Decreto Legislativo Regional n.º 28-C/99/M, de 23 de Dezembro de 1999

Decreto Legislativo Regional n.º 28-B/99/M Cria o Sistema Regional de Gestão e Abastecimento de Água da Região Autónoma da Madeira e transforma o Instituto de Gestão da Água, criado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 19/91/M, de 30 de Julho, em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos denominada 'IGA - Investimentos e Gestão da Água, S. A.'.

A água constitui, desde sempre, um bem essencial, eminentemente associado à vida e à subsistência das diversas espécies.

A evolução do planeta e as profundas modificações climáticas que se vêm registando e que, segundo dados científicos, se vão intensificar nas próximas décadas tendem a acentuar a desertificação e, consequentemente, a tornar a água um bem cada vez mais escasso.

Não admira, pois, que se vaticine já que o próximo século será dominado por preocupações universais relativamente à água, tanto em termos de quantidade como de qualidade.

Como não admira que, face aos sinais referidos, se venham adoptando, por todo o lado, novas formas mais adequadas a uma gestão racional da água, ao seu melhor aproveitamento e à preservação da sua qualidade, de modo a proporcionar às populações o necessário abastecimento, que concilie, de forma prudente, o trinómio quantidade, qualidade e custo.

Naturalmente que a Madeira e os seus órgãos de governo próprio e a administração pública regional não se podiam alhear das preocupações que, neste domínio, começam a ser universalmente convergentes.

Além do mais, trata-se de um sector em que a Região, tanto no passado como em períodos mais recentes, tem uma história e uma experiência riquíssimas, que não poderão deixar de constituir um alicerce sólido para as reformas e inovações que se pretendem agora adoptar.

Curiosamente, os Madeirenses têm mantido com a água uma relação que, por vezes, se afigura, pelo menos aparentemente, um tanto paradoxal.

Na verdade, consta dos nossos anais que os litígios e pleitos mais aguerridos (e também dos mais complexos), em particular nas zonas rurais do interior da Madeira, respeitam exactamente a questões de água.

Mas, por outro lado, e quiçá pela errada ideia de abundância provocada pelas quedas de água que caracterizam vários pontos da nossa paisagem, são frequentes as atitudes de desperdício, de não poupança e de subvalorização da água.

Por isso, importa que as alterações e inovações a introduzir na gestão do domínio hídrico tragam também alguma pedagogia que leve a despertar na consciência individual de todos e de cada um um profundo sentimento de defesa e valorização da água e de preservação da sua qualidade, como bem colectivo, que deve constituir um dos mais importantes patrimónios a legar às futuras gerações.

As soluções que se pretendem adoptar e que adiante se apresentam com mais detalhe não se afastam, de forma sensível ou relevante, de modelos já adoptados, no mesmo domínio, no âmbito nacional.

Está, pois, assegurado, a nosso ver, o correcto enquadramento legal e constitucional do presente decreto legislativo regional, no âmbito das competências da Assembleia Legislativa Regional.

Acresce que, pela revisão constitucional de 1997, incluiu-se no artigo 228.º da Constituição da República Portuguesa, entre as matérias de interesse específico das Regiões Autónomas, quer 'os recursos hídricos' [alínea f)] quer a 'protecção de recursos naturais' [alínea d)].

A par disso, e em tais matérias, a legislação regional passou a estar subordinada tão-só aos princípios fundamentais das leis gerais da República, cuja filosofia e preocupações, neste caso, coincidem com as veiculadas pelo presente diploma.

Aliás, se há matérias que desde sempre obrigaram, ao longo dos séculos, o legislador nacional a contemplar, de forma específica, a Região, com providências e instrumentos legislativos próprios, o sector da água é exactamente aquele em que tal aconteceu, de forma ímpar e inigualável.

Já D. João II, ciente do que representava a água, numa região com o acidentado da nossa orografia e no difícil desbravar das terras pelos colonos, por cartas provisão de 7 e 8 de Maio de 1493, vedou a apropriação individual e particular da água na Madeira.

Referia-se na provisão daquele monarca, de 7 de Maio, na parte relativa a águas: 'Hei por bem, e me apraz, e mando, que particular algum tenha direito, domínio, nem acção nas fontes, olhos e tornos de água, que em suas terras nascerem jamais em tempo algum possam ter, nem adquirir, posto que sejam senhores das terras com as quais as fontes lhes não passarão, nem ainda por suas terras mudar, nem divertir, e correrão de modo, guisa, e maneira, que tomarão seu caminho, e corrente até darem, e se meterem nos rios, e ribeiras, nos quais juntas as ditas águas, que das fontes correrem se tirarão as levadas para que todos possam viver, e as ditas águas sejam repartidas por todos, conforme o aproveitamento que for necessário, e o capitão e oficiais de câmara e almoxarife façam a dita repartição.' Os mesmos princípios foram reafirmados, quer pelas provisões de 5 de Março de 1770, quer pela Lei de 12 de Novembro de 1841.

Só quando o legislador da República esqueceu o regime especial das águas na Madeira é que cometeu falhas ou erros que tiveram, mais tarde, de ser corrigidos.

Assim aconteceu com o Código Civil de 1867, que não acautelou, de forma clara, o regime especial das águas da Madeira.

Tal foi fonte de frequentes litígios que deram lugar a diversa jurisprudência dos tribunais superiores da época, obrigando mesmo à publicação, já depois da implantação da República, da Lei n.º 141, de 20 de Abril de 1914, em cujo artigo 1.º se preceitua: 'São mantidas às entidades jurídicas - levadas na Ilha da Madeira - os direitos por elas adquiridos à data da publicação do código civil, sobre certas e determinadas águas que derivam das nascentes existentes em prédios alheios.' Mas passados escassos quatro anos, de novo o legislador nacional, ainda na I República, ao aprovar o célebre Decreto n.º 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919, voltou a esquecer o regime específico das águas da Madeira.

Tal falha obrigou a que, mais uma vez, pelo Decreto n.º 19 357, de 14 de Fevereiro de 1931, se reafirmassem os direitos das levadas da Madeira, cuja personalidade jurídica fora já reconhecida pela Lei de 12 de Novembro de 1841 e pela Lei de 26 de Julho de 1888.

Vale a pena registar algumas passagens do preâmbulo do Decreto n.º 19 357, por constituir um verdadeiro acto de contrição do legislador da República, quanto a erros e omissões, por esquecimento do regime específico das águas da Madeira: 'Destas circunstâncias locais peculiares resultou para os primeiros povoadores da Madeira a necessidade de derivarem das ribeiras, a montante dos terrenos por eles ocupados, e conduzirem até estes terrenos, em aquedutos adequados, as águas indispensáveis para a fertilização deles e para usos domésticos.

Foi esta a origem das 'Levadas da Madeira', e porque elas foram assim uma resultante das imutáveis condições naturais da região, evidente é que a mesma necessidade que determinou a primitiva fundação destas instituições impôs no decorrer do tempo, e exige na actualidade, a conservação delas, como elemento essencial para assegurar a continuidade da vida económica local, que toda se prende com a prosperidade da agricultura.

O reconhecimento claro desta verdade provocou da parte do Estado, ainda no início da povoação da Madeira, e por diversas vezes, posteriormente, providências de carácter legislativo e administrativo destinadas a garantir às levadas a integridade dos respectivos caudais, derivadas, como ficou apontado, das correntes dos numerosos regatos e ribeiras que são uma feição característica da região, e acrescidos ainda dos fluxos das nascentes que directamente afluem aos aquedutos em diversos pontos do seu percurso.

Graças à Lei de 20 de Abril de 1914, ficou em grande parte conjurado o perigo que ameaçava tão gravemente os grandes e multíplices interesses que andam ligados às levadas da Madeira.

O Decreto-Lei n.º 5787, de 10 de Maio de 1919, porém, que precipitadamente substituiu um novo regime das águas ao que fora estabelecido no Código Civil, veio novamente pôr em risco aqueles interesses.

Considerando pois que, a bem dos interesses da agricultura madeirense, convém reafirmar e manter os direitos adquiridos pelas levadas, nos termos do regime secular à sombra do qual foram adquiridos.' Naturalmente que esta incursão histórica pelo passado permite compreender mais facilmente o presente e preparar o futuro das várias e complexas questões que se colocam no domínio da água na Região.

Foi, aliás, já com estas preocupações que se criou o Instituto de Gestão da Água (IGA), através do Decreto Legislativo Regional n.º 18/81/M, de 30 de Julho, o qual nasceu, porém, como uma estrutura eminentemente pública e com atribuições de gestão global do domínio público hídrico regional da Madeira.

Sucede que diversas e significativas modificações verificadas desde a data da publicação daquele diploma e a alteração dos condicionalismos internos e externos em que a instituição exerce a sua actividade recomendam a sua profunda revisão.

Para essa reforma concorrem sobretudo a necessidade de garantir o acesso universal das populações à água aos menores custos possíveis e os deveres da Administração, quer de preservação dos recursos quer da oferta de água em quantidades necessárias ao desenvolvimento económico e social desejável para a Região.

A teia de procedimentos burocráticos a que o actual Instituto está obrigado típica da Administração Pública - tem-se mostrado inadequada a um serviço de laboração contínua em todas as horas do dia, durante todo o ano, e tem obstaculizado a implementação de novas formas de gestão que permitam melhores respostas aos crescentes anseios e necessidades das populações.

Considera-se assim que, para assegurar serviços de melhor qualidade, é necessário conferir à gestão da água um figurino empresarial livre dos espartilhos do sector público administrativo, de modo a poder-se...

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