As condições gerais dos contratos e as cláusulas abusivas em Portugal: dos males diagnosticados aos remédios prescritos

AutorMário Frota
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo
Páginas17-52
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RPDC , Junho de 2015, n.º 82
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
DOUTRINA
AS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS
E AS CLÁUSULAS ABUSIVAS EM PORTUGAL:
dos males diagnosticados aos remédios prescritos
I. INTRODUÇÃO
A problemática das condições gerais dos contratos e das cláusulas abusivas apostas, em
Portugal, nos formulários em circulação no mercado de consumo para eventual adesão,
entre outros, dos consumidores que intentem aceder a bens e serviços aí disponíveis, a
despeito das soluções da lei editada em 25 de Outubro de 1985 (DL 446/85) e adaptada
à directiva europeia de Abril de 1993 (Directiva 93/13, do Parlamento e do Conselho de
Ministros), persiste em preocupar quantos têm em mira a higienização dos contratos tipo
e dos de adesão que enxameiam tanto o comércio internacional como o doméstico.
Há inúmeras situações que, por desviantes, merecem peculiares reexões de quantos
pugnam pelos interesses e direitos dos consumidores, aviltados pela plétora de cláusulas
Mário FROTA
Director do Centro de Estudos de Direito do
Consumo
Fundador e Primeiro Presidente da AIDC –
Associação Internacional de Direito do
Consumo
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abusivas que, qual pecha de difícil erradicação, pululam pelos contratos de consumo
celebrados um pouco por toda a parte.
Há hipóteses que mal se admite ocorram, mas que se volvem persistentemente no
quotidiano, falecendo, ao que parece, meios para debelar os vícios que se instalam e
tendem a perpetuar as manchas de ilicitude que se espraiam pelo sistema, inquinando-o.
Um sem número de reexões se vêm tecendo, em manifestações promovidas pela
sociedade cientíca em cujo seio nos movemos – a apDC –, um pouco por toda a parte,
sempre que o ensejo o justique.
Os poderes públicos, porém, dos quais depende a concretização em letra de forma das
soluções aventadas e das propostas carreadas, guardam de Conrado o prudente silêncio,
numa cumplicidade que representa autênticos crimes de lesa-cidadania perpetrados
pelos poderes de que há que esperar envolvimento, empenhamento, compromisso e
armação de distanciamento dos que atentam contra a certeza e a segurança do direito
e se mancomunam para alcançar soluções manifestamente contrárias à transparência, à
licitude e à celeridade requeridas.
João Alves, procurador da República nos Juízos e Varas Cíveis de Lisboa1, por exemplo,
aança que há um preocupante quadro toldado de mediocridades, de insuciências e
imperfeições no que tange à perseguição das cláusulas abusivas apostas nos contratos em
geral e nos de consumo, em particular, que importa de todo dissipar.
Nos seus rasgos essenciais, eis as contundentes observações que com absoluta
propriedade e indiscutível autoridade houve por bem formular:
insuciente formação das magistraturas no âmbito dos direitos colectivos;
deciente acesso a bibliotecas de eleição de proximidade;
ausência de uniformidade na actuação do Ministério Público, o que não
é de estranhar dada a inexistência de qualquer coordenação especíca na área dos
interesses colectivos;
• em termos de carreira prossional, o acesso a jurisdições ou funções
especializadas a que não subjaz a experiência, a formação e as habilitações
1 In Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo n.° 4, Dezembro de 2011, a págs.113 e ss.
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académicas adquiridas, mas predominantemente a classicação e a antiguidade,
como critério de proscrever;
inexistência de bases de dados de apoio o Boletim de Interesses Difusos
que outrora se ensaiara, como veículo de comunicação entre os magistrados do
Ministério Público, por louvável iniciativa da Procuradoria-Geral da República,
encontra-se inactivo e o site de interesses difusos perdeu actualidade há um ror
de anos;
• a existência de uma dada morosidade durante a fase de instrução prévia à
instauração da acção inibitória – o MP não tem poderes que lhe permitam instruir,
em caso de falta de colaboração de particulares, eventuais providências cautelares
ou acções para defesa dos consumidores;
a morosidade na fase judicial das acções inibitórias, especialmente
na primeira instância; por norma, são necessários quatro/cinco anos ( primeira
instância, Relação e Supremo) até ao trânsito em julgado da decisão;
o registo das cláusulas declaradas nulas, no nível da percepção e facilidade
de consulta da página da internet do Gabinete para as Relações Internacionais,
Europeias e de Cooperação, é muito deciente.
Para além do quadro precedente, registe-se que, considerada pela, ao tempo, Ministra
da tutela, a Prof.ª Elisa Ferreira, em pleno Parlamento, em 15 de Março de 1996, em
defesa da Proposta de Lei de Protecção do Consumidor, instante a necessidade de se
dotar o Instituto do Consumidor (em cujas atribuições sucedeu, no âmbito do
PRACE, a Direcção-Geral do Consumidor) de legitimidade processual activa para
poder instaurar acções inibitórias tendentes à repressão em juízo de práticas lesivas
do estatuto do consumidor, a despeito de inúmeras situações de lesões em massa
a exigir intervenção imediata, nem uma só acção inibitória, de 1996 a esta parte,
Instituto e Direcção-Geral propuseram em mais de 18 anos de vigência da lei…
O que reecte bem o descaso a que as entidades ociais votaram e votam este
relevante segmento da tutela da posição jurídica do consumidor, na sua dimensão
meta-individual ou transindividual.
Cfr., mais recentemente, o agrante caso dos formulários de adesão da CAIXADIRECTA,
da Caixa geral de Depósitos, e do conito entre Ministério Público e Direcção-Geral

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