Decreto Legislativo Regional n.º 15/2006/A, de 07 de Abril de 2006

Decreto Legislativo Regional n.º 15/2006/A Regime jurídico da educação especial e do apoio educativo Na sequência da profunda reestruturação do sistema de educação especial dos Açores, iniciada em 1998 com a criação das primeiras escolas básicas integradas de carácter inclusivo, é agora possível autonomizar o respectivo regime jurídico, procedendo à consolidação normativa desta matéria e integrando nele, dada a evidente conexão, as matérias referentes ao apoio educativo. Embora se reconheça a individualidade dos conteúdos inerentes aos conceitos de educação especial e de apoio educativo e se tenha tido o maior rigor na identificação de cada um deles, optou-se por expressar o regime jurídico de ambos numa mesma sede legal, no sentido preciso de acautelar e promover as evidentes sinergias operacionais entre ambos os institutos.

O presente diploma consolida uma reforma assinalável do modo de encarar e de concretizar, no sistema educativo açoriano, a educação especial e o apoio educativo. Essa reforma, embora balizada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, foi muito além do ali preconizado e assentou em quatro opções de princípio que merecem ser destacadas: 1) A opção clara pelo modelo da escola inclusiva, consistente com os objectivos da Declaração de Salamanca, com a consequente extinção das instituições especializadas de educação especial e integração dos seus alunos, e dos recursos que lhes estavam afectos, nas escolas do ensino regular; 2) A intensificação do combate ao insucesso e abandono escolares através da diversificação e flexibilização dos percursos educativos, criando condições para que os alunos com necessidades educativas especiais e com dificuldades de aprendizagem pudessem usufruir de uma adequada escolarização; 3) A promoção das evidentes sinergias operacionais entre a educação especial e o apoio educativo, através da partilha de recursos e da colocação de ambos os regimes na dependência dos serviços especializados das escolas;e 4) A integração do pessoal docente e não docente ligado à educação especial nos quadros das unidades orgânicas do sistema educativo, criando condições para a sua estabilização.

Neste contexto, importa registar a evolução orgânica do sistema de educação especial açoriano, demonstrando o longo caminho já percorrido e a coerência com os objectivos que agora se traçam. As estruturas de educação especial existentes nos Açores têm origem no Centro de Educação Especial dos Açores, criado pelo Decreto-Lei n.º 35108, de 7 de Novembro de 1945. Após a sua transferência para a administração regional autónoma, pelo Decreto-Lei n.º 276/78, de 6 de Setembro, aquele Centro sofreu várias transformações e foi estendendo a sua actividade às várias ilhas do arquipélago. Essas transformações culminaram com a extinção do Centro pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 5/93/A, de 4 de Março, sendo criadas, em sua substituição, as Escolas de Educação Especial de Ponta Delgada e de Angra do Heroísmo e uma rede de equipas de educação especial - regulada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 2/93/A, de 23 de Fevereiro -, instituições directamente dependentes da Direcção Regional da Educação, vocacionadas para o apoio às crianças e jovens com necessidades educativas especiais, assegurando o cumprimento da escolaridade obrigatória àqueles que, pelo seu grau de incapacidade, não pudessem ser integrados em estabelecimentos de ensinoregular.

Por outro lado, da reorganização do sistema educativo operada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 2/98/A, de 28 de Janeiro, e pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 10/98/A, de 2 de Maio, e diplomas posteriores, resultou a criação de uma rede escolar tendencialmente integradora de todo o funcionamento do sistema educativo em cada parcela da Região e concebida na perspectiva da escola inclusiva. Nesse contexto, foram cometidas às escolas básicas integradas e às áreas escolares as funções que no âmbito da educação especial vinham sendo asseguradas pelas equipas de educação especial, entretantoextintas.

Dado que a rede de educação especial integrada no ensino regular tem um carácter essencialmente voltado para a satisfação imediata das necessidades educativas dos alunos, tornou-se necessário criar centros de recursos especializados capazes de fornecer às escolas aqueles apoios específicos e especializados de que, a nível local, os núcleos de educação especial não dispunham. Tais centros foram criados em Ponta Delgada e Angra do Heroísmo como unidades autónomas pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 15/99/A, de 30 de Novembro, e posteriormente integrados pelos Decretos Regulamentares Regionais n.os 20/2003/A, de 14 de Abril, e 19/2004/A, de 9 de Junho, respectivamente, em unidades orgânicas do ensino regular.

Por seu lado, os núcleos de educação especial, verdadeiros sucessores a nível operacional das escolas e equipas de educação especial, assumiram o funcionamento da educação especial e passaram a integrar o conjunto dos serviços especializados de apoio educativo de cada unidade orgânica.

Tal evolução levou a que as tarefas de educação especial passassem para o âmbito das escolas do ensino regular, sendo nelas criados núcleos de educação especial, formando uma rede de escolas inclusivas que cobre uniformemente todo o território da Região. Simultaneamente procedeu-se à criação nos quadros de escola dos lugares necessários ao funcionamento do regime educativo especial, integrando no concurso único o recrutamento e a mobilidade destes docentes, matérias em que a Região Autónoma dos Açores foipioneira.

Tendo em conta a necessidade de flexibilizar as estruturas curriculares, foi criado pela Resolução n.º 121/99, de 22 de Julho, o Programa de Integração Escolar de Crianças e Jovens com Necessidades Educativas Especiais, designado por Programa Cidadania, voltado especificamente para as crianças e jovens com acentuadas necessidades educativas especiais. Face ao elevado número de crianças indefinidamente retidas no 1.º ciclo do ensino básico devido a graves dificuldades de aprendizagem, foi posteriormente criado o Programa Oportunidade.

Neste contexto, e face ao percurso já seguido, o regime da educação especial e do apoio educativo que agora se consolida é, sem dúvida, uma peça estruturante da prossecução do desígnio estratégico de diminuição, sistemática e sustentada, do insucesso e do abandono escolar e de criação de condições para a qualidade e relevância social das aprendizagens. O combate ao insucesso e abandono escolar e a qualificação das aprendizagens são prosseguidos em estreita consonância com a perspectiva de responsabilidade social e de inclusão no sistema educativo das crianças e jovens com necessidades educativas especiais, nestas se incluindo aqueles com acentuadasincapacidades.

A educação especial visa responder a necessidades educativas especiais, decorrentes de limitações ou incapacidades, que se manifestam de modo sistemático e com carácter prolongado, inerentes ao processo individual de aprendizagem e de participação na vivência escolar, familiar e comunitária.

Essas limitações ou incapacidades são decorrentes de factores limitadores endógenos, que podem ser agravados por factores ambientais, resultantes de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, ao nível das funções ou das estruturas do corpo, nos domínios auditivo, visual, cognitivo, comunicacional, incluindo a linguagem e a fala, emocional, motor e da saúde física.

Por seu turno, o apoio educativo visa responder às dificuldades na aprendizagem, caracterizadas como constrangimentos ao processo de ensino e aprendizagem, de carácter temporário, que podem ser sanados através de adequadas medidas de apoio educativo, não reclamando, por isso, uma intervenção especializada de educação especial. O apoio educativo engloba um conjunto de medidas variadas, orientadas para a promoção do sucesso educativo e escolar, para a prevenção de comportamentos de risco e para a prevenção do abandono escolar.

Com o objectivo de utilizar uma nomenclatura com base científica que permita o estabelecimento de uma linguagem comum que melhore a comunicação de resultados e estatísticas, a comparação de dados entre escolas e no contexto internacional e a determinação da evolução temporal dos diversos indicadores, opta-se por um sistema de codificação sistemática e uniforme. Embora nele naturalmente não se esgote, esta caracterização das necessidades educativas especiais colhe elementos do conceito de incapacidade preconizado pela Organização Mundial de Saúde, na sua Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), de 2001.

Adoptou-se assim um modelo de classificação da funcionalidade e da incapacidade dinâmico, interactivo e multidimensional, subjacente à referida classificação da Organização Mundial de Saúde, que corresponde a um paradigma em que as questões da funcionalidade e da incapacidade dos indivíduos são vistas à luz de um modelo que abrange diferentes dimensões, resultantes de uma contínua interacção entre a pessoa e o ambiente que a rodeia. De forma a evitar situações que violem o direito à privacidade, é colocada grande ênfase nas questões deontológicas associadas à classificação das incapacidades e à sua transmissão a terceiros.

As opções assumidas no presente diploma quanto aos objectivos, à organização e ao funcionamento da educação especial e do apoio educativo estruturam-se com base no reconhecimento, hoje consensual, do direito à educação, independentemente de condições físicas, sociais, linguísticas ou outras e do direito de todos à igualdade de oportunidades no acesso e sucesso educativo e escolar. Delas resulta que a educação especial deve atravessar todo o sistema educativo, integrando-se nele, de forma coerente e harmoniosa, até aos limites impostos precisamente pela especificidade das limitações ou incapacidades determinantes das necessidades educativas especiais.

Abandona-se assim o modelo tradicional de beneficência e, mesmo, o modelo...

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