O conceito de "influência indevida" e a liberdade de contratar

AutorJoão ALMEIDA GARRETT
CargoProfessor Auxiliar Convidado da Universidade Portucalense

O conceito de "influência indevida" e a liberdade de contratar1

1. - Introdução
1.1. - Este nosso Mundo de paradoxos

Nunca como hoje o homem foi tão cioso da sua liberdade: liberdade para se informar, exprimir e comunicar, liberdade para circular e se estabelecer, liberdade para afirmar os seus direitos e reclamar a satisfação dos seus interesses.

Liberdade, afinal, aparente, porque o seu exercício não é, em geral, sustentado pelo conhecimento, expondo os seus agentes, com frequência, à manipulação e ao engano.

Nunca como hoje o homem reclamou igualdade.

Mas vive num ambiente de crescente desigualdade: a destruição da classe média como consequência de uma concepção assistencialista do Estado, o aumento do fosso entre ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres, numa renovada e dramática confirmação de velha (nova?) análise de Pareto.

Nunca como hoje o homem teve acesso a informação tão ampla e diversificada.

E, todavia, uma educa-ção massificada e dirigida impede-o de "digerir" esse manancial informativo, desprovido que foi do sentido da crítica e habituado que está a aceitar passivamente a "verdade" da moda, apresentada de forma sensorialmente apelativa.

1.2. - Liberdade e responsabilidade

A liberdade é um bem inestimável, indiscutível: é parte essencial do homem e da sua dignidade, é um valor intrínseco, constitutivo, da sua humanidade.

No entanto, o seu exercício é indissociável da responsabilidade que cada um assume (tem necessariamente de assumir) pelos seus actos e respectivas consequências.

Liberdade e responsabilidade são as duas faces da mesma moeda de um lado, a afirmação do indivíduo, origem (causa) e fim de todas as coisas; do outro, o reconhecimento de que o indivíduo só existe, só o é, em relação com o outro, integrado numa comunidade.

Já Aristóteles o afirmou ao estabelecer a noção de justiça comutativa ou justiça das relações de coordenação2. Relação que o moderno direito civil consagrou através dos princípios da liberdade contratual e da responsabilidade pessoal.

1.3. - Liberdade e conhecimento

O homem contemporâneo, condicionado pelo conforto material fruto da evolução tecnológica, não é dado à procura ascética da liberdade através da sublimação espiritual, pelo que ideia grega de que "é livre o homem que aprende a vencer as paixões" não colhe hoje muitos adeptos...

Mas é inegável que a liberdade pressupõe a reflexão e o conhecimento, particularmente num tempo em que essa mesma evolução tecnológica e a abertura dos mercados nos colocam diariamente perante uma oferta caracterizada por sugestões e solicitações cada vez mais complexas e subtis3.

2. - A protecção do Consumidor
2.1. - Alargamento, aprofundamento e crescente complexidade técnica e económica das relações de consumo

É neste ambiente ou contexto social e económico que se compreende a tendência para a protecção jurídica do cidadão comum na perspectiva ou papel social de "consumidor".

A ideia, generalizada nas nossas sociedades, de que o desenvolvimento se traduz na procura incessante de bens materiais conduziu à materialização da vida e da felicidade e ao desconhecimento (ou falta de experimentação) de que a "felicidade tem dimensões sobretudo pessoais" 4.

Um número crescente de pessoas, impelidas por publicidade orientada por sofisticadas técnicas de marketing e comunicação, pela moda, imitação ou emulação social, procura diariamente novos produtos e serviços: das casas aos automóveis, da roupa aos cosméticos, dos computadores portáteis aos telemóveis de última geração, da alimentação especial aos ginásios e centros de estética...

Este aumento e diversificação da procura, com o alargamento sucessivo da ideia de "necessidade" pessoal, tem alimentado uma oferta cada vez mais ampla, tecnicamente complexa e agressiva, fruto do desenvolvimento tecnológico, da abertura dos mercados e da consequente intensificação da concorrência.

Evolução que, no plano jurídico, se traduziu, por um lado, na "comercialização" do Direito Civil, com a adopção por este de princípios e soluções tradicionalmente consagrados pelo Direito Comercial5, e, por outro, na afirmação de um Direito do Consumidor dirigido à protecção de uma posição jurídica nova, centro de imputação de interesses cuja tutela sistemática e específica escapava ao direito privado da economia ou Direito Comercial6.

2.2. - O Consumidor como "parte mais fraca" e a intervenção normativa como meio de "reequilíbrio de poder"

A afirmação da "relação de consumo" e o seu reflexo na evolução da respectiva tutela jurídica seguem de perto o precedente da relação de trabalho.

Se bem que em tempos diferentes, trata-se de factos económicos e sociais cuja importância se plasmou num mesmo percurso histórico: consideração social dos interesses em presença por efeito da massificação; associativismo crescente para obtenção, reforço e exploração dessa consideração social; intervenção do Estado nos planos legislativo (reconhecimento e tutela de direitos através de leis especiais e especializadas)...

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