava-se uma dispersão naquele conjunto. Esta dispersão conduzia à subversão das colocações perante a lógica da graduação profissional, subversão essa...

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