Decreto-Lei n.º 768/75, de 31 de Dezembro de 1975

Decreto-Lei n.º 768/75 de 31 de Dezembro 1. O Orçamento Geral do Estado para 1976, aprovado por este diploma, constitui um instrumento decisivo da intervenção que é urgente promover com o objectivo de corrigir os desequilíbrios económicos fundamentais que o País enfrenta.

Ao definir uma determinada política orçamental procura-se avaliar do impacto global do Orçamento na actividade económica e é neste contexto que, para além da composição das receitas e despesas, assume particular relevância a dimensão do deficit como expressão das necessidades de financiamento do Estado. O significado económico do deficit, por sua vez, só pode ser devidamente avaliado utilizando o seguinte critério: dada a previsão das várias componentes da procura global na economia (consumo e investimento privados, exportações de bens e serviços, líquidas de importações, mais o saldo dos rendimentos de factores), as despesas públicas deverão atingir o nível que garanta o volume adequado de procura para que a capacidade produtiva da economia seja plenamente utilizada sem que se originem tensõesinflacionistas.

Existem, como é natural, inúmeras dificuldades na realização das previsões indispensáveis à aplicação rigorosa de tal critério. Isto, quer no que respeita às componentes da despesa, que, além do mais, são afectadas pelo nível dos impostos fixados no próprio Orçamento e pela forma de financiamento do deficit, quer no que se refere à estimativa da capacidade produtiva máxima disponível (ou produto potencial).

A interpretação da realidade conjuntural da economia portuguesa em que assentou a elaboração do Orçamento Geral do Estado para 1976 é a de que nos encontramos em situação de recessão, com desemprego elevado e capacidade não utilizada, e que, em boa parte, isso se deve a uma quebra de alguns componentes da procura fundamentalmente, o investimento e as exportações.

Numa perspectiva global, não se esperando que o sector privado, a curto prazo e de forma autónoma, aumente em larga escala as despesas de investimento, impõe-se, portanto, uma acção decidida do Estado no lançamento de um vasto programa de investimentos públicos que, para além dos seus efeitos específicos, constitua também factor de estímulo e de orientação com vista à recuperação e reestruturação das actividades económicas privadas.

Com efeito, o nível das despesas de desenvolvimento económico previsto para 1976 representa um acréscimo de cerca de 90% relativamente às despesas da mesma natureza realizadas em 1975 (ver nota 1), enquanto que é de apenas 20% o aumento das despesas ordinárias. Daquele factor resulta em grande parte a formação do deficit orçamental fixado para 1976, que deverá atingir um nível de 34800000 contos, ultrapassando, ainda que em montante pouco significativo, o que se deverá registar no presente ano (cerca de 32700000 contos).

Um deficit desta dimensão tem, portanto, a justificá-lo a necessidade de se obter, pela via da política orçamental, um forte efeito expansionista na economia, pelo que o seu valor, correspondendo a menos de 8% do produto nacional, não poderá considerar-se excessivo nas circunstâncias actuais, verificando-se ultimamente situações semelhantes nalguns países.

De resto, o montante total das despesas orçamentadas para 1976 aumenta apenas 15%, o que se tem de considerar como normal se não se pretender paralisar ou limitar o funcionamento da máquina do Estado, que, nesta fase de transição para o socialismo, vê acrescidas as suas funções e responsabilidades.

Paralelamente, verifica-se que as receitas não têm vindo a acompanhar a progressão das despesas, e não pareceu possível, ao adoptarem-se as recentes medidas de natureza tributária, ir mais longe no agravamento da carga fiscal.

Assim, a austeridade pedida pelo Governo, com os aumentos de impostos e de alguns preços, não deve ser considerada como um fim em si mesmo ou como mera consequência de abstractas preocupações com a estabilidade da moeda, visto que tem como contrapartida o estímulo ao investimento e à actividade económica. A preocupação essencial do Governo é a situação de desemprego de milhares de portugueses que constituem, neste momento, o grupo social mais desfavorecido. É sobre este problema que devem reflectir os trabalhadores e os seus representantes ao avaliar a política económica prosseguida pelo Governo. A austeridade para uns poderá ser condição necessária de superação das dificuldades de outros, que só poderá dar-se se a economia entrar em franca recuperação. Por isso mesmo, a política orçamental adoptada aposta na expansão.

(nota 1) Estas devem totalizar 14,9 milhões de contos em 1975, que comparam com os 28,1 milhões orçamentados para 1976.

  1. Em consequência da necessidade, já referida, de elevar sensivelmente as despesas correntes do Estado para ocorrer às necessidades existentes, a poupança do sector público continuará a situar-se num valor pouco significativo, impondo a necessidade de recorrer em larga escala à emissão de empréstimos públicos para o financiamento das despesas de desenvolvimento económico. Torna-se indispensável, todavia, efectuar ao longo do ano uma cuidadosa gestão das finanças públicas, promovendo a utilização em proporções adequadas, na cobertura do deficit orçamental, de meios financeiros obtidos através da captação de poupanças privadas e regulando o recurso à emissão monetária para esse efeito de harmonia com as necessidades da economia, tendo em conta a evolução da balança de pagamentos e do crédito bancário concedido ao sector privado.

  2. Elaborado de harmonia com os princípios que acabam de enunciar-se, o Orçamento Geral do Estado para 1976 apresenta os valores seguintes: ... Milhares de contos Receitas ordinárias ... 68228 Receitas extraordinárias efectivas ... 2515 ... 70743 Despesas ordinárias ... 66019 Despesas extraordinárias: Defesa e segurança ... 2047 Desenvolvimento económico ... 28085 Encargos de descolonização e cooperação com os novos Estados ... 7000 Outros encargos ... 2370 ... 39502 ... 105521 Deficit a cobrir por recurso à dívida pública ... 34778 As dotações de despesas atingem assim, no total, o elevado montante de 105500000 contos, a reflectir o alargamento da importância relativa do sector público na economia nacional.

    Dos valores fixados ressalta, em especial, a melhoria que se tornou possível obter na composição das dotações extraordinárias, traduzida na elevada participação das despesas de desenvolvimento económico - cerca de 70% do total.

    Dado que o excedente das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza e o valor das receitas extraordinárias efectivas se situam em níveis relativamente reduzidos, uma proporção elevada das despesas extraordinárias a realizar em 1976, avaliada em quase 90%, será coberta através da utilização de recursos provenientes da emissão de empréstimos públicos internos e externos.

    Em síntese, apresentam-se a seguir os valores mais significativos do Orçamento Geral do Estado para 1976, em confronto com os do Orçamento anterior e com estimativas correspondentes à sua execução durante a gerência.

    Verifica-se assim que o deficit orçamental previsto no presente Orçamento atinge um valor ligeiramente mais elevado do que o actualmente estimado para a gerência de 1975, o qual atinge praticamente o dobro do fixado no Orçamento correspondente.

    QUADRO I Síntese orçamental (ver documento original) 1.' PARTE I Evolução da conjuntura económica nacional em 1975 Tendências gerais 4. A evolução da economia nacional durante o ano de 1975 caracterizou-se, de um modo geral, pela intensificação de certas tendências que já se tinham desenhado na segunda metade do ano de 1974 e que, até agora, as medidas adoptadas não puderam corrigir ou alterar de forma substancial.

    A instabilidade político-militar que prevaleceu no ano de 1975 - e que se reflectiu no domínio da economia pela impossibilidade de pôr em prática uma política económica apropriada - contribuiu, sem dúvida, para acentuar as dificuldades de recuperação da economia portuguesa, cujos mecanismos de funcionamento e cuja lógica interna foram profundamente modificados pela Revolução do 25 de Abril de 1974 e pela adopção clara, a partir do 11 de Março de 1975, de uma via de transição para o socialismo em Portugal.

    Ao nível externo, houve quebra significativa do ritmo de aumento dos preços dos produtos importados. Se este comportamento foi benéfico para a economia portuguesa, cuja dependência do comércio externo é conhecida, verificou-se, em sentido contrário, uma quebra de exportações e de remessas de emigrantes, explicáveis, pelo menos parcialmente, pela crise das economias ocidentais.

    Do conjunto de factores que afectam a nossa economia resultou uma situação conjuntural preocupante, que se pode caracterizar do seguinte modo: Agravamento substancial do desemprego, para o que contribuiu de modo significativo o afluxo maciço de retornados das antigas colónias; Quebra muito acentuada na produção e no investimento, principalmente no sector industrial; Aumento do já elevado deficit da balança de pagamentos, em virtude da quebra das exportações e do desequilíbrio entre o consumo e a produção interna, que, motivado pela redistribuição do rendimento, se reflecte nas importações; Acentuação das dificuldades financeiras de muitas empresas, com reflexos no funcionamento do sistema monetário.

    A intervenção do sector público na economia intensificou-se durante o ano de 1975, nomeadamente através da nacionalização dos bancos e companhias de seguros e dos sectores industriais e de serviços mais importantes, acompanhada de políticas de intervenção directa, quer no sistema de preços (com consequente atenuação do processo inflacionista), quer nos rendimentos (elevação do salário mínimo nacional, congelamento de aumentos salariais a partir de determinados níveis de rendimento, fixação do salário máximo nacional).

    As nacionalizações foram complementadas pelo lançamento da Reforma Agrária na zona de grande propriedade, onde se limitou a propriedade...

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