Actos Processuais Especiais

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas215-263

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Distribuição

Lendo isoladamente o art. 289.º do C.P.C. colher-se-á a impressão que o acto da distribuição visaria a repartição igualitária do serviço entrado na secretaria pelas diversas secções, varas ou juízos.

E, consequentemente, pelos respectivos magistrados.

Seja, pois: uma mera e única preocupação quantitativa.

Que não qualitativa ou de outra índole.

O que, porém, não é inteiramente verdade.

Já que com a distribuição se quer ainda garantir a aleatoriedade na determinação do juiz do processo.

Pode até indagar-se da razão da não eleição desta finalidade como prima donna, com lugar de destaque no acima indicado dispositivo.

Uma vez que este objectivo é relegado para um outro normativo – o art. 209.º-A – inserido a desoras, intruso na sequência numerativa do Código.

A resposta – pensamos não desvirtuadora da ratio do legislador – poderá ser a da não necessidade, quiçá da perversidade de tamanha inserção como figura de tôpo.

A imparcialidade, a intangibilidade, como paradigmas intrínsecos ao exercício da magistratura, nem em fugaz inclusão deve ser objecto de dúvidas.

Tendo a lei panaceia para os desvios, a tão sacrossanta regra, porquê a chamada, mesmo que franjularmente?

Nesta perspectiva – já concluiu o leitor – no C.P.C. apenas o elemento material deveria constar como justificativo da distribuição.

Seja como for, com esta ou aquela das intenções, quando não ambas, insofismável é tratar-se de acto processual especial.

Com regras que infra detalharemos.

E sendo-o, que consequências quando falte ou quando irregular?

Fossem as mesmas dos actos processuais em geral e colmatariamos apelando ao número antecedente deste trabalho.

Só que não são.

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A falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum acto do processo.408

Embora a lei adjectiva aponte modo de suprimento.

Assim:

– a falta ou irregularidade409 poderá ser suprida até à decisão final;

ex officio ou por reclamação de qualquer interessado;

– a falta ou irregularidade não anula qualquer dos actos já praticados no processo.

Decompondo:

• após ser proferida a sentença,410 a falta, a irregularidade ou erro na distribuição fica irrelevante, pois não se lhe confere importância para a anulação da decisão final, o que aconteceria caso não operasse o suprimento;

• oficiosamente, a entender-se como resultante de actuação do tribunal, em concreto, do juiz ou juízes intervenientes;

• interessado, será, desde logo e naturalmente, a(s) parte(s) e, depois, os próprios funcionários do tribunal.411

Resulta do vazado linhas a montante em conjunção com comentário de pé-de-página, a equiparação, quanto a efeitos, da falta, da irregularidade e do erro na distribuição.

É mesmo.

Mas, ainda assim, distinguiriamos este, daquela.412

Os arts. 222.º, 224.º e 225.º do C.P.C. dão-nos conta das várias espécies que se formam para efeitos de distribuição.

Pois bem, quando o processo é distribuído em espécie diferente da que lhe devia caber, ocorre um erro na distribuição.413

Podendo ainda acontecer quando a distribuição, tendo sido acertada, factos ulteriores414 determinaram diverso posicionamento na espécie.

Caso, por exemplo, de ter vingado impugnação de valor da causa com directo reflexo na forma do processo comum.415

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Sem estremecer a linha comum de efeitos supra apontada, o erro na distribuição, numa ou noutra das nuances mencionadas, pode ser corrigido deste modo:

  1. quando afecte a designação do juiz, nas comarcas em que haja mais do que um, promove-se nova distribuição;

  2. nos demais casos, o processo continua a correr na mesma secção, carregando-se na espécie competente e descarregando-se da espécie em que estava.416

Isto, pois, quanto ao erro.

Já a irregularidade englobará todas as infracções das regras relativas à distribuição não aceites pelo erro de espécie.

Pede-se um exemplo?

Procedeu-se à distribuição.

O papel foi atribuído na espécie em que o deveria.

Tudo, pois, correcto.

Mas, só aparentemente.

Nenhum acto processual pode ser admitido à distribuição sem que contenha todos os requi-sitos externos exigidos por lei.417

A verificação disto é efectuada através de meios electrónicos, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1, do art. 138.º-A do C.P.C..418

Porém, por deficiente introdução de dados no sistema, a verificação claudicou.

Eis, então, uma irregularidade.419

Antes de nos alongarmos pelo formalismo da distribuição e uma vez nos termos servido de exemplo linhas acima, expurguemos o condicionalismo necessário à distribuição.

Referimos que nenhum acto processual420 é admitido à distribuição quando não contenha todos os requisitos externos exigidos por lei.

Foi discutido, quer no domínio do C.P.C. de 1939, quer já no do C.P.C. de 1961, o que devia entender-se por “requisitos externos exigidos por lei” (vejam-se Alberto dos Reis, Comentário, II, ps. 546-550, Castro Mendes, DPC, II, ps. 478-479 e 482-483, e Antunes Varela, Manual, ps. 254-255). A questão ficou expressamente resolvida com aPage 220 nova redacção do art. 474, que contém a enumeração taxativa dos fundamentos de recusa do recebimento da petição inicial pela secretaria, com reclamação para o juiz (art. 475.º-1), independentemente de haver ou não posteriormente lugar a despacho liminar (arts. 234.º-4 e 234.º-A-1), pois este regime é aplicável, com as necessárias adaptações, a qualquer outro papel que seja apresentado na secretaria para distribuição (ou averbamento), como resulta da redacção do art. 476.º (“recusa de recebimento ou de distribuição de petição”).

O acto de recusa da distribuição perdeu assim, na generalidade dos casos, autonomia e só se o distribuidor entender ter sido recebido, sem ser por via da reclamação do art. 475.º-1, um papel que devia ter sido recusado é que há lugar à aplicação do n.º 2 (visto que o acto de recebimento da secretaria não constitui, obviamente, caso julgado), decidindo então o juiz, ainda com base no disposto no art. 474.º

.421

E ainda não nos debruçaremos sobre o formalismo da distribuição.

Porque antes, porventura, com uma certa lógica, será de apontar os actos que não dependem de distribuição.422

E, portanto, arredados do formalismo da mesma, obviamente.

Isto é: vamos referir uma série de actos praticáveis independentemente de distribuição.

Que são:

Notificações avulsas

Actos preparatórios

Procedimentos cautelares

Diligências urgentes.

A coup de fusil:

As notificações avulsas,423 dependem de despacho prévio que as ordene e são feitas pelo solicitador de execução, designado para o efeito pelo requerente ou pela secretaria, ou por funcionário de justiça,424 na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado e cópia dos documentos que o acompanhem.

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Os actos preparatórios425 encontram-se especialmente previstos em certo e determinado tipo de acções.

Por exemplo, o caso da suspensão do titular de órgão social426 ou a abertura de testamento cerrado deixado pelo ausente.427

Os procedimentos cautelares428 visam evitar que a providência judiciária correspondente a uma acção resulte ineficaz ou inoperante; para tanto, traduzem-se no preanúncio e antecipação provisória dos previsíveis efeitos próprios dessa outra providência definitiva ou pelo menos de alguns deles.

Diligências urgentes feitas antes de começar a causa ou antes da citação do réu.

Por exemplo a citação urgente429 precedendo a distribuição quando, não devendo efectuar-se editalmente, o autor o requeira e o juiz considere justificada a pretensão, atentos os motivos avançados.

Ou ainda a produção antecipada de prova.430

Sempre que haja justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de arbitramento ou inspecção, pode o depoimento, o arbitramento ou a inspecção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a acção.431

Comummente a todos os actos acabados de mencionar (notificações avulsas, actos preparatórios, providências cautelares e diligências urgentes) subjaz uma razão: ultrapassar a morosidade que a distribuição lhe traria.432

De notar: a não distribuição não aniquila uma outra formalidade – o averbamento por escala para, ainda assim, se pugnar, quão possível, por uma divisão equitativa do serviço.

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Agora, sim, vem ao papel o formalismo da distribuição.

Que se visa com a distribuição?

• repartir c/ igualdade o serviço do tribunal

• designar:

-secção

-vara

-juízo

-juiz-relator

A falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum acto do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida, oficiosamente, até à decisão final.

As divergências que se suscitem entre juízes da mesma comarca sobre a designação do juízo ou vara em que o processo há-de correr são resolvidas pelo presidente da Relação do respectivo distrito.433

Faltará dizer:

há ainda quem veja na distribuição uma outra finalidade – suscitar o conhecimento prévio de qual o juiz encarregado de presidir à instrução e julgamento da causa.

Distribuição

• classificação

•• numeração

••• sorteio

A distribuição que envolve estas três operações é feita diariamente e de forma automática através do sistema informático.434

Este assegura a distribuição automática 2 vezes por dia, às 9 e às 13 horas.

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Vamos às operações:

• classificação

Nesta operação integrativa da distribuição, determina-se a espécie a que pertencem as petições entradas.

As espécies na distribuição são as enumeradas no art. 222.º do C.P.C..

E, é mesmo.

As três primeiras espécies

- acções de processo ordinário

- « « « sumário

- « « « sumaríssimo

integram as formas de processo comum.

A quarta espécie compreende acções de processo especial, ainda que algumas, por mais frequentes, ganhem autonomia, como é o caso, da quinta (divórcio e separação litigiosos), da oitava (inventários) e da nona (processos...

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