Da acção de despejo

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas53-77

Page 53

Fase declarativa

Fazendo jus ao carácter prático deste trabalho, sucessivamente, acompanharemos as peças principais de uma acção de despejo, não olvidando os comentários e as referências aos dispositivos legais aplicáveis.

Eis, pois, o petitório:

Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu

- Arnaldo Rocha Valentino, viúvo, médico, residente na Rua do Lima, nº 31, no Porto,

vem propôr e fazer seguir,

Acção, com processo comum, de despejo

contra:

- Maria Goretti Lemos Vasconcelos, também conhecida por «Fani», divorciada, industrial de hotelaria, residente na Rua do Viriato, nº 99, em Viseu,

com base no seguinte:

Em 15 de Abril de 2003, entre os aqui autor (como senhorio) e ré (como locatária), foi firmado contrato de arrendamento referente a um imóvel com o número de polícia 99, da Rua do Viriato, em Viseu (vide doc. nº 1).

Celebrado pelo prazo de um ano, renovável. Page 54

Tendo como fim a habitação da ora ré.

Foi fixada a renda anual de euros 6000,00, a pagar em duodécimos de euros 500.

Dá-se como reproduzido, aqui e agora, para todos os devidos e legais efeitos, o ínsito no mencionado contrato de arrendamento e que se anexa como documento nº 1.

Sucede que a partir do Verão do ano transacto, a ré começou a aplicar o locado, reiterada e habitualmente, a práticas ilícitas, imorais, desonestas.

Com efeito, passou a alugar aí quartos em regime de pouca permanência.

Inclusive para prática de relações pederastas.

Clientes que angaria na Pensão Mimi, da qual é proprietária e gerente, situada na mesma Rua do Viriato, mui cerca do locado.

10º

Clientes que desvia para o arrendado para se furtar à acção da polícia.

11º

Onde esta mais dificilmente actuará pelo facto de se tratar de uma habitação.

12º

O descrito confere ao aqui peticionante a resolução do contrato de arrendamento, com base no disposto na al. c), do nº 1, do art. 64º do R.A.U..

Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de V. Exª, deve a presente acção vir a ser julgada procedente porPage 55 provada e a final declarado resolvido o contrato de arrendamento firmado entre os aqui autor e ré, sendo esta em consequência, con denada a entregar aquele locado livre de pessoas e coisas.

Valor: euros6.000,00 (seis mil euros).

Junta: 1 documento, procuração e duplicados legais.

Vai: documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial (cfr. nº 4, art. 150º e nº 3, art. 467º C.P.C.).

O Advogado,

Contr. nº ...

Cód. nº ...,

Analisemos, então, a primeira peça da acção de despejo que irá constituir o paradigma da presente secção.

E, desde logo, nos teremos de pronunciar sobre o tribunal territorialmente competente.

O autor reside no Porto mas, não obstante, dirige a acção ao Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.

Porquê?

Em função do disposto no n.º 1, do art. 73.º do C.P.C., segundo o qual «devem ser propostas no tribunal da situação dos bens as acções referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, as acções de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência e de execução específica sobre imóveis, e ainda as de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas.»

Situado o locado despejando na área da Comarca de Viseu, inelutavelmente, a respectiva acção teria que ser, como o foi, proposta no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.

Sobre as demais competências - em razão da matéria e da hierarquia - não valerá qualquer comentário, ante a evidência.

O n.º 1, do art. 56.º do R.A.U. não deixa dúvidas sobre a forma do processo a seguir, quando pontifica que «a acção de despejo, na sua fase declarativa, segue a tramitação do processo comum com as alterações do presente diploma».Page 56

A acção do despejo não é, assim, mais um processo especial, como o era até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10. 105

Como nos mais petitórios, temos um autor e um réu. Se quisermos, divisionando o contrato subjacente: o sujeito activo e o passivo. Aquele, porém, não se terá de co-ajustar com o proprietário, por em causa não estar qualquer reivindicação de propriedade, tão-somente a cessação do contrato de arrendamento e consequente desocupação do locado.

Já o lado passivo não deixa abertura a dúvidas: é, invariavelmente, ocupado pelo inquilino.

A acção de despejo visa fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação. 106

Outrossim, é a acção de despejo, meio processual idóneo para efectivar a cessação do arrendamento quando o inquilino não aceite ou não execute o despedimento resultante de qualquer outra causa. 107

Juntamente com o pedido de despejo, o autor pode requerer a condenação do réu no pagamento de rendas ou de indemnização.

Óbvio que o pedido terá que se fundamentar e o art. 64.º do R.A.U. especifica, em elenco taxativo, os casos a partir dos quais o senhorio pode resolver 108 o respectivo contrato de arrendamento.

Afora as especificidades enunciadas, no mais, não oferece qualquer desvio aos petitórios de outras acções, 109 a narração da p.i. da acção de despejo.

Reza o n.º 1, do art. 307.º do C.P.C.:

- «nas acções de despejo, o valor é o da renda anual, acrescido das rendas em dívida e da indemnização requerida» 110

Da «nossa» simulação não consta rendas por pagar ou indemnização alguma. Como assim, o valor da acção concatena-se na renda anual = euros 6.000,00 (12 x euros 500).Page 57

Avançando no iter processual encontramo-nos com a peça contestatória:

Excelentíssimo Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu

Proc. nº 15/05

  1. Secção

    - Maria Goretti Lemos Vasconcelos, divorciada, industrial de hotelaria, residente na Rua do Viriato, nº 99, em Viseu, vem na,

    Acção de Despejo

    que lhe move

    - Arnaldo Rocha Valentino,

    apresentar a seguinte

    Contestação:

    Do vertido na petição inicial, apenas é verdade o vazado nos cinco primeiros artigos.

    O restante da matéria articulada não reproduz, no mínimo, a realidade.

    Jamais a ora contestante utilizou o locado para alugar quartos.

    A quem quer que seja.

    Pelo que fica prejudicado o vertido nos artigos 6º e 7º do petitório.

    E, consequentemente, o fundamento constante da al. c), do nº 1, do art. 64º do R.A.U., como estribo para a presente acção de despejo.

    A aqui demandada apenas e tão-só utiliza o arrendado para o fim aponta do no contrato de arrendamento - a habitação. Page 58

    Aí, efectivamente, residindo com sua família: uma filha, o marido desta, uma sobrinha e uma irmã.

    O locado tem, para além da cozinha, despensa e sala de jantar, mais três quartos de dormir.

    10º

    Num deles, pernoitam a filha e o genro; noutro, a sobrinha e, no terceiro, a contestante e irmã.

    11º

    Que quartos, pois, poderia a Goretti alugar?!

    12º

    E nem se diga que a impossibilidade poderia ser superada quando o aluguer fosse de curta permanência.

    13º

    Pois que a filha e a sobrinha, ambas desempregadas, estão todo o dia em casa.

    14º

    O que, além do mais, iria atentar contra a dignidade de toda uma família íntegra, que se pauta por valores morais e religiosos.

    Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exª, deve a presente acção ser julgada improcedente por não provada e, em consequência, a ré absolvida do pedido.

    Junta: procuração e duplicados legais.

    Vão: comprovativos do prévio pagamento da taxa de justiça inicial (cfr. nº 4, art. 150º C.P.C.).

    O Advogado

    Contr. nº ...

    Cód. nº ...,Page 59

    Semelhantemente ao que praticamos supra, analisemos o contestatório.

    Tratando-se de um processo comum, pode a contestação conter impugnação e (ou) excepção.

    No caso sub judice, a Maria Goretti Lemos Vasconcelos ficou-se pela contestação por impugnação.

    Sendo bem certo que - di-lo o n.º 3, do art. 56.º do R.A.U. - «o réu, ao contestar, pode deduzir o seu direito a benfeitorias 111 ou a uma indemnização».

    Na verdade, no caso vertente e em princípio, a demandada não tinha mais espaço para se movimentar no após contestatório.

    Já assim não seria quando a causa de pedir partisse da al. a), do n.º 1, do art. 64.º do R.A.U. - falta de pagamento da renda, no tempo e lugar próprios e ausência de depósito liberatório.

    Neste caso, poderia obstar ao despejo pagando as rendas em mora, socorrendo-se do permitido pelo seguinte dispositivo do C.C.:

    «Artigo 1048.º (Falta de pagamento da renda ou aluguer)

    O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até à contestação da acção destinada a fazer valer esse direito, pague ou deposite as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1, do artigo 1041.º.» uma indemnização igual a 50% do que for devido. 112

    Como se faz o depósito?

    Por meio de documento em duplicado, assinado pelo arrendatário ou por outrém, em seu nome e do qual constem:

    [ GRFICO EM ARQUIVO ADJUNTO ]

    Page 60

    Avançamos com este exemplo:

    Depósito nº 4135

    Euros: euros 1.800,00

    Eleutério Barrias Bento, viúvo, enfermeiro, contribuinte nº 161361178, residente na Rua do Pistoleiro, nº 15, em Lousada, deposita na Caixa Geral de Depósitos a quantia de euros 1.800,00 (mil e oitocentos euros), relativa às rendas dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março do corrente ano de 2005, à razão de euros 400,00 (quatrocentos euros) por mês, acrescida da indemnização a que se refere o nº 1, do art. 1041º do Código Civil, do prédio com o número de polícia 15, da Rua do Pistoleiro, em Lousada, sendo senhoria, Adozinda Marques Fernandes e inquilino, o aqui depositante.

    Este depósito é feito nos termos do art. 22º do Regime de Arrendamento Urbano, por se encontrar pendente a acção de despejo nº 700/05, a correr termos pela 1ª Secção, de 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT