Causas do Divórcio

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas33-56

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Motivo de grandes e diversas convulsões tem sido a aceitação por parte da legislação do direito ao divórcio.

E, uma vez admitido este, o leque das respectivas causas. Bem compreensível, aliás, quando se atente que da sua maior ou menor extensibilidade, depende a grande ou diminuta facilidade de consubstanciação do divórcio.

Certo que a legislação portuguesa não escapou a tamanha dificuldade, oscilando desde 1910 até aos dias de hoje no respeitante à panóplia dos fundamentos.

E assim:

O art. 4.º da apelidada Lei do Divórcio, de 3 de Novembro de 1910, dizia serem taxativamente causas legítimas do divórcio litigioso:

a) Adultério da mulher;

b) Adultério do marido;

c) Condenação definitiva de um dos cônjuges a qualquer das penas maiores fixas dos arts. 55.º e 57.º do Código Penal; 41

d) Sevícias e injúrias graves;

e) Abandono completo do domicílio conjugal por tempo não inferior a três anos;

f) Ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a quatro anos;

g) Loucura incurável quando decorridos pelo menos três anos sobre a sua verificação por sentença passada em julgado, nos termos dos arts. 419.º e segs. do C.P.C.; 42

h) Separação de facto, livremente consentida, por dez anos consecutivos, qualquer que seja o motivo dessa separação;

i) Vício inveterado de jogo de fortuna ou azar

e

j) Doença contagiosa reconhecida como incurável ou uma doença incurável, que importe aberração sexual.Page 34

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966, veio aprovar o novo Código Civil substituto do velho diploma de Seabra.

É, em seu art. 1778.º que, então, se estipulam os fundamentos em que pode assentar o divórcio litigioso, a saber:

a) Adultério do outro cônjuge;

b) Práticas anticoncepcionais ou de aberração sexual exercidas contra a vontade do requerente;

c) Condenação definitiva do outro cônjuge, por crime doloso, em pena de prisão superior a dois anos, seja qual for a natureza desta;

d) Condenação definitiva pelo crime de lenocínio praticado contra descendente ou irmã do requerente, ou por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o requerente ou qualquer parente deste na linha recta ou até ao terceiro grau da linha colateral;

e) Vida e costumes desonrosos do outro cônjuge;

f) Abandono completo do lar conjugal por parte do outro cônjuge, por tempo superior a três anos

e

g) Qualquer outro facto que ofenda gravemente a integridade física ou moral do requerente.

O 25 de Abril de 1974 trouxe, entretanto, alterações nesta matéria. Logo, em 27 de Maio de 1975, o Decreto-Lei n.º 261, criou dois novos fundamentos:

- Decaimento em acção de divórcio ou separação na qual tenham sido feitas imputações ofensivas da honra e dignidade do outro cônjuge

e

- Separação de facto livremente consentida, por cinco anos.

Este lapso temporal passou para seis anos por imperativo do Decreto-Lei n.º 561/76, de 17 de Julho.

Presentemente, é nos arts. 1779.º e 1781.º do C.C., com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 496/77 e Lei n.º 47/98, respectivamente, que se arregimentam as causas de divórcio:

a) Violação culposa dos deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência;

b) Separação de facto por três anos consecutivos;

c) Separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro;Page 35

d) Ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a dois anos

e

e) Alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de três anos e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum.

Face a isto poderemos classificar as causas de divórcio em dois grandes grupos: gerais e especiais, de um lado; objectivas e subjectivas, de outra banda.

Efectivamente, o n.º 1, do art. 1779.º do C.C., menciona que «qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum.»

O normativo não especifica os deveres, não os determina, relegando a operação para o juiz que terá de apreciar se os factos alegados são graves, reiterados e comprometem a possibilidade da vida em comum.

A culpa do cônjuge infractor deve aferir-se, não por um juízo de censura social, mas por um juízo de censura jurídica, tendo-se em atenção a relevância dos factos cometidos em relação à crise do casal.

São causas gerais as previstas no transcrito n.º 1, do art. 1779.º do C.C.; especiais: a separação de facto por três anos consecutivos, ou por um ano, ausência sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a dois anos e a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de três anos.

São causas objectivas, quer dizer não baseadas na culpa: a separação de facto por três anos consecutivos, ou por um ano, a ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a dois anos e a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de três anos e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade da vida em comum.

E causas subjectivas?

São as consubstanciadas no n.º 1, do art. 1779.º do C.C., isto é, sempre que haja violação culposa dos deveres conjugais e que, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum.

Pronto: estas são as duas principais classificações das causas de divórcio. Todavia, elas ainda se podem classificar em peremptórias e facultativas. E, então, nas primeiras estarão: a separação de facto por três anos consecutivos ou por um ano e a ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a dois anos.

Serão facultativas as advenientes da violação culposa dos deveres conjugais, quando aquela, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum e ainda a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de três anos e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum.Page 36

Finalmente, temos a classificação das causas em unilaterais e bilaterais. Quais as primeiras?

As que violam culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum, a ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a dois anos e a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de três anos e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum.

A separação de facto por três anos consecutivos ou por um ano é uma causa bilateral.

Esqueçamos agora estas quatro classificações das causas de divórcio e passemos a examinar uma a uma.

Relembremos o n.º 1, do art. 1779.º do C.C.: «Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum.»

Importa saber quais são os deveres conjugais para que, óbvio é, possamos avaliar da sua violação.

E são: o respeito, a fidelidade, a coabitação, a cooperação e a assistência. Antes da reforma do actual Código Civil os vários fundamentos de divórcio litigioso encontravam-se especificados, ainda que a al. g), do art. 1778.º contivesse uma cláusula geral: «qualquer outro facto que ofenda gravemente a integridade física ou moral do requerente.»

A generalização trazida pelo actual n.º 1, do art. 1779.º do Código Civil, foi objecto de críticas várias por parte da doutrina e mesmo da jurisprudência.

Pereira Coelho, 43 porém, assim não o entendeu, pois que afirmou: não creio que a aplicação da fórmula do art. 1779.º venha suscitar dificuldades na prática, ou melhor, venha a suscitar dificuldades que já se não pusessem na legislação anterior.

Caberão, aqui, naturalmente, o adultério, o abandono da residência da família escolhida pelos cônjuges ou fixada judicialmente, a condenação por crime infamante, vida e costumes desonrosos, maus tratos físicos, ofensas de um dos cônjuges à honra, reputação ou sensibilidade do outro e, enfim, quaisquer violações dos deveres conjugais - os deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência - contanto que a violação seja culposa e, além disso, grave ou reiterada. O juízo sobre a gravidade das faltas faz-se, concretamente, em face das circunstâncias, nos termos do n.º 2, do art. 1779.º do C.C..

Com efeito, na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve o tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges.Page 37

Note-se que entre os deveres conjugais cuja violação pode determinar a dissolução de matrimónio, para além dos de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, 44 cabem ainda os denominados deveres comuns, com especial incidência nos que respeitam ao sustento, criação e educação dos filhos.

Vejamos a este propósito os seguintes normativos:

«Artigo 1874.º (Deveres de pais e filhos)

1. Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.

  1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.»

«Artigo 1878.º (Conteúdo do poder paternal)

1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.

2. Os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.»

Se transcrevemos na íntegra os arts. 1874.º e 1878.º do C.C. foi porque, propositadamente, quisemos que ficasse bem assente no espírito do leitor a ideia de que a violação dos deveres imanentes destas regras jurídicas podem também conduzir à dissolução do matrimónio pela via do divórcio.

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