Fixação de Alimentos

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas217-242

Page 217

«Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício do poder paternal dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto poderá o juiz, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.»

Eis a redacção do n.º 7, do art. 1407.º do C.P.C..

A Etelvina Lanceolada Pateira no decorrer do processo de divórcio litigioso que intentou contra o marido Casimiro Gordinho Pateira, não requereu a fixação de um regime provisório de alimentos e nem, por seu turno, o juiz achou por bem fixá-lo.

Diga-se que se é relativamente usual uma das partes requerer durante a tramitação processual um regime provisório de alimentos, já é bastante raro que tal iniciativa provenha do juiz.

No caso, a autora não se socorreu daquela faculdade. Todavia, é um direito que lhe assiste, um efeito do divórcio que foi decretado, o pedir a condenação do, agora, ex-marido na prestação de alimentos.

Ora, socorrendo-se do disposto no art. 2016.º do C.C., a Etelvina Lanceolada Pateira fez entrar no Tribunal de Família do Porto uma petição inicial que vai em seguida, integralmente, transcrita:

Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Porto

Etelvina Lanceolada Pateira, divorciada, doméstica, residente no Pátio do Menino Vadio, nº 11, 4450 Matosinhos,

vem propor e fazer seguir

ACÇÃO DE ALIMENTOS DEFINITIVOS

contra o seu ex-marido

Casimiro Gordinho Pateira, divorciado, industrial, podendo ser citado na firma «Valentino & Pateira, Ldª», com sede no Lugar da Carrela, da fregue sia de S. Quiricalho, 4535 Paços de Brandão, Page 218

com base no seguinte:

A aqui peticionante contraiu matrimónio com o ora demandado em 27 de Janeiro de 1993 (vide doc. nº 1).

Tendo aquele sido dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 3 de Junho de 2004, no processo que sob o número 61/04, correu trâmites pela 2ª Secção, do 1º Juízo desse douto tribunal.

Na referida decisão, o ora réu foi julgado único e exclusivo culpado.

O que, aliás, é confirmado pelo documento que com o número 2, vai em nexo, aqui dado por inteiramente reproduzido.

De referir ainda que, antes de ser decretado o divórcio, autora e réu encontravam-se já separados de facto (vide doc. nº 2).

Sendo que, o réu remetia à autora, voluntariamente, a quantia mensal de euros 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), a título de alimentos.

Contudo, após a interposição da acção de divórcio a que supra se fez menção, o réu nunca mais enviou à autora qualquer quantia.

E a verdade é que a impetrante é doméstica.

Não tendo rendimento algum.

10º

Nem sendo possível vir a auferi-lo, com base em qualquer actividade profissional, atento que se encontra desempregada. Page 219

11º

E nem sendo aqui de se tomar em conta o facto de há algum tempo a esta parte ter recebido o que lhe competia nos depósitos bancários de que era titular o aqui réu, aquando da partilha de parte dos bens comuns do casal.

12º

Outrossim, é desafogada a situação económica do demandado, que é industrial e sócio de duas sociedades por quotas, auferindo o vencimento mensal de euros 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).

13º

O réu detém uma quota, no valor de euros 3.000,00 (três mil euros), na sociedade «Estrumani-Estrume Manipulado, Ldª» e,

outra, no valor de euros 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) na sociedade «Valentino & Pateira, Ldª» (vide docs. 3 e 4).

14º

De salientar que a autora enquanto viveu com o agora seu ex-marido, auferia de uma boa situação económica, assim como de determinado status social, que se manteve durante a separação de facto, atendendo ao montante que o aqui peticionado enviava à autora.

15º

O, esquematicamente, atrás narrado aponta para a necessidade de uma prestação alimentícia por parte do réu à aqui autora.

16º

Mais que, a sentença que decretou o divórcio, declarou o réu único e exclusivo culpado, conforme já supra se aludiu nos artigos 3º e 4º desta peça.

17º

Sendo, pois, a todos os títulos injusto que a situação criada pelo Casimiro Gordinho Pateira, resulte num desfavor para a ora peticionante.

18º

Assim, o réu deverá ser obrigado a contribuir com uma prestação alimentícia mensal à aqui autora, actuação, aliás, que vinha desenvolvendo nos anosPage 220 em que estiveram separados de facto e a que só pôs termo depois da interposição da acção de divórcio.

19º

Ora, há que ter em conta que as condições económicas do réu, não sofre ram qualquer alteração que justifique a sua actual posição.

20º

Mas, a autora continua a carecer de prestação alimentícia, não só para fazer face às suas despesas normais de subsistência, como também para satisfazer as despesas inerentes ao estilo de vida a que estava habituada.

21º

Na verdade, não será agora que se pode exigir à aqui demandante que se habitue agora a comungar de um estilo de vida espartano, a que nunca teve que se sujeitar.

22º

Tudo visto, considerando as possibilidades do réu e as prementes necessidades da autora, pede esta que aquele seja obrigado a contribuir com uma prestação mensal a seu favor na importância de euros 450,00 (quatrocentos e cinco euros).

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exª, deve a presente acção ser recebida e o réu condenado a pagar à autora a quantia mensal de euros 450,00(quatrocentos e cinquenta e seis euros), a título de prestação alimentícia.

Valor: euros 27.000,00 (vinte e sete mil euros).

Junta: 4 documentos, procuração e duplicados legais.

Vão: cópia dos documentos e comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário (cfr. nº 1, art. 150º-A e nº 3, art. 467º C.P.C.).

O Advogado,

Contr. nº ...

Cód. nº ...,

Page 221

Pois é: a Etelvina Lanceolada Pateira agora já divorciada vem-se socorrer no n.º 1, al. a), do art. 2016.º do C.C. para requerer alimentos a seu ex-marido.

É este um dos grandes efeitos do divórcio: o direito à concessão de prestação alimentícia.

Já iremos ao estudo de outros efeitos.

Por ora, vamos apreciar o enunciado neste I capítulo, da IV parte do presente trabalho.

E, nada melhor do que reproduzir do Código Civil o

«Artigo 2016.º (Divórcio e separação judicial de pessoas e bens)

1. Têm direito a alimentos, em caso de divórcio:

a) O cônjuge não considerado culpado ou, quando haja culpa de ambos, não considerado principal culpado na sentença de divórcio, se este tiver sido decretado com fundamento no artigo 1779.º ou nas alíneas a) ou b) do artigo 1781.º;

b) O cônjuge réu, se o divórcio tiver sido decretado com fundamento na alínea c) do artigo 1781.º;

c) Qualquer dos cônjuges, se o divórcio tiver sido decretado por mútuo consentimento ou se, tratando-se de divórcio litigioso, ambos forem considerados igualmente culpados.

2. Excepcionalmente, pode o tribunal, por motivos de equidade, conceder alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito, nos termos do número anterior, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge à economia do casal.

3. Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação dos filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.

4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.»

Aqui está a obrigação de alimentos a funcionar como uma autêntica indemnização pela ruptura da sociedade conjugal, da comunidade defraudada.Page 222

E, assim, aqui poderão caber não apenas o que se deixa de auferir, mas ainda o que se deixa de ganhar.

Indemnização também a título de compensação pelo trabalho prestado à economia do casal, quando não foi objecto de remuneração específica.

Não, pois, qualquer ideia a aflorar no normativo acima transcrito, de indemnização moral.

Para esta teremos que nos socorrer do disposto no n.º 1, do art. 1792.º do C.C., segundo o qual «o cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea c) do artigo 1781.º devem reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.»

E, contrariamente, ao que sucede no caso de alimentos, este pedido de indemnização, deve ser deduzido na própria acção de divórcio.

Repare-se que a culpa está relacionada com o direito de alimentos, mas tão-só na medida em que está excluído desse direito o cônjuge único ou principal culpado.

O direito a alimentos e a obrigação de os prestar derivam do casamento, sendo em homenagem a este que perduram para além do desaparecimento do vínculo conjugal.

Na fixação de alimentos devem tomar-se em conta as circunstâncias referidas no n.º 3, do art. 2016.º do C.C., 243 devendo tomar-se em atenção que devem assegurar o nível de vida económico e social a que o necessitado se fez juz como cônjuge. 244

Despiciendo não será esclarecer o que se entende por alimentos: tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.

Verdade sendo que o vocábulo «sustento», utilizado na noção de alimentos vertida no n.º 1, do art. 2003.º do C.C., não significa apenas a alimentação, mas também tudo o que é preciso para viver, sem excluir as despesas inerentes a tratamentos clínicos e medicamentos.

Qual dos ex-cônjuges tem direito a alimentos?

Se o divórcio é por mútuo consentimento, qualquer um pode exigi-los 245 e, então, a respectiva atribuição reger-se-á pelo inserto no art. 2004.º do C.C.: «os alimentos serão...

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