Mediação e Arbitragem de Conflitos de Consumo: panorama português

AutorCátia Marques Cebola
CargoDoutora em Direito Docente no Instituto Politécnico de Leiria
Páginas13-49
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RPDC, Junho de 2012, n.º 70
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
DE CONFLITOS DE CONSUMO:
PANORAMA PORTUGUÊS
“…olhar o direito de mais sítios
e de sítios improváveis do que se tornou habitual…”
António Manuel Hespanha
SUMÁRIO:
Introdução; 1. Conf‌l itos de consumo: características especí-
f‌i cas; i. Relação consumidor-agente económico; ii. Valor dos
litígios; iii. Especif‌i cidades das matérias de Direito de Consumo;
iv. Efeito réplica; v. Caráter transfronteiriço; 2. Políticas euro-
Cátia MARQUES CEBOLA
Doutora em Direito
Docente no Instituto Politécnico de Leiria
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peias em matéria de resolução extrajudicial de conf‌l itos de consu-
mo; 3. Os ADR em Portugal na área do consumo; 4. Os Centros de
Arbitragem de Conf‌l itos de Consumo em Portugal; 4.1. O papel do
mediador e do árbitro conciliador; 4.2. Enquadramento jurídico-
-procedimental e propostas de uniformização; i. Voluntariedade
e a arbitragem necessária; ii. Unilateralidade e a declaração
de adesão genérica; iii. Ef‌i cácia/ recurso; iv. Custos Árbitros e
juristas dos Centros de Arbitragem; Conclusão.
Introdução
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, recitava o poeta ao proclamar a mu-
dança como a tónica do mundo em que coexistimos e o motor da sua evolução. Todavia,
a existência de conf‌l itos, decorrentes das relações entretecidas no seio de qualquer so-
ciedade, mantem-se uma realidade incontornável em qualquer tempo histórico. Certo é
que os conf‌l itos vão assumindo diferentes tipologias e especif‌i cidades tendo em conta a
época ou o contexto em que emergem.
Nas atuais sociedades de consumo, a inerente litigiosidade assume características es-
pecíf‌i cas, reivindicando uma resposta apropriada às particulares exigências deste tipo de
demanda jurídica. O reduzido valor dos litígios de consumo, face às custas processuais
em vigor, as especif‌i cidades das matérias inerentes ao Direito do Consumo ou o seu
caráter transfronteiriço, no atual contexto de globalização da economia, constituem al-
guns dos fatores que evidenciaram as def‌i ciências do sistema judicial. Consequentemente
tornou-se premente a criação de meios extrajudiciais de resolução de conf‌l itos, de que
são exemplos a mediação ou a arbitragem, referidos genericamente pela expressão anglo-
-saxónica de ADR – Alternative Dispute Resolution (ou RAL, na designação portuguesa).
Não é, portanto, de estranhar que a história recente da resolução extrajudicial de
conf‌l itos na Europa e, de forma particular em Portugal, se tenha desenvolvido em gran-
de medida no âmbito do Direito do Consumo, alavancada no desenrolar da política de
defesa dos consumidores. O Livro Verde sobre o Acesso dos Consumidores à Justiça e a
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resolução dos litígios de consumo no mercado único de 1993 dava conta da existência
de “comissões de queixas dos consumidores”, instituídas desde os anos 1970 em paí-
ses como a Dinamarca, a Suécia e na Finlândia, para solucionar conf‌l itos de consumo
de forma simplif‌i cada. No Reino Unido ou na Irlanda foi estabelecida em determinados
setores económicos, como na banca ou nos seguros, a f‌i gura do “private Ombudsman”,
que mediava e dava resposta às queixas apresentadas pelos consumidores no âmbito dos
serviços abrangidos pelas suas competências. Portugal e Espanha enveredaram pela im-
plementação de tribunais arbitrais de conf‌l itos de consumo, especializados na resolução
deste tipo de litigiosidade.
Em causa não estará, em rigor, criar alternativas ou vias secundárias para reduzir a
procura judiciária e fazer face à incapacidade de resposta dos tribunais civis. Verdadeira-
mente procura-se implementar mecanismos que, assumindo cariz extrajudicial, são do-
tados de técnicos e peritos especializados em Direito do Consumo, capazes de prestar a
informação necessária aos consumidores e decidir de forma tecnicamente adequada os
conf‌l itos nesta sede, atendendo às especif‌i cidades que os caracterizam. Pretende-se, em
suma, concretizar de forma plena o direito à proteção jurídica e a uma justiça acessível
e pronta, tal como consagra o art. 3, al. g) da Lei de Defesa do Consumidor portuguesa
(Lei n.° 24/96, de 31 de julho).
Desta forma, iniciamos o presente trabalho analisando as particularidades da litigio-
sidade decorrente das relações de consumo, norteados pelo objetivo de def‌i nir qual a
importância de procedimentos especializados nesta área e as exigências a que devem
dar resposta, para garantir a reivindicada justiça célere e equitativa. Traçamos depois a
evolução das políticas europeias no âmbito da resolução extrajudicial de conf‌l itos de con-
sumo, f‌i xando os objetivos almejados nesta matéria a serem prosseguidos pelos Estados-
-membros. Seguidamente focamos a nossa atenção no panorama português, tentando-se
perceber de que forma os mecanismos extrajudiciais granjearam consagração no nosso
ordenamento jurídico. Terminamos o nosso périplo analisando o funcionamento dos
Centros de Arbitragem de Conf‌l itos de Consumo, apresentando propostas de uniformiza-
ção dos respetivos regulamentos, no sentido de potenciar a af‌i rmação de um verdadeiro
sistema arbitral de consumo em Portugal.

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