Da Reforma de Documentos, Autos e Livros

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas137-155

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= A =

Reforma de documentos

Aquele que quiser proceder à reforma de títulos de obrigação destruídos, apresentará requerimento, dotado dos seguintes elementos:

- descrição dos títulos

- justificação sumária do interesse na recuperação

- explicação sumária dos termos em que ocorreu a destruição

- oferecimento de provas

Após a recepção do requerimento inicial e se for entendido, em face das provas produzidas que o processo deva ter seguimento, é designado dia para uma conferência dos interessados.

Para esta são citadas as pessoas que tenham emitido o título ou nele se tenham obrigado, bem como, sendo caso disso, os interessados incertos.

Atente-se bem:

Entre a petição inicial e a conferência de interessados, tem lugar um despacho da lavra do juiz.

Se a prova produzida pelo requerente consistir unicamente em documentos, o juiz, lendo a petição e examinando estes, verificará se está feita a prova do domínio e da destruição.

Não uma prova exaustiva, antes indiciária, de possibilidade e verosimilhança.

O pensamento da lei 196 é certamente este: evitar que a acção prossiga quando as circunstâncias revelem, desde logo, que não há fundamento para a reforma, quando a inviabilidade da pretensão do autor seja ostensiva e manifesta.

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A justificação sumária destina-se, claramente, a habilitar o juiz a decidir se o processo deve ou não ter seguimento.

Se em vez de documentos ou para além destes, o impetrante oferecer prova testemunhal, deve, obviamente, o juiz proceder à respectiva inquirição e, só depois, decidir do prosseguimento ou não do processo.

E prosseguir o processo, significa que terá lugar a seguir, após adequada citação, uma conferência dos interessados, presidida pelo juiz.

Podendo aí e, então, haver acordo ou falhar este. Quando ocorra a primeira hipótese, isto é, se todos os interessados presentes acordarem na reforma, é esta ordenada oralmente, consignando-se no auto os requisitos essenciais do título e a decisão proferida.

Transitada em julgado a decisão, pode o autor requerer que o emitente ou os obrigados sejam notificados para, dentro do prazo que for fixado, lhe entregarem novo título, sob pena de ficar servindo de título, a respectiva certidão do auto.

Na falta de acordo, caberá aos interessados dissidentes, assim o queiram, deduzir contestação, no prazo de 20 dias, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário, conforme o valor, subsequentes ao contestatório.

Se não houver contestação, o juiz ordenará a reforma do título em conformidade com o petitório e, depois do trânsito em julgado da sentença, pode o peticionante requerer que o emitente ou os obrigados sejam notificados para, dentro do prazo que for fixado, lhe entregarem novo título, sob pena de ficar servindo de título a certidão da petição e da sentença.

Até aqui, tratamos da reforma de títulos destruídos. Mas, os títulos podem ter-se perdido ou destruído.

Quid juris?

À respectiva reforma aplica-se tratamento análogo ao que deixamos atrás vertido, com estas alterações:

* publicar-se-ão avisos, num dos jornais mais lidos da localidade em que se presuma ter ocorrido o facto da perda ou desaparecimento, 197 identificando-se o título e convidando-se qualquer pessoa que esteja de posse dele a vir apresentá-lo até ao dia designado para a conferência; 198

* se o título aparecer até ao momento da conferência, finda o processo; 199 se, posteriormente, mas antes de transitar em julgado a sentença de reforma, é convocada nova conferência dos interessados confinada à resolução da entrega;200

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* se o título não aparecer até ser proferida a decisão, a sentença que ordenar a reforma declarará sem valor o título desaparecido, devendo o juiz ordenar que lhe seja dada publicidade pelos meios mais adequados; 201

* quando o título reformado for letra, acção, obrigação e mais títulos comerciais transmissíveis por endosso, 202 não se entregará novo título sem que o requerente preste caução à restituição do seu valor, juros ou dividendos.

E, então, como se processa a reforma de documentos que não caibam sob a denominação de títulos de obrigação?

A resposta é esta:

Observar-se-á, na parte aplicável, o que atrás se desenvolveu relativamente aos apelidados títulos de obrigação.

E a prova que assim o é, constitui exemplo a simulação que vai seguir-se:

Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal da Comarca de Vimioso

Ondina Martins Regado, divorciada, funcionária pública, residente na Trav. dos Paliteiros, em Vimioso,

vem, ao abrigo do disposto no art. 1069º do C.P.C., propor e fazer seguir

Acção Especial para Reforma de Documento

indicando como requerida,

Celeste Cardona Albuquerque, solteira, comerciante, moradora na Praça dos Famintos, nº 90, em Vimioso,

para tanto, dizendo o seguinte:

No dia ... de ...... de ...., a aqui requerente estabeleceu um contrato de permuta com a ora requerida, do qual resultou a obrigação para esta de lhe entregar até .../.../..., 5.000 livros e 1.200 discos, que se encontram na casa de habitação da «Quinta dos Formigos», sua propriedade por título sucessório.

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Para tanto, foi firmado um documento particular, assinado pela Celeste Cardona Albuquerque.

Inadvertidamente, não foi feito qualquer duplicado e nem, por outro lado, foi tirada fotocópia alguma.

Sendo que o original ficou na posse e ao cuidado da aqui requerente.

Sucede, porém, que em .../.../..., a casa da aqui requerente foi assaltada, após estroncarem uma janela.

Do seu interior, furtaram vários objectos e destruiram com matéria ácida desconhecida, vária documentação e livros (vide doc. nº 1).

Entre aquela estava o documento aludido no item 2º desta peça.

Para além de tudo ter sido, devidamente, denunciado à G.N.R., também o foi, aliás, logo no dia imediato à requerida.

Esta disse que não valia a pena reconstruir o documento destruído porque honraria o que, em .../../..., havia assinado.

10º

Qual não foi a surpresa da requerente quando a requerida, há duas semanas a esta parte, lhe mandou um escrito dizendo que se assim o desejasse já poderia mandar levantar os 5.000 livros, apesar de ainda faltarem alguns meses para o fim do ano (vide doc. nº 2).

11º

Como não referisse os 1.200 discos (vide artigo 1º desta peça), a requerente entrou em contacto com a requerida que, então, lhe afirmou que só tinha a entregar-lhe livros e não quaisquer discos.

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12º

O que, necessariamente, implica que se proceda à reforma do documento particular firmado pela Celeste Cardona Albuquerque em .../.../....

13º

Aliás, com conhecimento de amigos e familiares da requerida.

14º

Dois, pelo menos, assistiram à assinatura do dito documento particular.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o suprimento de V. Exª, deve o processo ora iniciado ter ulterior tramitação e designado dia para conferência dos interessados, sendo que, não havendo acordo, seguir-se-ão os ulteriores termos até final, com a consequente reforma do documento em causa.

Cumprindo o estipulado no nº 1, do art. 1069º do C.P.C., oferece-se o seguinte:

Rol de Testemunhas:

1ª) Elizabete Mateus Gago, solteira, operadora informática, residente na Rua do Lambe-Botas, nº 31, em Vimioso;

2ª) Ricardina Leão Poças, casada, enfermeira, residente no Beco do Volta-Atrás, nº 9, em Vimioso

e

  1. ) Maria Estrela Barros de Albuquerque, divorciada, actriz, moradora na Rua Santa Catarina, 295, 1º and., no Porto.

Valor: euros 7.481,96 (sete mil quatrocentos e oitenta e um euros e noventa e seis cêntimos).

Junta: 2 documentos, procuração, duplicados legais e comprovativo do pagamento antecipado da taxa de justiça inicial.

O Advogado,

Contr. nº ...

Cód. nº ...

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DESPACHO

Ao abrigo do disposto no nº 2, do art. 1069º do C.P.C., ordeno que a inquirição das testemunhas arroladas, tenha lugar no dia ... de ......... próximo, pelas ... horas.

Notifique.

O juiz,

  1. ........................

    DESPACHO

    Face à prova produzida, entendo que o processo deve ter seguimento, pelo que designo o dia .../.../..., pelas ... horas, para a realização da conferência dos interessados, a que se reporta o nº 2, do art. 1069º do C.P.C..

    Notifique-se a requerente e cite-se a requerida.

    O juiz,

  2. ........................

    Auto de Conferência de Interessados

    Aos ... de ............. de ...., neste tribunal, onde se encontrava presente o Exmº Senhor Juiz Dr. Ildeberto Romão, a escrivã, Mónica Sales e a oficial de justiça, Lúcia Terló, à hora marcada e feita a chamada, compareceram a requerente, Ondina Martins Regado e a requerida, Celeste Cardona Albuquerque, sendo aquela acompanhada do advogado Dr. José Penteado.

    Page 143

    Iniciada a conferência, ele, Senhor Juiz, expôs às interessadas o fim desta diligência de que as mesmas disseram ficar, devidamente, cientes.

    A requerente confirmou que do documento destruído constava a obrigação da entrega por banda da ora requerida de 5.000 livros e 1.200 discos até ao fim do corrente ano.

    Por seu turno, a requerida aceitou que do documento em questão constasse a obrigação de entregar à Ondina Martins Regado 5.000 livros, mas não 1.200 discos.

    Acrescentou ainda a requerida que em .../.../... se falou, efectivamente, em discos, mas o facto é que o mesmo não ficou a constar do documento, posteriormente, destruído e, muito menos, a indicação de 1.200.

    Interveio, então, ele, Senhor Juiz, exortando as presentes a esforçarem-se quanto ao real e verdadeiro conteúdo do documento destruído em .../.../... .

    Foi, então, que pediu a palavra o Dr. José Penteado e, no uso dela, pediu um prazo de 30 minutos para conferenciar com a sua constituinte e, eventualmente, com a requerida, o que lhe foi concedido.

    Retomada a conferência foi referido pelas interessadas que haviam acordado na reforma do documento destruído, consignando-se como requisitos essenciais do mesmo:

    ...

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