Decreto-Lei n.º 163/2006, de 08 de Agosto de 2006

Decreto-Lei n.o 163/2006

de 8 de Agosto

A promoçáo da acessibilidade constitui um elemento fundamental na qualidade de vida das pessoas, sendo um meio imprescindível para o exercício dos direitos que sáo conferidos a qualquer membro de uma socie-dade democrática, contribuindo decisivamente para um maior reforço dos laços sociais, para uma maior participaçáo cívica de todos aqueles que a integram e, consequentemente, para um crescente aprofundamento da solidariedade no Estado social de direito.

Sáo, assim, devidas ao Estado acçóes cuja finalidade seja garantir e assegurar os direitos das pessoas com necessidades especiais, ou seja, pessoas que se confrontam com barreiras ambientais, impeditivas de uma participaçáo cívica activa e integral, resultantes de factores permanentes ou temporários, de deficiências de ordem intelectual, emocional, sensorial, física ou comunicacional.

Do conjunto das pessoas com necessidades especiais fazem parte pessoas com mobilidade condicionada, isto é, pessoas em cadeiras de rodas, pessoas incapazes de andar ou que náo conseguem percorrer grandes distâncias, pessoas com dificuldades sensoriais, tais como as pessoas cegas ou surdas, e ainda aquelas que, em virtude do seu percurso de vida, se apresentam transitoriamente condicionadas, como as grávidas, as crianças e os idosos.

Constituem, portanto, incumbências do Estado, de acordo com a Constituiçáo da República Portuguesa, a promoçáo do bem-estar e qualidade de vida da populaçáo e a igualdade real e jurídico-formal entre todos os portugueses [alínea d) do artigo 9.o e artigo 13.o], bem como a realizaçáo de «uma política nacional de prevençáo e de tratamento, reabilitaçáo e integraçáo dos cidadáos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias», o desenvolvimento de «uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles» e «assumir o encargo da efectiva realizaçáo dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais e tutores» (n.o 2

do artigo 71.o).

Por sua vez, a alínea d) do artigo 3.o da Lei de Bases da Prevençáo, Habilitaçáo, Reabilitaçáo e Participaçáo das Pessoas com Deficiência (Lei n.o 38/2004, de 18 de Agosto) determina «a promoçáo de uma sociedade para todos através da eliminaçáo de barreiras e da adopçáo de medidas que visem a plena participaçáo da pessoa com deficiência».

O XVII Governo Constitucional assumiu, igualmente, no seu Programa que o combate à exclusáo que afecta diversos grupos da sociedade portuguesa seria um dos objectivos primordiais da sua acçáo governativa, nos quais se incluem, naturalmente, as pessoas com mobilidade condicionada que quotidianamente têm de confrontar-se com múltiplas barreiras impeditivas do exercício pleno dos seus direitos de cidadania.

A matéria das acessibilidades foi já objecto de regulaçáo normativa, através do Decreto-Lei n.o 123/97, de 22 de Maio, que introduziu normas técnicas, visando a eliminaçáo de barreiras urbanísticas e arquitectónicas nos edifícios públicos, equipamentos colectivos e via pública.

Decorridos oito anos sobre a promulgaçáo do Decreto-Lei n.o 123/97, de 22 de Maio, aprova-se agora, neste domínio, um novo diploma que define o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, o qual faz parte de um conjunto mais vasto de instrumentos que o XVII Governo Constitucional pretende criar, visando a construçáo de um sistema global, coerente e ordenado em matéria de acessibilidades, susceptível de proporcionar às pessoas com mobilidade condicionada condiçóes iguais às das restantes pessoas.

As razóes que justificam a revogaçáo do Decreto-Lei n.o 123/97, de 22 de Maio, e a criaçáo de um novo diploma em sua substituiçáo prendem-se, em primeiro lugar, com a constataçáo da insuficiência das soluçóes propostas por esse diploma.Pesem embora as melhorias significativas decorrentes da introduçáo do Decreto-Lei n.o 123/97, de 22 de Maio, a sua fraca eficácia sancionatória, que impunha, em larga medida, apenas coimas de baixo valor, fez que persistissem na sociedade portuguesa as desigualdades impostas pela existência de barreiras urbanísticas e arquitectónicas.

Neste sentido, o presente decreto-lei visa, numa soluçáo de continuidade com o anterior diploma, corrigir as imperfeiçóes nele constatadas, melhorando os mecanismos fiscalizadores, dotando-o de uma maior eficácia sancionatória, aumentando os níveis de comunicaçáo e de responsabilizaçáo dos diversos agentes envolvidos nestes procedimentos, bem como introduzir novas soluçóes, consentâneas com a evoluçáo técnica, social e legislativa entretanto verificada.

De entre as principais inovaçóes introduzidas com o presente decreto-lei, é de referir, em primeiro lugar, o alargamento do âmbito de aplicaçáo das normas técnicas de acessibilidades aos edifícios habitacionais, garantindo-se assim a mobilidade sem condicionamentos, quer nos espaços públicos, como já resultava do diploma anterior e o presente manteve, quer nos espaços privados (acessos às habitaçóes e seus interiores).

Como já foi anteriormente salientado, as normas técnicas de acessibilidades que constavam do Decreto-Lei n.o 123/97, de 22 de Maio, foram actualizadas e procedeu-se à introduçáo de novas normas técnicas aplicáveis especificamente aos edifícios habitacionais.

Espelhando a preocupaçáo de eficácia da imposiçáo de normas técnicas, que presidiu à elaboraçáo deste decreto-lei, foram introduzidos diversos mecanismos que têm, no essencial, o intuito de evitar a entrada de novas edificaçóes náo acessíveis no parque edificado português. Visa-se impedir a realizaçáo de loteamentos e urbanizaçóes e a construçáo de novas edificaçóes que náo cumpram os requisitos de acessibilidades estabelecidos no presente decreto-lei.

As operaçóes urbanísticas promovidas pela Administraçáo Pública, que náo carecem, de modo geral, de qualquer licença ou autorizaçáo, sáo registadas na Direcçáo-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, devendo as entidades administrativas que beneficiem desta isençáo declarar expressamente que foram cumpridas, em tais operaçóes, as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as normas técnicas de acessibilidades.

A abertura de quaisquer estabelecimentos destinados ao público (escolas, estabelecimentos de saúde, estabelecimentos comerciais, entre outros) é licenciada pelas entidades competentes, quando o estabelecimento em causa se conforme com as normas de acessibilidade.

Por outro lado, consagra-se também, de forma expressa, a obrigatoriedade de comunicaçáo às entidades competentes para esses licenciamentos, por parte de câmara municipal, das situaçóes que se revelem desconformes com as obrigaçóes impostas por este regime, aumentando-se, assim, o nível de coordenaçáo existente entre os diversos actores intervenientes no procedimento.

Assume igualmente grande importância a regra agora introduzida, segundo a qual os pedidos de licenciamento ou autorizaçáo de loteamento, urbanizaçáo, construçáo, reconstruçáo ou alteraçáo de edificaçóes devem ser indeferidos quando náo respeitem as condiçóes de acessibilidade exigíveis, cabendo, no âmbito deste mecanismo, um importante papel às câmaras municipais, pois sáo elas as entidades responsáveis pelos referidos licenciamentos e autorizaçóes.

Outro ponto fundamental deste novo regime jurídico reside na introduçáo de mecanismos mais exigentes a observar sempre que quaisquer excepçóes ao integral cumprimento das normas técnicas sobre acessibilidades sejam concedidas, nomeadamente a obrigatoriedade de fundamentar devidamente tais excepçóes, a apensaçáo da justificaçáo ao processo e, adicionalmente, a publicaçáo em local próprio para o efeito.

As coimas previstas para a violaçáo das normas técnicas de acessibilidades sáo sensivelmente mais elevadas do que as previstas no diploma anterior sobre a matéria, e, com o intuito de reforçar ainda mais a co-actividade das normas de acessibilidades, a sua aplicaçáo pode também ser acompanhada da aplicaçáo de sançóes aces-sórias.

Neste domínio, visa-se, igualmente, definir de forma mais clara a responsabilidade dos diversos agentes que intervêm no decurso das diversas operaçóes urbanísticas, designadamente o projectista, o responsável técnico ou o dono da obra.

O produto da cobrança destas coimas reverte em parte para as entidades fiscalizadoras e, noutra parte, para a entidade pública responsável pela execuçáo das políticas de prevençáo, habilitaçáo, reabilitaçáo e participaçáo das pessoas com deficiência.

Outra inovaçáo importante introduzida pelo presente decreto-lei consiste na atribuiçáo de um papel activo na defesa dos interesses acautelados aos cidadáos com necessidades especiais e às organizaçóes náo governamentais representativas dos seus interesses. Estes cidadáos e as suas organizaçóes sáo os principais interessados no cumprimento das normas de acessibilidades, pelo que se procurou conceder-lhes instrumentos de fiscalizaçáo e de imposiçáo das mesmas. As organizaçóes náo governamentais de defesa destes interesses podem, assim, intentar acçóes, nos termos da lei da acçáo popular, visando garantir o cumprimento das presentes normas técnicas. Estas acçóes podem configurar-se como as clássicas acçóes cíveis, por incumprimento de norma legal de protecçáo de interesses de terceiros, ou como acçóes administrativas. O regime aqui proposto deve ser articulado com o regime das novas acçóes administrativas, introduzidas com o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que pode, em muitos casos, ser um instrumento válido de defesa dos interesses destes cidadáos em matéria de acessibilidades.

Por fim, a efectividade do regime introduzido por este decreto-lei ficaria diminuída caso náo fossem consagrados mecanismos tendentes à avaliaçáo e acompanhamento da sua aplicaçáo, pelo que as informaçóes recolhidas no ter-reno, no decurso das acçóes de fiscalizaçáo, sáo remetidas para a Direcçáo-Geral dos Edifícios e...

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