As figuras afins da mediação de seguros

AutorLuís Poças
Páginas169-187

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VII 1 - Contexto de análise: distribuição comercial e intermediação

Os contratos de distribuição comercial regulam os circuitos económicos de distribuição dos bens, do produtor ao consumidor final. Nesta perspectiva, Menezes Cordeiro distingue a distribuição directa - em que o bem transita directamente do produtor para o consumidor, mesmo que por recurso a representantes do produtor, comissários ou media- dores424 - da distribuição indirecta, em que o bem atravessa ainda várias fases, passando do produtor ao grossista, deste ao retalhista e depois ao consumidor final. Ao nível da distribuição indirecta, o autor distingue a integrada, em que se verifica uma Coordenação entre a produção e a comercialização, sendo o distribuidor abrangido pelos circuitos do produtor425, da não integrada, em que não se verifica a Coordenação, actuando os distribuidores sem concertação com os produtores426.

Nesta perspectiva, é no domínio da distribuição indirecta integrada - que pressupõe a contratualização das relações entre o produtor e os distribuidores, sujeitando-se estes a uma certa orientação, controlo e fiscalização por aquele - que se enquadram as figuras da agência, concessão, franquia, livre organização de cadeias ou os contratos atípicos de distribuição. Embora os seguros não consubstanciem bens materiais, mas antes relações obrigacionais, a noção de distribuição comercial é-lhes extensível427, revelando-se a distinção analítica dos vários tipos contratuais - legais (no caso da agência) ou sociais - que a inte- gram de grande utilidade para a compreensão da figura e regime da mediação de seguros.

A noção de distribuição comercial, na acepção de Pinto Monteiro, reconduz-se ao conceito mais amplo da actividade de intermediação, instrumental e preparatória da distribuição ao consumidor428 e passível de enquadrar, não só a distribuição, propriamente dita, Page 170 de bens materiais, mas a própria interposição de uma entidade na distribuição de serviços, nomeadamente de seguros429.

É este o contexto em que procederemos a uma sucinta análise das figuras afins da mediação de seguros, permitindo-nos, não só delimitar o âmbito deste tipo legal contratual, mas prosseguir com a análise da sua natureza jurídica.

VII 2 - Mandato

Como oportunamente referimos, algumas disposições do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de Julho, nomeadamente as referências das alíneas a) e b) do artigo 8.º, segundo as quais os mediadores de seguros ligados e agentes de seguros actuam em nome e por conta do segurador, ou as referências a representação e a mandato constantes da alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º, requerem uma aproximação comparativa da mediação de seguros ao contrato de mandato e ao instituto da representação430.

VII 2.1 - Mandato civil e representação

Nos sistemas jurídicos de matriz germânica - e diferentemente da tradição napoleónica, onde a representação decorre do mandato - este é um contrato que obriga o mandatário a desenvolver uma tarefa jurídica por conta do mandante431, mas não envolve necessariamente poderes de representação, os quais resultam de um negócio unilateral: a procuração. Desta forma, pode haver mandato com e sem representação e representação com e sem mandato432. Page 171 Assim, enquanto o mandato é uma modalidade do contrato de prestação de serviço, a procuração é uma fonte de poderes de representação433.

No mandato, as utilidades para o mandante provêm dos efeitos jurídicos do acto que o mandatário se obriga a praticar434 - e não, como na prestação de serviços, do resultado material de uma actividade que a contraparte se obriga a prestar. O acto jurídico que o mandatário se obriga a praticar é celebrado sempre por conta do mandante (isto é, no interesse do mesmo435 embora possa sê-lo em nome deste (mandato com representação) ou em nome próprio (mandato sem representação), caso em que o mandatário deverá transferir para o mandante os direitos adquiridos436.

Por seu turno, são requisitos da representação437 a actuação: em nome de outrem438, elemento que deve ser expressamente invocado pelo representante e mediante o qual os efeitos da actuação do representante se produzem na esfera do representado439; por conta de outrem, ou seja, no âmbito da autonomia privada do representado; e dispondo o representante de poderes com origem legal ou voluntária (procuração440 para o efeito. Por seu turno, os efeitos produzem-se na esfera do representado de forma imediata (logo que o negócio se conclui) e automática (independentemente de quaisquer outros actos ou eventos). Page 172

No mandato com representação o mandatário-procurador pratica um ou mais actos em nome e por conta do mandante. A este contrato são conjuntamente aplicáveis as normas respeitantes ao mandato e à representação. Os actos praticados pelo mandatário produzem, assim, efeitos directa e imediatamente na esfera jurídica do mandante.

VII 2.2 - Mandato comercial

No quadro do nosso direito comercial, de tradição napoleónica, o mandato implica sempre poderes de representação - o mandato sem representação diz-se comissão441. Nos termos do artigo 242.º do Código Comercial, o mandatário deve exibir o título que lhe confere os poderes, não podendo opor a terceiros instruções recebidas em separado do man- dante.

Nos termos do artigo 231.º do Código Comercial, existe mandato comercial quando alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais actos de comércio por mandato de outrem. Como refere Menezes Cordeiro, o principal elemento de distinção entre o mandato civil e o comercial traduz-se no seguinte: «apesar de diversos esquemas correctivos, o mandato civil é, no essencial, passado no interesse do mandante; pelo contrário, o mandato comercial opera também no interesse do mandatário e no do comércio em geral»442.

São situações especiais de mandatários comerciais: os gerentes de comércio, que detêm um mandato geral (com poderes de representação) para tratar do comércio de outrem; os auxiliares de comércio, que têm apenas mandato para tratar de algum ou alguns ramos do tráfego do proponente; e os caixeiros, pessoas mandatadas para vender e cobrar em nome e por conta do comerciante mandante.

Por seu turno, como referimos, a comissão é um contrato de mandato comercial sem representação, pelo que o comissário deve retransmitir para o mandante o que haja adquirido por conta deste. Na medida em que pratica actos de comércio em nome próprio (embora por conta de outrem), agindo profissionalmente, o comissário é comerciante443. Page 173

VII 2.3 - Mediação de seguros e contrato de mandato

No que diz respeito ao contrato de mediação (em geral)444, evidenciam-se os elementos de distinção relativamente ao mandato. Na verdade, enquanto o mandatário se obriga à prática de actos jurídicos, o mediador obriga-se à prática de actos materiais. Embora o mandatário possa praticar actos materiais e o mediador actos jurídicos, o que releva é a actividade típica e preponderante do contrato445. Por outro lado, enquanto o mandatário age por conta (e em nome, se se tratar de mandato com representação) do comitente (mandante), o mediador é imparcial e neutro446.

Porém, como veremos, haverá que demarcar o contrato de mediação de seguros do tipo social genérico do contrato de mediação, entre os quais se acentuam claras divergências447. Desta forma, importa apurar concretamente se podemos qualificar a mediação de seguros como contrato de mandato.

Ora, diz-nos o novo regime da mediação de seguros que o mediador ligado e o agente de seguros agem em nome e por conta do segurador. A clareza literal das expressões por conta e em nome induz a aproximação às figuras do mandato e da representação. A alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º do novo regime refere mesmo expressamente que o agente de seguros é mandatado pela seguradora. A lei, por outro lado, refere a possibilidade de prática de actos jurídicos por parte dos mediadores ligados e agentes de seguros, nomeadamente, a possibi- Page 174 lidade de celebração de contratos de seguro448, nos termos definidos nos respectivos contratos de mediação. Mesmo para além desta situação, os actos preparatórios da celebração do contrato de seguro e os próprios actos de apoio à gestão e execução do contrato, nomeadamente em caso de sinistro, são passíveis de assumir a configuração de verdadeiros actos jurídicos.

Estas considerações pareceriam permitir a qualificação do contrato de mediação de seguros como um mandato. Porém, sempre se dirá que, se pode haver mediação de seguros (mesmo nas modalidades mediador de seguros ligado e de agente de seguros) sem a prática de actos jurídicos, tal não é concebível no mandato. A prática de actos jurídicos será, assim, um elemento acessório da mediação de seguros, mesmo para as categorias de mediador de seguros ligado e de agente de seguros. Este é, assim, o grande ponto de clivagem entre o mandato e a mediação de seguros. Desta forma, a referência ao mandato contida na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º, respeitante ao contrato de mediação para a categoria de agente de seguros, deve considerar-se feita em sentido impróprio. Quanto às referências à actuação (do mediador de seguros ligado e do agente de seguros) em nome e por conta do segurador, referem-se as mesmas ao vínculo de representação que pode verificar-se no contrato de mediação, e cuja existência e âmbito...

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