Acórdão nº 999/08.9TBVLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 07-09-2010

Data de Julgamento07 Setembro 2010
Número Acordão999/08.9TBVLG.P1
Ano2010
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 999/08.9TBVLG.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira
Desembargador Marques de Castilho.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
RELATÓRIO
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Recorrente: B………. (autor).
Recorrido: Estado Português (réu).

Tribunal Judicial de Valongo (.º Juízo).
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B………. intentou a presente acção declarativa com processo sumário pedindo a condenação do Estado Português a pagar-lhe a quantia a quantia de 2.000,00€ a título de danos patrimoniais, acrescida do montante a liquidar em execução em sentença e a quantia de 25.000,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, fundando a sua pretensão na responsabilidade extracontratual do Estado por actos da função jurisdicional – designadamente pelo facto de em processo criminal pendente contra cidadão com nome idêntico ao seu terem sido emitidos mandados de detenção para prestação de termo de identidade e residência, dos quais constava a sua morada (apesar de os elementos de identificação não serem coincidentes com os seus), acabando o demandante por prestar termo de identidade e residência no âmbito do referido processo.

O réu contestou, alegando ter sido o autor quem, voluntariamente, acedeu a prestar termo de identidade e residência, apesar de ter consciência que os mandados não visavam a sua pessoa. Conclui pela não verificação dos pressupostos da responsabilidade por facto da função jurisdicional e, assim, pela improcedência da acção.

Proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, foi organizado o despacho sobre a base instrutória e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido.

Inconformado com o decidido, apelou o autor, pretendendo a revogação da decisão e sua substituição por outra que condene o réu, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A- Provada que se encontra a matéria fundamento do pedido formulado pelo autor recorrente,
B- Verificado que se encontra o cometimento de erro por parte do réu,
C- Verificado também se encontra que o erro cometido é grosseiro porquanto o mesmo sai dos limites do aceitável, e sai da previsão comum que se espera de um juiz normal com uma preparação e cuidados médios,
D- Verificado que se encontra que o nexo de causalidade entre o facto ilícito cometido e a produção dos danos verificados,
E- Deve ser o réu recorrido condenado ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado,
F- Devendo na sequência ser a decisão ora recorrida revogada por ter violado o disposto nos arts. 22º, 225º, nº 2 da CRP, art. 14º da Lei 67/2007 e arts. 2º e 9º do DL 48.051.
G- Na verdade, a decisão ora recorrida fez deficiente interpretação, integração e subsunção dos factos às normas jurídicas ora referidas.
H- Porquanto, apesar de provados os factos e devidamente subsumidos, na integração dos factos e sua interpretação a decisão recorrida não faz a devida interpretação e subsunção do conceito de erro grosseiro, o que não se concebe.
I - Pelo que deve ser revogada, e ser considerado que o erro cometido pelo réu é grosseiro, causa adequada à produção dos danos na esfera jurídica do autor recorrente pelo que deve ser o réu condenando pela pratica de factos ilícitos ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, nos termos da Lei em vigor.

Contra-alegou o apelado, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção do decidido.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Delimitação do objecto do recurso – questões a apreciar.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º e 685º-A, nº 1, todos do C.P.C. – na versão resultante das alterações introduzidas neste diploma pelo DL 303/2007, de 24/08), as questões trazidas à apreciação consistem em apreciar se se verificam todos os pressupostos para se concluir pela existência da obrigação de indemnizar (com fundamento na responsabilidade civil ou patrimonial do Estado por facto da função jurisdicional) e, em caso afirmativo, do respectivo montante (medida).
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1º- Correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira o processo n.º 13/91.1TBPFR, o qual teve início com uma participação apresentada contra B………., residente em ………., ………., Paredes.
2º- No âmbito do processo identificado no anterior facto foi deduzida acusação em 15/09/92, contra B………., casado, comerciante, nascido a 23/09/46, filho de C………. e pai incógnito, natural e residente em ………., ………., Paredes.
3º- Em 15/05/98 o tribunal, no âmbito do processo acima identificado, verificada a impossibilidade de notificação pessoal do arguido para as datas designadas para a audiência de julgamento, declarou o arguido B………., casado, comerciante, nascido em 23/09/46, filho de C………. e pai incógnito, natural e residente em ………., ………., Paredes, contumaz.
4º- Em 15/02/99 e na sequência da declaração de contumácia supra aludida, são emitidos mandados de detenção à GNR de Paredes e ao SEF, tendo em vista a prestação de TIR, mandados esses emitidos em nome de B………., casado, nascido em 23/09/46, filho de C………., titular do BI nº ……./4, residente em ………., ………., Paredes.
5º- Por não se ter logrado o seu cumprimento, foram efectuadas pesquisas nas bases de dados, tendo-se apurado o nome de B………., com residência na Rua ………., nº …, .º traseiras, Valongo e com residência em ………., Paços de Ferreira, tendo sido emitidos mandados de detenção tendo como sujeito B………., casado, comerciante, nascido em 23/09/46, filho de C………. e pai incógnito, residente em ………., ………., Paredes;
6º- Por oficio datado de 13/10/2003, a PSP - Comando Metropolitano do Porto, informou os autos em causa que não procedeu a prestação de Termo de Identidade e Residência de B………., com residência na Rua ………., nº …, .º traseiras, Valongo, em virtude da filiação constante do mandado não ser a mesma, conforme fotocopia do BI, que junta, ao que o Tribunal respondeu não interessar o cumprimento dos mandados em causa, por a pessoa indicada não ser o arguido nos autos.
7º- Em 29/09/2004 foram emitidos novos mandados de detenção em nome de B………., casado, comerciante, nascido em 23/09/46, filho de C………. e pai incógnito, natural de ………., ………., Paredes, dos mesmos constando como morada a Rua ………. nº …, .º traseiras, Valongo;
8º- Em 27 de Janeiro de 2005, a PSP de Valongo interceptou o autor, certificando que ‘tendo o mesmo declarado ser o próprio, mas que a data de nascimento, filiação, naturalidade, e número de BI não corresponde à sua, tendo-se exibido o seu bilhete de identidade, cuja fotocópia junto, acompanhada do Termo de Identidade e Residência que o mesmo prestou voluntariamente, motivo pelo qual não procedi à detenção do mesmo’.
9º- O autor nas circunstâncias aludidas no anterior facto acedeu em prestar Termo de Identidade e Residência, tendo esclarecido que não era obrigado a tal.
10º- Em 16/02/2005 e, na sequência da prestação do Termo de Identidade e Residência, foi declarada cessada a contumácia, solicitada a devolução dos mandados pendentes e designado o dia 30 de Março de 2005, pelas 14 horas, para a realização da audiência de julgamento;
11º- Por despacho proferido em 07/03/2005, proferido no âmbito do mesmo processo, o Tribunal considerou nulo e de nenhum efeito o termo de identidade e residência prestado e aludido nos anteriores factos 8º e 9º, bem como todos os actos praticados após o referido termo, por considerar que foi tornado termo de identidade e residência a pessoa que, apesar de coincidência de nomes, não corresponde ao arguido nos autos.
12º- O autor, no momento aludido no anterior facto 8º, sentiu-se incomodado, envergonhado e constrangido com a presença da polícia;
13º- Não era a primeira vez que era interceptado e conduzido a esquadra por aquele motivo, razão pela qual actuou da forma descrita no anterior facto 9º;
14º- O autor na sequência de tais acontecimentos dirigiu-se ao Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, para saber o que se passava;
15º- Não tendo sido elucidado nem diligenciado pelo Tribunal o esclarecimento das suas duvidas;
16º- Em virtude dos factos descritos o autor teve de procurar aconselhamento e acompanhamento jurídico, tendo gasto para o efeito honorários com advogados, de valores não apurados;
17º- Deslocou-se seis vezes ao Tribunal Judicial de Paços de Ferreira para o esclarecimento da questão, tendo despendido quantia não apurada nessas deslocações.
18º- Deslocou-se aos escritórios de advogados que contactou, sendo que um deles era de Coimbra, tendo gasto quantias não apuradas.
19º- Existiu divulgação na comunicação social.
20º- Na sequência da intercepção do autor pela PSP de Valongo, em sua casa, o autor sentiu vergonha, constrangimento e tristeza;
21º- Sendo conhecido no meio onde vive e bem reputado.
22º- A situação descrita tirou ao autor horas de sono e dias de trabalho;
23º- Passou a viver num clima de constante constrangimento, sentindo-se envergonhado.
24º- Tinha receio de socializar com as pessoas que o rodeavam pela vergonha do que lhe estava a acontecer.
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Nos termos dos artigos 713º, nº 2 e 659º, nº 3 do C.P.C., importa ainda considerar facto alegado pelo autor na sua petição (artigos 24º e 25º) e provado documentalmente, considerando o teor da certidão extraída do processo comum nº 13/91.1TBPFR (cfr. fls. 48 e seguintes dos autos, designadamente a fls. 357 e 361 destes autos).
Tendo tal matéria sido alegada pelo autor e estando plenamente provada por documento, tem a Relação o dever de, oficiosamente, a tomar em consideração na fundamentação do acórdão[1].
Assim, importa considerar provado:
- o autor foi notificado, na qualidade de arguido, da diligência de julgamento agendada para o dia 30 de Março de
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