Da história

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas25-33

Page 25

Perspectiva universal

Postos ao corrente das últimas alterações legislativas acabadas de surgir no âmbito da matéria objecto do presente trabalho, antes de especificamente a tratar, recuemos no tempo.

Era quase inevitável o apelo à Revolução Francesa no início do pequeno bosquejo histórico que nos propomos fazer quanto à matéria das custas.

É que, foi então, que uma série de circunstâncias tidas por estáveis, foram tomadas pelos revolucionários como transitórias, catapultando-as em ideários, conduzindo-as a princípios abertos à discussão.

A justiça, como emanação de um imperium absoluto, impunha-se como bem a ser, integralmente, pago pelos respectivos utilizadores. Era um dado adquirido, indiscutível, axiomático mesmo: quem queria justiça, tinha que a pagar.

Mas, como se disse, surgiu o «terramoto» revolucionário e entre os derrubes que operou, conta-se o da proposta de gratuitidade pela utilização dos serviços de justiça.

Porventura, não se ultrapassou muito a fase do idealismo, mas foi uma chamada de atenção, da qual, aliás, quedaram sementes, para mais tarde germinarem. 13

E antes daquele período?

Foquemos, por exemplo, o direito romano, onde a distribuição das despesas assumiu relevante papel.

O montante da pecunia, dependia da posição processual da parte. Fragmentava-se a disciplina, obrigando quase que à pulverização das diversas situações, com o intento de averiguar o critério orientador e, resultantemente, o quantitativo a entregar ao serviço administrador da justiça.

Na prática, o critério estabelecido mostrou-se eivado de tamanha iniquidade que o pretor surge a colmatar as injustiças criadas. 14 Page 26

Então, era assim: 15

As despesas numa acção em que se pedia a restituição da coisa recaíam sobre o possuidor, ainda que de boa fé.

Ora, surge o pretor, abrindo caminho para a concessão de meios de tutela, de defesa através da exceptio dolo generalis, que permitia a atribuição de uma indemnização para equilibrar a perda patrimonial.

Com esta actuação, o pretor evita a clamorosa injustiça de o possuidor de boa fé se ver despojado do bem e, não obstante, ainda ter de pagar as custas.

A equidade trazida ao caso pelo pretor, vem repôr a justiça, pelo menos, na matéria de custas. Aliás, a aequitas, torna-se figura assaz frequente na jurisprudência romana. É a arte do justo, a metodologia dos juristas, centrados na ideia do justo concreto. 16

A referência à equidade é ainda utilizada quando se analisa o próprio ius praetorium, informado por uma espécie de direito natural, com a missão de ajudar, suprir ou corrigir o ius civile.

Diz a tradição que mui cerca do senado romano existia uma catacumba para refúgio e prática dos ritos cristãos. Esta contiguidade topográfica, é a figuração do que no plano ideológico resulta da influência do cristianismo na matéria que estamos a expor.

E, então, modela-se a equidade e dessa cosmética resulta o aparecimento da apelidada benignitas, pietas, humanitas. É como que uma bênção amenizadora do direito pelo direito, retirando-lhe a brutalidade do ius strictum, empolando a justiça em desfavor da aplicação cega dos conceitos.

Do direito romano transpõe-se, para as idades ulteriores, o aequum, que enxerta no direito abstracto e impessoal, o concreto e o humano. 17

Haveria ainda muito para dizer sobre o tratamento por banda do direito romano em matéria de equidade e a sua projecção na distribuição dos encargos judiciais. Mas o tempo urge que a Idade Média está já aí à porta.

À privatização do poder político apontam-se duas características de importância tamanha: a concepção patrimonial das funções públicas e a centralização no príncipe da dinâmica de toda a vida política.

Hierarquiza-se a sociedade, vertical e horizontalmente e a argamassa que une esta estratificação vai fazer germinar uma nova realidade - o Estado Absoluto.

A privatização a que acima se aludiu, politiza-se, centraliza-se, tornando inevitável o l'État c'est moi. Page 27

Um simples virar da página da obra de Diderot, 18 faz entender o poder discricionário, o estado polícia, tudo resultando de uma nova filosofia, tudo apontando, com força e irreversibilidade para o despotismo iluminado.

O propósito desta doutrina era, de facto, bondoso: com efeito, visava reformar a sociedade por meio de leis justas e adequadas «le gouvernement le plus parfait est celui d'un despote juste et éclairé». Implícito ficava que para levar a efeito tal empresa o monarca fosse forte, 19 não tivesse limites ao seu poder, resistência alguma o impedisse de agir.

Donde se conclui: o despotismo iluminado recusava a divisão de poderes e preconizava a independência do Estado em relação aos poderes papal e internacional. 20

É de assinalar um significativo recuo em matéria de garantias individuais, que como já supra o dissemos, só sofrerá viragem com o surgimento da revolução francesa.

A realização do pensamento liberal conduziu à formação de um tipo de estado moldado sobre os direitos individuais naturais (liberdade, segurança e propriedade), de acordo com as normas jurídicas, apresentadas como expressão máxima da razão, tendo como missão definir e executar o direito, bem como, tutelar as esferas individuais de acção. O objectivo último era evitar o despotismo da autoridade e o arbítrio.

Por consequência, as declarações solenes sobre os direitos individuais surgem nesta altura.

A racionalidade da lei, a garantia contra o arbítrio, a separação dos poderes criam uma imagem, perfeitamente, oposta à do estado-polícia. A proclamação da igualdade jurídica, a par do reforço das garantias individuais marcaram toda uma herança que ainda hoje permanece no nosso mundo jurídico.

Comecemos pela liberdade, conquistada pela burguesia no século XVIII, com a igualdade perante a lei, determinante da consagração do carácter gratuito da justiça 21 e o aparecimento de um novo instituto - o apoio judiciário ou a assistência judiciária.

O mito da soberania real provinda do direito divino esvai-se e pelas doutrinas da igualdade e fraternidade do género humano aliadas à doutrina da liberdade política, cria-se uma forma de intervenção política por intermédio do sufrágio popular. 22 Page 28

Esta «reviravolta» faz aparecer um quadro jurídico-político que não anda longe do que hoje, na realidade, se passa.

A experiência jurídica lusitana, depara sempre com algumas notas isoladas que se prendem com a especificidade em relação à Europa, 23 sejam elas derivadas do isolamento, do atraso, das...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT