Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril de 1991

Decreto-Lei n.º 142-A/91 de 10 de Abril 1 - A existência de um mercado de valores mobiliários amplo e eficiente constitui hoje condição essencial, não apenas de qualquer processo de desenvolvimento económico e social sustentado e intrinsecamente equilibrado, mas também da própria obtenção pelos Estados modernos de enorme volume de recursos de que carecem para o financiamento dos pesados investimentos infra-estruturais a seu cargo e, inclusivamente, para a adequada gestão da sua tesouraria.

E se isto é assim em quaisquer circunstâncias, muito mais o é na situação particular em que Portugal se encontra, resultante da sua integração na CEE e da tão próxima inauguração do mercado único europeu, que o obriga a acelerar fortemente esse processo e a efectuar simultaneamente uma profunda e onerosa revisão e modernização de toda a sua estrutura produtiva, bem como, na generalidade dos sectores, uma adequada reformulação e consolidação do seu tecido empresarial.

2 - Sucede, por outro lado, que o mercado único, implicando uma total liberdade de estabelecimento, de prestação de serviços e de circulação de capitais entre os 12 países da Comunidade, tem como corolário lógico a criação no conjunto desses países de um grande mercado europeu de valores mobiliários, de que cada um dos diversos mercados nacionais que o integram passará a constituir componente mais ou menos viável, relevante e activa consoante a capacidade que tenha de competir com os demais nas garantias de eficiência, transparência e liquidez que ofereça às entidades emitentes, aos investidores individuais e institucionais e aos intermediários financeiros.

Suscita-se, assim, com toda a acuidade, para Portugal, como para alguns outros Estados membros da CEE, o problema da própria subsistência de um autêntico mercado nacional de valores mobiliários, e, para todos e cada um dos Estados membros, a necessidade de repensarem, reestruturarem e modernizarem os seus mercados internos, de modo a evitar a sua injustificada subalternização aos de outros Estados membros com maiores tradições nesse domínio ou mais expeditos na introdução das reformas apropriadas.

3 - Sucede ainda que os mercados de capitais experimentaram a partir do início dos anos 80, nas praças dominantes de todo o mundo industrializado e mesmo em algumas praças periféricas, designadamente no que respeita aos valores mobiliários, uma evolução quantitativa e qualificativa tão profunda que a revisão, por vezes radical, da orgânica e modo de funcionamento, quando não da própria concepção básica desses mercados, se tornou indispensável, sob pena de deixarem de poder responder às necessidades das economicas que servem.

Destacam-se nessa evolução um fortíssimo crescimento do recurso ao mercado de valores mobiliários pelas entidades emitentes públicas e privadas, uma enorme expansão do volume das transacções nos mercados secundários, um extraordinário aumento do peso dos investidores institucionais e uma constante aceleração do processo de internacionalização dos mercados de valores mobiliários em geral.

Da influência combinada dos factores referidos decorre todo um conjunto de ajustamentos que têm vindo, e estão, a operar-se na maior parte dos mercados de valores mobiliários dos países industrializados.

4 - No que respeita a Portugal, o mercado de valores mobiliários, depois de longos anos de estagnação, ressurge em 1972, para conhecer um crescimento espectacular no curtíssimo espaço de tempo que decorreu até ao 25 de Abril, pondo à prova a adequação e capacidade de resposta das estruturas arcaicas da Bolsa de Lisboa, que não estavam preparadas para o processamento e controlo desse volume de negócios, e dando, consequentemente, origem a problemas graves de liquidação de operações, a irregularidades de comportamento das cotações e a desvios especulativos a que cumpria pôr cobro. Daí a promulgação, em 14 de Janeiro de 1974, do Decreto-Lei n.º 8/74, que, substituindo as disposições do Código Comercial de 1898 e do Decreto de 10 de Outubro de 1901, procedeu a uma profunda revisão da orgânica e das regras de funcionamento das bolsas de valores e das actividades dos corretores e passou a constituir, até hoje, o diploma quadro do mercado secundário português de valores mobiliários.

Sucede, todavia, que logo em 25 de Abril de 1974, por razões conhecidas, se verificou o encerramento das bolsas de valores, só em 1976 se autorizando a sua reabertura. E as esporádicas medidas que, subsequentemente e até 1985, os governos foram tomando com vista à remuneração do mercado não lograram êxito relevante.

5 - Por tudo o que fica exposto, a criação de um amplo, activo e eficiente mercado nacional de valores mobiliários não podia deixar de constituir um objectivo fundamental do Programa do Governo para 1986 e anos seguintes, asseguradas, como considerava que ficariam por força do mesmo programa, as condições necessárias para o restabelecimento da confiança dos agentes económicos. Daí que, através de um conjunto de sucessivos diplomas (nomeadamente os Decretos-Leis n.os 172/86, de 30 de Junho, e 130/87, de 17 de Março, e o artigo 45.º da Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro), tenha eficazmente incentivado a abertura do capital das empresas ao público e a sua cotação na bolsa, resolvendo, por essa forma, o problema básico e prioritário da oferta de valores mobiliários no mercado.

E tais medidas, conjugadas com um painel apropriado de incentivos fiscais à aquisição de acções cotadas em bolsa ou objecto de oferta pública de subscrição ou de venda, alguns dos quais já vinham de legislação anterior a 1986, permitiram, como se sabe, reconstituir no País, a partir desse ano, um autêntico mercado de valores mobiliários - aliás, em termos que, pelo dinamismo de que o fenómeno se revestiu, excederam amplamente tudo o que seria razoável prever, originando em 1987, como já ocorrera em situação similar 14 anos antes, anomalias e desvios claramente reveladores de deficiências estruturais e funcionais graves, tanto ao nível do mercado primário, como, designadamente, ao nível do mercado secundário.

6 - As anomalias que, especialmente em 1987, se verificaram nos mercados nacionais de valores mobiliários puseram em evidência a necessidade urgente de os repensar e reformular, quer quanto à filosofia de base, fortemente estatizante e intervencionista, em que se inspiram o seu desenho geral e o sistema de gestão, supervisão, regulamentação e controlo a que estão sujeitos, quer quanto à sua estrutura orgânica e operacional e ao seu funcionamento, aos tipos de operações que neles podem realizar-se, ao papel a atribuir e à capacidade técnica e financeira a exigir aos intermediários financeiros que neles intervêm, à natureza, conteúdo e qualidade da informação a fornecer, no seu âmbito, ao público e às entidades responsáveis pela sua gestão e fiscalização, e a outros numerosos aspectos em que esses mercados, nomeadamente o de bolsa, se mostram incapazes de responder adequadamente às necessidades da economia e às legítimas exigências das entidades emitentes e dos investidores.

De resto, a revisão em profundidade de um mercado português de valores mobiliários que fora concebido e organizado em circunstâncias e para realidades, tanto internas como externas, completamente distintas das actuais tornava-se também imperativa em virtude do que se referiu nos n.os 2 e 3. E tinha forçosamente de orientar-se para soluções inseridas no modelo básico adoptado (e com provas dadas) na generalidade dos países industrializados e, em particular, nos Estados membros da CEE, até porque a própria viabilidade do mercado português, no contexto de um mercado único europeu de valores mobiliários, dependerá de nele encontrarem os agentes económicos, tanto nacionais como estrangeiros, estruturas e condições e normas operacionais tanto quanto possível semelhantes às que lhes são proporcionadas nos restantes mercados da Comunidade e, especialmente, nas praças dominantes.

7 - Os estudos empreendidos com vista à revisão mencionada no número anterior, formalmente cometidos em Junho de 1988 a uma secção especializada que para o efeito se criou no âmbito do Conselho Nacional das Bolsas de Valores, conduziram ao presente diploma.

A variedade das matérias que nele se regulam, a amplitude da reforma, o número e a importância das inovações que desta resultam e a própria extensão do diploma exigem, por um lado, que se definam aqui os grandes princípios que o informam, e, por outro lado, que se alinhem, ainda que brevemente, algumas notas explicativas dos aspectos mais salientes dos novos regimes instituídos.

8 - No que respeita aos princípios estruturadores da reforma, destacar-se-á, antes de mais, o da autonomia dos mercados de valores mobiliários, implicando a sua desestatização, desgovernamentalização e liberalização, tendo precisamente em vista, como já foi dito, reconduzir o mercado nacional ao modelo geralmente adoptado no âmbito da Comunidade Económica Europeia.

É assim que, no tocante ao mercado secundário, as bolsas de valores, hoje detidas e geridas pelo Estado, passam para a propriedade e administração de associação ou associações de bolsa, constituídas sob a forma de associações de direito privado sem fins lucrativos, que terão como associados obrigatórios os corretores em nome individual, as sociedades corretoras e as sociedades financeiras de corretagem que devam operar na bolsa em causa e como associados facultativos as instituições financeiras que nelas queiram participar e que se encontrem legalmente autorizadas a receber do público valores mobiliários para custódia e administração, bem como ordens de bolsa para a respectiva transacção (artigo 206.º). E por associação do mesmo tipo será organizado e administrado, quando vier a estruturar-se nos termos dos artigos 510.º e seguintes, o mercado de balcão, que no presente diploma se regula pela primeira vez de forma sistemática.

No que toca ao mercado primário, a liberalização referida implica que se elimine, salvo em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT