Da Acção de Indemnização contra Magistrados

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas157-168

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É de, sem mais nem porquê, indagar à guiza de prólogo

* qual o fundamento da responsabilidade civil dos magistrados por actos praticados no exercício da sua função? 232

* Hugo Rocco põe o problema e começa por observar que, sendo os magistrados órgãos de Estado e devendo os seus actos considerar-se como actos de Estado, a responsabilidade civil ou não existe ou só pode tornar-se efectiva contra o Estado. 233

Certo é, porém, que a acção de perdas e danos é dirigida, não contra o Estado, mas contra a própria pessoa dos magistrados.

E, porquê?

Porque a responsabilidade é consequência da prática de actos ilícitos, de actos culposos ou mesmo dolosos e, tais actos não podem, razoavelmente, ser considerados como actos do Estado.

Quer dizer: o fundamento da responsabilidade civil dos magistrados nada tem de especial; é idêntico ao de qualquer outra responsabilidade civil. 234

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Os magistrados estão investidos de um poder; mas trata-se de um poder-dever, isto é, de um poder que tem de ser exercido em conformidade com a lei e para determinado fim - a realização da justiça.

Se o magistrado o exerce, não em conformidade com a lei e em obediência aos ditames da justiça, mas em termos e para fins diversos, deixa de cumprir a sua obrigação judiciária, pratica um acto ilícito; se deste acto emergem prejuízos, está o magistrado sujeito à respectiva indemnização de perdas e danos.

Os magistrados, quer judiciais, quer do M.P., são responsáveis pelos danos causados, nos seguintes casos:

  1. quando tenham sido condenados por crime de peita, suborno, concussão ou prevaricação;

  2. nos casos de dolo;

  3. quando a lei lhes imponha, expressamente, essa responsabilidade;

  4. quando deneguem justiça. 235

Se em qualquer causa é assaz relevante a determinação da competência territorial do tribunal, no caso de processo especial de indemnização contra magistrados, reveste uma redobrada importância, por razões óbvias.

Ora, estabelece o C.P.C. 236 que «a acção será proposta na circunscrição judicial a que pertença o tribunal em que o magistrado exercia as suas funções ao tempo em que ocorreu o facto que serve de fundamento ao pedido».

Distinguem-se duas fases na tramitação da acção especial de indemnização contra magistrados

* fase de admissão

* fase de instrução, discussão e julgamento

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* A primeira fase, em jeito vestibular, tem como escopo a apreciação da viabilidade da acção.

É algo de grave uma acção indemnizatória contra um magistrado, mais pelas razões que lhe estão na génese.

Então, há de actuar com todas as precauções, até em nome da segurança, da certeza dos cidadãos a quem a justiça se aplica.

Parafraseando Alberto dos Reis: 237

como a acção contende com a dignidade, o prestígio e a honorabilidade do magistrado, pretende-se obstar a que tenham seguimento acções que desde logo se reconheça estarem votadas a insucesso, para que o réu não fique exposto ao enxovalho e à afronta de acção que não tem fundamento sério.

Esta fase preliminar, inicia-se com a recepção do respectivo petitório, seguida de despacho.

Vejamos a seguinte simulação:

Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Estarreja

Divina da Saudade Barbosa Casal, casada, odontologista, residente em Nagozelo do Douro, Quinta da Ervedosa, S. João da Pesqueira,

vem propôr e fazer seguir, ao abrigo do disposto no art. 1083º e segs. do C.P.C.,

Acção Especial de Indemnização contra Magistrado,

sendo réu,

Indalécio Palmeira de Brito, solteiro, juiz de direito, reformado compulsivamente, residente em Sendim da Serra, Alfândega da Fé,

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com base no seguinte:

Em ....... de ...., o ora réu exercia o múnus de juiz, no Tribunal Judicial da Comarca de Estarreja.

Tendo aí, concretamente, em .../.../..., decretado a prisão preventiva da aqui autora.

Que perdurou até cerca de um ano depois, altura em que foi absolvida pós audiência de discussão e julgamento realizada no processo nº ...../..., que teve lugar no Tribunal Judicial da Comarca de Estarreja (vide doc. nº 1).

Logo na altura causou estranheza, o facto de o ora réu ter determinado a prisão preventiva da Divina, esquecendo toda uma panóplia de outras medidas coactivas e permitidas por lei.

Partindo de afirmações sem qualquer prova carreadas para os autos, pela então ofendida Inês Bertina Carreço.

Em .../.../..., o aqui réu foi condenado por crime de suborno (vide doc. nº 2).

Em relação a vários casos que lhe competia julgar, encontrando-se, entre eles, o da supra citado processo ....../... (vide doc. nº 2).

Inclusivamente, com indicação da forma como o suborno foi praticado, bem como, da pessoa para tanto utilizada (vide doc. nº 2).

Tal anómala decisão ocasionou múltiplos e sérios danos à aqui peticionante.

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10º

De ordem material e moral.

11º

Exercia, então, a profissão de odontologista, na clínica do Lava Pé, em Espinho.

12º

Auferindo, mensalmente e em média a quantia de euros 997,59 líquidos.

13º

Pelo que durante a prisão a que esteve submetida teve um prejuízo de euros 11.971,14.

14º

Sendo certo que, entretanto, perdeu o lugar que tinha na dita Clínica, já que o seu posto foi ocupado por outrém.

15º

Quando abandonou o estabelecimento prisional, não lhe foi permitido reocupar o gabinete de odontologia de que era única responsável.

16º

Tendo que se sujeitar a exercer, presentemente, actividade em S. João da Pesqueira, com todos os prejuízos que tal lhe acarreta para o seu currículo.

17º

Designadamente, na área da ortodontia que...

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