Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961

Decreto-Lei n.º 44129 1. O processo civil anterior às reformas empreendidas a partir de 1926 assentava, como de todos é sabido, sobre uma concepção essencialmente privatística da relação processual.

Era às partes que competia, por força do princípio da livre disponibilidade da relação material levado até às suas derradeiras consequências, não só a tarefa de impulsionar a actividade dos tribunais e de definir as pretensões sujeitas à apreciação jurisdicional, como o encargo de carrear para o processo todo o material probatório de que ao juiz era lícito conhecer na apreciação da matéria de facto por elas delimitada.

O juiz assistia, numa posição puramente passiva destinada a garantir a imparcialidade do tribunal, ao desenrolar da luta que os pleiteantes dirimiam entresi.

O defeito fundamental do sistema, que, além do mais, impedia a necessária fiscalização da actividade instrutória desenvolvida pelas partes, era ainda agravado por outras circunstâncias especiais, como fossem a excessiva relevância atribuída ao formalismo processual, a par das sérias restrições opostas à livre apreciação do tribunal na própria fase do julgamento.

O processo era totalmente escrito, recheado de solenidades perfeitamente dispensáveis, à violação das quais a lei fazia corresponder por vezes sanções inteiramente desproporcionadas, a fim de melhor garantir a sua observância.

E embora os textos admitissem certo número de provas livres, também é verdade que estas mesmas vinham a ser valoradas de harmonia com as regras consagradas pelo uso, que cerceavam em medida apreciável o poder de apreciação do julgador.

O valor dos depoimentos não contraditados acabava, assim, por depender mais do número do que da qualidade das pessoas que os subscreviam.

Aliás, como poderia avaliar correctamente a qualidade dos depoimentos prestados um juiz que não assistia à inquirição e que muitas vezes não chegava sequer a ver os depoentes? O resultado prático mais saliente da defeituosa estrutura do sistema nessa época vigente era o de frequentemente perder a acção, quando não perdia definitivamente o direito que invocara, a parte cuja posição melhor fundada se achava em face da lei substantiva.

  1. A breve trecho se reconheceu que o antigo direito adjectivo, todo decalcado sobre os postulados fundamentais do liberalismo individualista, já não correspondia às exigências dos tempos modernos, que reclamavam um predomínio mais seguro da justiça material sobre a pura justiça formal e, consequentemente, uma intervenção mais activa do juiz no desenvolvimento da relação processual.

    E, na verdade, os princípios proclamados pelos processualistas italianos na sequência das novas correntes de ideias e que da Itália ràpidamente se propagaram às restantes legislações de tipo continental, dão ao processo uma feição marcadamente publicística; não eliminam, mas reduzem aos seus justos limites o chamado princípio dispositivo, ao mesmo tempo que ampliam em termos consideráveis o domínio de aplicação do princípio inquisitório.

    Entre nós é o famoso Decreto n.º 12353, de 22 de Setembro de 1926, que assinala o começo da reacção legislativa contra o descrédito da justiça a que conduzira o sistema anterior, através de um processo que, além de ser lento, anacrónico e dispendioso, estava cheio de ardis e subtilezas e era fonte permanente de soluções injustas.

    A nova legislação começou por confiar ao juiz os poderes necessários para, desde o ingresso da demanda no tribunal, lhe assegurar o comando efectivo daacção.

    Instituiu o despacho liminar e criou o despacho saneador. Deu efeito cominatório à citação na generalidade das acções. Concentrou os termos do processo, enquanto simultâneamente acelerou o ritmo do seu andamento.

    Aboliu grande número de formalidades inúteis. Simplificou incidentes e recursos, limitando consideràvelmente os seus efeitos dilatórios. Disciplinou a produção das provas.

    Posteriormente criou-se o tribunal colectivo, ao mesmo tempo que se assegurou o triunfo pleno da oralidade, quer na instrução, quer na discussão doprocesso.

    Se quiséssemos definir, em síntese, os rasgos essenciais do novo regime, poderíamos destacar as notas seguintes: simplificação do formalismo processual e moderação das consequências da sua inobservância; possibilidade de o juiz arredar certos obstáculos levantados pelas partes ou pelos auxiliares processuais ao curso normal da acção; ampla consagração do princípio inquisitório em matéria de instrução do processo; garantia efectiva do princípio da imediação das provas, através do sistema da oralidade pura, que permite ao julgador a utilização plena dalguns coeficientes de valorização dos diversos depoimentos que escapam por completo ao puro relato escrito das provas; concentração do processo, através do princípio da continuidade da audiência e da fisionomia especial que a audiência de discussão e julgamento passou a revestir.

  2. Todas estas importantes inovações foram reunidas e sistematizadas no Código de 1939 que, completando e aperfeiçoando muitas das soluções anteriores, representa assim o coroamento de toda a obra renovadora iniciada, dentro deste domínio, no segundo quartel do século.

    Quem confrontar desapaixonadamente os resultados da reforma do processo com a caótica situação, a que a nova legislação veio pôr termo, há-de forçosamente concluir que o Código de 1939 marca um avanço extraordinário no campo das instituições processuais.

    Isso não impediu, porém, que, ao lado de inúmeros estudos de índole predominantemente exegética, a publicação do novo estatuto do processo civil suscitasse muitas críticas e reacções de vária ordem: umas, fruto apenas da resistência que a rotina jamais deixa de opor ao progresso das instituições jurídicas, na medida em que progredir significa necessàriamente certo rompimento com o passado; outras, que se avolumaram à medida que o tempo foi correndo, provenientes de reais deficiências de previsão do legislador ou de defeituosa regulamentação dos princípios básicos estabelecidos.

    Assim se explica que, pouco mais de vinte anos volvidos sobre o começo da vigência do Código, já hoje se reconheça a necessidade urgente de rever certas soluções nele consagradas, de corrigir algumas das suas imperfeições e de solucionar muitas das dúvidas de interpretação que a aplicação dos novos textos a pouco e pouco tem suscitado.

    A brevidade com que a necessidade desta revisão se manifestou só pode surpreender quem não atentar na aplicação prática excepcionalmente intensa e frequente a que estão sujeitos os textos de natureza processual ou quem desconhecer a profunda inovação que o Código de 39 e os diplomas precedentes introduziram nos domínios do direito adjectivo.

    A reforma a que se procede, e para a qual oportunamente se abriu largo inquérito em todo o País, não envolve, contudo, uma substituição dos princípios fundamentais que a legislação processual vigente abraçou, visto que a superioridade das novas concepções, a despeito da crítica impiedosa a que nalguns pontos têm sido sujeitas, ainda não pôde ser vàlidamente contestada.

    Das numerosas sugestões que o Governo pôde recolher, no curso do inquérito levado a cabo, nenhuma solução viável foi efectivamente apresentada em termos de garantir, com a necessária segurança, a preferência doutro sistema.

    Ao lado, porém, da simples beneficiação formal dos textos ou da correcção substancial de algumas soluções, cumpre ainda assinalar a intenção que houve na presente reforma de actualizar muitas das disposições do Código, adaptando-as às novas realidades da vida, que já não são positivamente as mesmas de há vinte anos atrás.

  3. A lei preambular do Código de 1939 determinava, à semelhança do que tem sido preceituado em disposições legais congéneres, que todas as alterações futuras em matéria de processo civil fossem feitas nos lugares próprios do Código, mediante a substituição dos artigos modificados, a supressão dos inúteis e o aditamento dos que se mostrassem necessários.

    E foi nesse sentido que, de início, se orientaram os trabalhos da Comissão Revisora do Código; cedo se fez sentir, no entanto, perante o volume crescente das alterações aprovadas, a dificuldade de manter a orientação estabelecida, ao mesmo tempo que se reconheceu a conveniência de dar ao diploma a estrutura formal prevista para o novo Código Civil (já utilizada, aliás, nos mais importantes diplomas recentemente emanados do Ministério da Justiça) e que tem incontestáveis vantagens de clareza, de simplificação e de individualização dos diferentes preceitos legais.

    Ainda assim, houve a preocupação constante de respeitar, na medida do possível, a ordenação sistemática das matérias e a própria localização do articulado, só deslocando os preceitos a que se julgou necessário ou grandemente vantajoso dar uma outra arrumação.

    O novo diploma persiste na ideia de simplificar e acelerar os termos das acções, a fim de garantir aos interessados, sem prejuízo do necessário acerto e ponderação das decisões judiciais, a justiça pronta e expedita de que o País ainda hoje carece, a despeito de todos os progressos alcançados nesse aspecto.

    Assim é que suprime alguns restos mais de fórmulas tradicionais que perderam sentido no direito actual. Unifica muitos prazos. Dispensa o juiz de intervenções meramente burocráticas, deixando ao magistrado mais tempo livre para as absorventes funções que o novo sistema lhe atribuiu. Supre lacunas de regulamentação e soluciona muitas das dúvidas até agora suscitadas no foro. Alarga e aperfeiçoa o regime da oralidade, enquanto disciplina mais criteriosamente o seu funcionamento, bem como o do órgão colegial especialmente destinado a servir o sistema. Acelera a execução das sentenças e outros títulos, modificando radicalmente em determinados pontos o esquema da acção executiva.

    As modificações através das quais se procurou alcançar semelhantes objectivos só muito sumàriamente podem ser descritas neste lugar.

  4. São muitas as alterações introduzidas no regime da acção em geral, da competência...

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