Acórdão nº PROC. Nº 5/15.7T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07-06-2016
Data de Julgamento | 07 Junho 2016 |
Número Acordão | PROC. Nº 5/15.7T9STB.E1 |
Ano | 2016 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório:
Nestes autos de Inquérito que corre termos nos serviços do Ministério Público de Setúbal, por decisão instrutória lavrada a 17 de Novembro de 2015, a Mmª. Juíza do Tribunal Judicial lavrou despacho a rejeitar a acusação deduzida pelo MP relativamente a um crime de abuso de poder, p. e p. pelos artigos 382º e 386º, nº 1, al. a) do Código Penal imputado ao arguido AA.
*
Inconformado com aquela decisão a Digna Procuradora da República interpôs o presente recurso, pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido, substituindo-o por outro que pronuncie o arguido, com as seguintes conclusões:
1ª O Ministério Público acusou o arguido AA da prática de um crime de abuso de poder, previsto nos arts. 382º e 386º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência ao art. 66º, n.º 1 e n.º 2, al. b) do Estatuto dos Funcionários de Justiça (DL n.º 343/99, de 26/8) e ao art. 73º, n.º 2, al. g) e n.º 9 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/14, de 20/6);
2ª Sucintamente e como resulta da acusação, porquanto o arguido, Técnico de Justiça Principal do DIAP, violou os deveres de lealdade e de contribuição para o serviço, inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si, benefício ilegítimo,
3ª A decisão instrutória deu por indiciados todos os factos que integram o tipo objetivo de ilícito em causa;
4ª Ao invés, a decisão sob recurso deu por não indiciados todos os factos que integram o tipo subjetivo do referido ilícito;
5ª Quer na sua vertente genérica, quer na sua vertente específica;
6º Os factos dados como indiciados na decisão instrutória – narrados na íntegra na fundamentação deste recurso – apontam para o seguinte circunstancialismo:
7ª À data dos factos, 8.12.14, e desde o Verão, decorriam obras de remodelação no Palácio de Justiça, as quais incluíam demolições e reconstruções,
8ª Os utentes do Palácio de Justiça, magistrados, funcionários, advogados, agentes policiais, intervenientes processuais e cidadãos em geral conviviam diariamente com ruído no Palácio de Justiça, muitas vezes de enormíssimo volume, dadas as operações de demolição e de reconstrução,
9ª O ruído pôs em causa as diligências, os telefonemas de serviço, as meras conversas de serviço e, por outro lado, a concentração de quem se dedicava ao serviço, como é normal numa situação de obras, tudo isto diariamente,
10ª Sendo o Ministério da Justiça o dono da obra e não o Tribunal, a ninguém seria permitido mandar parar os trabalhos, sobretudo por causa do ruído, decorrência natural de qualquer obra;
11ª Fosse quem fosse que se dirigisse aos trabalhadores do empreiteiro para mandar parar os trabalhos, estaria a agir fora do que lhe é permitido socialmente e, no caso de um magistrado ou de um funcionário, do que lhe é permitido pelos seus deveres estatutários e legais,
12ª Decorrendo algumas diligências sob a obrigação legal de gravação, foi naturalmente acordado com o empreiteiro que nessas situações, e apenas nessas, se solicitaria – durante a sua duração – a suspensão dos trabalhos que pusessem em causa a sua qualidade,
13ª Há uma concreta localização dos factos no círculo dos poderes de facto decorrentes da funções desempenhada pelo arguido: não fosse o arguido reconhecido como funcionário do Tribunal e por certo que o encarregado da obra não mandaria parar os trabalhos, como o arguido lhe solicitou que fizesse;
14ª A falta de indiciação dos factos integradores do tipo subjetivo de ilícito basearam-se, essencialmente, nas declarações do arguido e na credibilidade que lhes foi dada, em contraponto com a dos restantes meios de prova;
15ª Sendo certo que a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal ouviu de viva voz o arguido e nenhuma outra testemunha;
16ª Aliás, no que diz respeito às declarações da Secretária de Justiça obtidas no processo de averiguações levado a cabo pelo Conselho de Gestão da Comarca – testemunha indicada na acusação – a decisão instrutória descurou, mais uma vez devido à credibilidade que conferiu às declarações do arguido, que a mesma referiu que, em momento anterior aos factos aqui em causa, o funcionário AA já se havia dirigido à declarante informando que estava muito barulho na secção e que o mesmo perturbava o serviço, ao que a declarante lhe respondeu que a obra só era parada por motivo de diligências, nomeadamente gravadas;
17ª Foi também conferida pouca relevância – dada a credibilidade conferida às declarações do arguido – ao depoimento da testemunha BB, Segurança-Porteiro do Palácio,
18ª Esta testemunha depôs em fase de inquérito que o encarregado da obra lhe pediu que transmitisse ao arguido para lhe dizer assim que pudesse recomeçar a obra, transmissão que a testemunha realizou; mais depôs que o encarregado da obra lhe chegou a perguntar, a ele Segurança-Porteiro, se o arguido já havia dito que se podia recomeçar a obra, ao que o Segurança-Portiero lhe respondeu que a si nada lhe havia dito (conforme gravação CITIUS deste depoimento, no dia 24.3.15, de 2m40s a 4m20s);
19ª Ora o depoimento é relevante e muito, uma vez que a decisão instrutória várias vezes se louva no facto de o encarregado de obra não ter assegurado, no aludido processo de averiguações, que o arguido o ouviu dirigir-lhe solicitação para que fosse informado assim que a obra pudesse recomeçar;
20ª Baseou-se também a decisão instrutória numa mensagem de correio eletrónico enviada pelo Conselho de Gestão da Comarca a todos os Magistrados e Funcionários do Palácio de Justiça, no dia 28.1.15, ou seja, em momento posterior ao dos factos aqui em causa;
21ª Como corroborando o desconhecimento dos elementos de facto e de direito do tipo de crime que o arguido alega;
22ª Basta transcrever o 1§ dessa comunicação para se concluir, em nosso entender, que assim não é: “Para que a obra em curso no Palácio da Justiça, possa decorrer no mais curto prazo e com o menor inconveniente possíveis, faz-se constar, formalmente agora, que as solicitações a transmitir naquele sentido aos encarregados ou fiscais da obra, apenas serão veiculadas pela Srª Secretária de Justiça ou por quem esta designar” – sublinhado nosso.
23ª Assim, apesar de se ter dado com indiciado o circunstancialismo objetivo da acusação, pôs-se em causa que o arguido, Técnico de Justiça Principal da 2ª Secção do DIAP, que funciona no Palácio de Justiça, conhecesse este circunstancialismo;
24ª Admitiu-se como plausível que o arguido, precisamente num dia de turno feriado, em que os seus superiores hierárquicos não estavam no Palácio de Justiça, tivesse agido em conformidade com o que se admitiu que desconhecia, e não num outro qualquer dia útil de qualquer outra semana em que esteve ao serviço, durante a realização da obra;
25ª Admitiu-se como plausível que o arguido, no único dia em que esteve ao serviço sem a presença dos seus superiores hierárquicos, tenha, pela primeira vez, sentido o ruído da obra e que esse ruído não o tenha deixado fazer um telefonema ou falar com os colegas;
26ª Pergunta-se se nos restantes e anteriores dias de duração da obra não teve o arguido de fazer telefonemas e de falar com os colegas, que nesse serviço não tenha sido perturbado pelo ruído da obra e que fosse, à mercê do seu desconhecimento, pedido para as obras pararem e percebido então, muito antes do dia de turno em causa na acusação, que não o podia fazer;
27ª Portanto, a credibilidade dada às declarações do arguido, recebidas com imediatismo na fase de instrução, a desconsideração da valia e credibilidade das restantes testemunhas, e uma leitura que consideramos menos acertada da comunicação eletrónica do Conselho de Gestão da Comarca de 28.1.15., levaram a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal a considerar mais provável a absolvição do que a condenação do arguido;
28ª Ora, prevendo a lei processual penal que é no julgamento que se avalia, em contraditório pleno e com imediatismo todos os meios de prova à disposição nos autos, a probabilidade de condenação existe e é razoável, com fundamento nos meios de prova indicados na acusação e em regras de experiência de comum que sobre todos deitarão luz.
29ª A Meritíssima Juiz de Instrução Criminal errou juridicamente ao conferir credibilidade plena às declarações do arguido, em moldes que arrasaram a credibilidade e a valia dos restantes meios de prova, assim violando o disposto nos arts. 308º, n.º 1 e n.º 2 e 283º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
30ª Conclui-se, derradeiramente, pela indiciação suficiente dos factos constantes da acusação e da probabilidade razoável de, com base neles, vir o arguido a ser condenado.
Termos em que se requer que a decisão de não pronúncia seja substituída por outra que pronuncie o arguido nos exatos termos da acusação.
*
O arguido apresentou resposta defendendo o decidido, com as seguintes conclusões:
1. O Recurso interposto pela Distinta Representante do Ministério Público não merece provimento.
2. A Decisão Instrutória prolatada pela Senhora Juiz de Instrução Criminal é irrepreensível e insusceptível de qualquer juízo de censura no Ordenamento Jurídico Português por não haver, em parte alguma do seu Douto teor, descurado ou violado nenhuma Norma, Principio ou Dever a que se encontrasse submetida enquanto Juiz de Instrução Criminal.
3. A conduta do Arguido AA naquela circunstância de tempo, modo e lugar foi axiologicamente positiva, conforme decorre, além de toda a Prova constante dos Autos, das suas Declarações em sede de Inquérito e Instrução e do teor do seu Requerimento de Abertura de Instrução, acervo probatório, para onde remete a Douta apreciação dos Venerandos Desembargadores.
4. Com efeito, o Dever de Lealdade consiste, única e exclusivamente, na obrigação de desempenhar as suas funções com subordinação aos objectivos do órgão e serviço, sendo certo que na dimensão pública deste Dever...
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