Decreto-Lei n.º 184/87, de 21 de Abril de 1987

Decreto-Lei n.º 184/87 de 21 de Abril 1. A publicação da legislação penal e de mera ordenação social sobre comportamentos ilícitos que materialmente se inscrevem no âmbito das actividades próprias das sociedades comerciais decorre da ampla reforma centrada no Código das Sociedades Comerciais (CSC).

Escalonou-se o processo legislativo em duas fases distintas. Disse a primeira respeito à legislação comercial primária, fundamentalmente integrada no Código.

Tem a segunda a ver com a legislação penal e de mera ordenação social, agora publicada, e com alguma legislação de carácter adjectivo, em curso de preparação.

  1. Não se pode dizer que seja nova, ou sequer recente, a necessidade de editar normas penais sobre matéria da vida das sociedades comerciais. É, no entanto, nova a expressão dessa necessidade. Tradicionalmente, as questões penais postas pelas actividades comerciais eram objecto de tratamento nos quadros genéricos do direito penal, por aplicação de normas sobre tipos clássicos de crime, como a burla, a infidelidade, a falsificação, o abuso de confiança. No que fosse tão específico da vida mercantil que extravasasse declaradamente da regulamentação do direito punitivo geral recorria o legislador a disposições de âmbito muito limitado, como as referentes à falência fraudulenta, às infracções contabilísticas, à usura ou às burlas deseguros.

    A ideia de um direito penal das sociedades como ramo (ou sub-ramo) especializado do direito punitivo só nos últimos tempos veio a surgir.

  2. Põe, no entanto, a sua concretização sensíveis problemas de política criminal.

    Desde logo deve estar presente, com particular dominância, o princípio da culpa.

    Dele advém não ser admissível que os destinatários das normas penais sejam surpreendidos com medidas punitivas a que não correspondam intuições ético-jurídicas preexistentes na consciência colectiva. A função própria do direito penal não é a de introduzir normas primárias, mas a de punir comportamentos cuja ilicitude e cuja reprovação sejam já acolhidas pela generalidade dos destinatários das normas. Não pode, pois, o direito penal ser pervertido em instrumento de políticas económicas e sociais inovadoras, reformas institucionais e programas de conformação das relações jurídicas segundo modelos novos.

    Ora, por assim ser, o direito penal das sociedades deverá confinar-se - salvo os casos não problemáticos de tutela de certas disposições reguladoras da boa ordem dos negócios, previamente ditadas pela lei primária - à punição de comportamentos que sejam já objecto de uma reprovação muito intensa e inequívoca da comunidade.

    Quanto a comportamentos menos intensa ou menos inequivocamente reprovados, deve o legislador aguardar o amadurecimento da consciência moral da comunidade e a formação de regras de conduta aceites no meio social com um mínimo de generalidade e de espontaneidade.

    Entretanto, e por outro lado, um direito penal especial, ou sectorial, não deve constituir-se à margem do direito penal comum; neste encontram expressão e racionalização as intuições ético-jurídicas básicas da comunidade e muitas das regras de vida mais profundamente interiorizadas pela maioria dos cidadãos. Os direitos punitivos especiais devem ser concebidos como subsistemas do direito penal comum, dele fundamentalmente emanados, numa preocupação de coerência global do sistema.

  3. É deste quadro de princípios que se parte para um primeiro passo no direito penal das sociedades. Ele envolve uma decisão de autolimitação, que encara como necessárias e justas certas restrições que até poderão parecer lacunas de punibilidade. Cumpre, porém, aguardar a condensação no tecido social de critérios de conduta mais reconhecíveis pela generalidade dos agentes económicos.

    Outro critério de autolimitação dimanou do reconhecimento das dificuldades de ordem prática que se opõem à imediata observância de certas disposições inovadoras do CSC. Acresce que nem sempre os princípios neste introduzidos se encontram já suficientemente especificados por regras instrumentais de interpretação, aplicação e processo. Aliás, muitas dessas regras não poderão sequer ser fixadas por via legislativa; terão de ser deixadas à formação espontânea de usos, deontologias e técnicas específicas das diversas actividades. Deverá o legislador aguardar a constituição dessas regras e práticas, antes de poder decidir da necessidade de recorrer ou não a sanções penais.

    Estas condicionantes, a par de óbvias razões de justiça, subjazem também à decisão de estabelecer no presente diploma uma dupla vacatio legis, com prazos distintos para as infracções criminais e para os ilícitos de mera ordenação social.

  4. A definição dos tipos de crime e a graduação das penas seguem de perto o sistema do Código Penal (CP). Na definição dos tipos de crime serviram de modelo os correspondentes tipos comuns daquele Código, ou, na falta de um género, os tipos comuns de crime que, quer sob o ponto de vista da acção e das circunstâncias da acção, quer sob o dos valores e interesses lesados, apresentam maiores afinidades com o comportamento considerado. Tais modelos transparecem claramente do articulado e poderão constituir guia seguro da ulterior elaboração jurisprudencial. Do mesmo modo, a graduação das penas aplicáveis pautou-se pelo catálogo das sanções que para aqueles crimes são cominadas no CP. Só em casos muito contados se encontrarão divergências, e essas sempre confinadas a limitesestreitos.

    Quando existe agravação, ainda que em termos tão moderados, ela é justificada por fortes razões de justiça e de política criminal, que têm a ver com circunstâncias específicas da vida das sociedades.

    O modelo mais utilizado na graduação das penas aplicáveis foi recebido da incriminação geral da infidelidade, constante do artigo 319.º do CP. Trata-se de uma escolha que se justifica pelas analogias existentes entre a infidelidade e a maioria dos...

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