Novo Regime do Arrendamento Urbano O regime de transição contratos celebrados antes e na vigência do RAU

AutorAires de Sousa Loureiro
CargoProcurador da República
Metodologia da exposição

Gerindo o tempo que me é concedido para a presente exposição, o que implica opções parcelares no universo da vasta matéria da regulamentação transitória dos arrendamentos de pretérito no NRAU, abordarei, numa perspectiva exegética, a temática dessa regulamentação, incidindo prioritariamente e por esta ordem, nos efeitos práticos em sede de sujeição do locador, em que releva a transmissão do arrendamento por morte do locatário, e farei uma breve incursão pela matéria da secção da «actualização de rendas», em cuja regulamentação sobressai um corpo estranho, novidade absoluta na malfadada história do arrendamento urbano em Portugal, que é a autorização legal para expropriação do locador por utilidade do locatário.

Seguiremos tendencialmente a cronologia sistemática do NRAU a partir do artigo 26.°, o qual condensa o essencial do regime de transição, perante a escassa importância do complicado e oco regime dito de actualização de rendas, no meio do qual se erige o monstro degenerativo da expropriação por cobiça particular.

I
1. Regime aplicável aos contratos de pretérito a aparente contradição entre o n ° 1 do artigo 26.° e o n.°1 do artigo 60.° do NRAU, quanto ao regime aplicável

O Capítulo I do Título II do NRAU, composto apenas pelo artigo 26.°, estabelece o regime aplicável aos Contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU e contratos não habitacionais celebrados depois do D.L. n.° 257/95, de 30 de Setembro1, nos termos seguintes:

Artigo 26.°

Regime

1-Os contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.

2-À transmissão por morte aplica-se o disposto nos artigos 57.° e 58.°

3-Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional.

4-Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:

a) Continua a aplicar-se o artigo 107.° do RAU;

b) O montante previsto no n.° 1 do artigo 1102.° do Código Civil não pode ser inferior a um ano de renda, calculada nos termos dos artigos 30.° e 31.°;

c) Não se aplica a alínea c) do artigo 1101.° do Código Civil.

5-Em relação aos arrendamentos para habitação, cessa o disposto nas alíneas a) e b) do número anterior após transmissão por morte para filho ou enteado ocorrida depois da entrada em vigor da presente lei.

6-Em relação aos arrendamentos para fins não habitacionais, cessa o disposto na alínea c) do n.° 4 quando:

a) Ocorra trespasse ou locação do estabelecimento após a entrada em vigor da presente lei;

b) Sendo o arrendatário uma sociedade, ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da presente lei.

Por seu turno, o artigo 28.° manda aplicar, com as devidas adaptações, o artigo 26.° aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e aos não habitacionais celebrados antes do DL n.° 257/95, de 30 de Setembro, o que se traduz em ser o artigo 26.° o fulcro da regulamentação dos arrendamentos de pretérito.

A primeira consequência estruturante explícita que emana dos artigos 26.° e 28.°, confirmada pelo n.° 1 do artigo 59.°, é que as relações contratuais subsistentes dos contratos de pretérito passam a reger-se pelo NRAU, com as especificidades estabelecidas nos números 2 a 5 do artigo 26.°.

No entanto, paradoxalmente, o artigo 60.°, sob epígrafe de "Norma revogatória", estabelece, no seu n.° 1, o seguinte:

1-É revogado o RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 321-B/90, de 15 de Outubro, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias a que se referem os artigos 26.° e 28.° da presente lei.

Qual, então, o alcance do paradoxo decorrente de o n.° 1, do artigo 60.° revogar o RAU, com ressalva das «matérias a que se referem os artigos 26.° e 28.° da presente lei», quando estes últimos normativos preceituam inequivocamente a aplicação do NRAU, com as especificidades do artigo 26.°?

Em primeiro lugar, é fora de dúvida que o artigo 26.° afirma a aplicação do NRAU aos arrendamentos de pretérito, pelo que, na eventualidade de concurso de normas do NRAU com normas reminiscentes do RAU, sempre estas deverão considerar-se derrogadas por aquelas, segundo o princípio de que a norma posterior derroga a anterior (lex posterior derrogat legi priori), sendo certo que ambos os regimes são especiais e que a intenção do legislador é preceptiva no artigo 26.° no sentido de aplicação do NRAU aos arrendamentos de pretérito, o que também tem reflexo no n.° 2 do referido artigo 60.°, ao preceituar que «as remissões legais ou contratuais para o RAU consideram-se feitas para os lugares equivalentes do NRAU, com as adaptações necessárias», e do n.° 1 do artigo 59.°, quando estatui que o NRAU se aplica «às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias» 2.

Em segundo lugar, note-se que na alínea a) do n.° 4, do artigo 26.°, se espelha a ressalva contida no n.° 1 do artigo 60.°, ao preceituar que «continua a aplicar-se o artigo 107.° do RAU», o qual contém importantes limitações ao direito de denúncia do contrato de arrendamento por parte do locador.

Neste cenário, a questão do alcance da ressalva do n.° 1 do artigo 60.° continuará aberta a contributos de mais aprofundada análise e entendimento, mas do que fica exposto é seguro concluir pela aplicação do NRAU aos arrendamentos de pretérito, com as especificidades por ele próprio estabelecidas, designadamente no artigo 26.°.

II A questão da transmissão dos arrendamentos de pretérito, por morte do arrendatário

1. O regime de transição nesta matéria é idêntico tanto para os arrendamentos celebrados antes do RAU como para os celebrados na sua vigência, e no caso dos não habitacionais, tanto para os anteriores como para os celebrados na vigência do Decreto-Lei n.° 257/95, de 30 de Setembro. Mas no caso dos não habitacionais o arrendamento termina, regra geral, com a morte.

Com efeito, o n.° 2, do artigo 26.° do NRAU inserido nas normas transitórias do Capítulo I do Título II referente aos arrendamentos habitacionais celebrados na vigência do RAU e aos não habitacionais celebrados depois do D.L. n.° 257/95, de 30 de Setembro, manda aplicar à transmissão por morte o disposto nos artigos 57.° e 58.°, sendo que, por sua vez, o artigo 28.° inserido no Capítulo II do mesmo Título, referente aos contratos habitacionais anteriores ao RAU e não habitacionais anteriores ao D.L. n.° 257/95 de 30 de Setembro, manda aplicar aos contratos a que se refere este capítulo, com as devidas adaptações, o previsto no artigo 26.°.

O regime da transmissão por morte nos arrendamentos de pretérito fica, assim, repartido no artigo 57.° para os habitacionais e no artigo 58.° para os não habitacionais.

Ora, os artigos 57.° e 58.° do NRAU, que para facilidade de análise se transcrevem, espelham, relativamente ao regime do RAU, uma ténue dinâmica de libertação da situação de sujeição do locador, nos arrendamentos de pretérito.

Artigo 57.°

Transmissão por morte no arrendamento para habitação

1-O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:

a) Cônjuge com residência no locado;

b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado;

c) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;

d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.° ou 12.° ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;

e) Filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

2-Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente, filho ou enteado mais velho.

3-Quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há transmissão por morte entre eles.

4-A transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, nos termos dos números anteriores, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do n.° 1 ou nos termos do número anterior.

Artigo 58.°

Transmissão por morte no arrendamento para fins não habitacionais

1-O arrendamento para fins não habitacionais termina com a morte do arrendatário, salvo existindo sucessor que, há mais de três anos, explore, em comum com o arrendatário primitivo, estabelecimento a funcionar no local.

2-O sucessor com direito à transmissão comunica ao senhorio, nos três meses posteriores ao decesso, a vontade de continuar a exploração.

2. Com efeito, nos arrendamentos habitacionais, relativamente à classe de descendentes ou afins, que no regime do RAU constituíam a via para a tendencial perpetuidade do arrendamento, a lei restringe agora, no artigo 57.° do...

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