Acórdão nº 996/04.3JAPRT-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 11-10-2023

Data de Julgamento11 Outubro 2023
Case OutcomeIMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Classe processualHABEAS CORPUS
Número Acordão996/04.3JAPRT-B.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O arguido AA, em cumprimento de pena no Estabelecimento de ..., veio interpor, por intermédio da sua ilustre advogada, a presente providência de Habeas corpus, nos termos do disposto nos arts. 222.º n.º 2 c) e 223.º, do C.P.P., com os seguintes fundamentos (Transcrição):

1. O ora peticionante encontra-se a cumprir pena de prisão, em cúmulo jurídico, de 16 anos e 4 meses no Estabelecimento Prisional de ....

2. O cúmulo referido em 1, diz respeito ao processo 996/04.3JAPRT e englobou penas dos processos: 45/04.1...; 2782/05.4...; 344/04.2...; 7826/04.4...; 71/04.0... e 1073/01.4...

3. Vejamos:

PROCESSO DATA PRÁTICA CRIME PENA
996/04.3JAPRT 26/04/04

(TJ – 15/12/2008)

Roubo (210.º, nº1 CP) 2 anos (abrangido pela Lei 38-A/2023)
45/04.1... Abril 2004

TJ 16/06/08

Vários crimes não abrangidos pela Lei 38-A/2023

E

1 roubo simples, na forma tentada, p.e p. 22º, 23º, 210º nº1 CP

1 crime de detenção de arma de caça p. e p. 6º nº1 do DL 22797

1 ano e 6 meses (abrangido pela Lei 38-A/2023)

1 ano de prisão (abrangido pela Lei 38-A/2023)

2782/05.4... 28/11/2005

TJ 31/07/2007

1 crime de Falsidade de testemunho p. e p. 360º nº1 e 3 CP 5 meses de prisão (abrangido pela Lei 38-A/2023)
344/04.2... 25/03/04

TJ 25/05/2007

1 furto simples p. e p. 203º nº1 CP 10 meses de prisão (abrangido pela Lei 38-A/2023)
7826/04.4... 13/10/2004

TJ 23/03/06

1 crime de Falsidade de testemunho p.e p. 360º nº 2CP 8 meses de prisão (declarada extinta pelo cumprimento- 13/06/2007)
71/04.0... 02/02/06

TJ-18/01/2007

CRIME DE EVASÃO- Não abrangido pela Lei 38-A/2023
1073/01.4... 11/09/2001

TJ-05/12/2006

Crime de roubo

Não abrangido pela Lei

38-A/2023

4. Estes processos que supra se indicaram dizem respeito ao cometimento de crimes de:

- 8 crimes de roubo agravado;

- 5 crimes de roubo;

- 1 roubo na forma tentada;

- 2 furtos qualificados;

- 1 crime de furto simples;

- 2 crimes de falsidade de testemunho;

- 1 crime de violência depois da subtracção;

- 1 crime de detenção ilegal de arma de caça;

- 1 crime de evasão

5. Em cúmulo Jurídico foi aplicada ao arguido a pena de 16 anos e 4 meses de prisão.

6. O peticionante atinge os cinco sextos da pena em 08/04/2024, pelo que, nesta altura sairá em liberdade condicional, para o qual já deu o seu consentimento.

7. Com a publicação da Lei 38-A/2023, de 02.08, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, foi oficiosamente apreciada a situação do arguido, aqui peticionante e decidido, por despacho datado de 02/10/2023 que:

“ AA nascido a .../04/1985 foi condenado nestes autos, por decisão transitada em julgado, na pena única de 16anos e 4meses de prisão, à ordem do processo nº 996/04.3JAPRT (que englobou as penas dos processos nºs 45/04.1..., 2782/05.4..., 344/04.2..., 7826/04.4..., 71/04.0...e 1073/01.4...), pela prática de 8 crimes de roubo agravado, 5 de roubo, 1 de roubo na forma tentada, 2 de furto qualificado, 1 de furto, 2 de falsidade de testemunho.1 de violência depois da subtração, 1 de detenção ilegal de arma de caça e 1 de evasão.

Em 1 de Setembro de 2023, entrou em vigor a Lei n.º 38-A/2023, de 02.08 que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações aplicável aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, desde que não excluídos pelo catálogo previsto no art.7º do referido diploma, a penas de prisão até 8 anos.

Nos termos do n.º 4, do art.º 3º da mencionada lei, o perdão incide sobre a pena única.

Do exposto resulta excluída a aplicação do perdão à pena única sofrida pelo condenado.

Notifique e comunique ao TEP e ao E.P.” (sublinhado, itálico, negrito nosso)

8. O peticionante na data do cometimento dos factos pelos quais veio a ser condenado tinha menos de 30 anos, pelo que, está abrangido nos termos do art.º do disposto no art. º2.º, n. º1 da citada Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto.

9. Por seu turno, preceitua o art.º 3.º, n. º1, da mesma Lei que, “sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.”

10. A mesma Lei prevê as situações de excepção, que não são abrangidas pela mesma, no seu art.º 7º.

11. Isto posto, constata-se que o peticionante cometeu crimes que fazem parte das excepções previstas no art.º 7.º, pese embora, tenha cometido outros que não fazem parte dessas excepções, pelo que, terão de ser beneficiadas por esta Lei - Conforme quadro ilustrativo apresentado em 3.

12. Em nenhum dos crimes pelos quais foi condenado e que reportam a situações contempladas pelo perdão da lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, ao peticionante foi aplicada qualquer pena parcelar superior a 8 anos.

13. É certo que, em cúmulo jurídico de TODOS os processos, a condenação é de 16 anos e 4 meses.

14. E o que a lei diz é que o perdão terá de incidir sobre a pena aplicada em cúmulo, ou seja, aos 16 anos e 4 meses, ao qual deverá ser perdoado 1 ano.

15. A lei não diz, em momento algum, que as penas superiores a 8 anos (em cúmulo jurídico) não são abrangidas pelo perdão. O que a Lei diz, claramente, é que o desconto de 1 ano, caso o haja há de ser sobre a pena aplicada em cúmulo. Ou seja, situação substancialmente diferente daquela que consta no despacho dos presentes autos e apresentado em 7!

16. E tem sido este o entendimento dos vários tribunais de 1ª instância- que apreciam a aplicação do perdão a cada caso concreto –

Ainda que a pena cumulatória aplicada seja superior a 8 anos, o facto de constarem no “rol“de crimes que está afecto ao cúmulo jurídico, que sejam abrangidos pela Lei do perdão e sobre os quais não tenha sido aplicada uma pena – parcelar – superior a 8 anos, importa que seja feito o desconto de um ano, sobre a pena achada em cúmulo, seja ela de 1 ou de 25 anos.

17. Caso disso é, a título meramente exemplificativo, o que sucedeu no âmbito do processo 673/06.0... , que correu termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz 4 , em que o arguido/condenado JS, foi condenado na pena única de “23 anos e 250 dias de multa, pela prática de um crime de homicídio qualificado, de detenção de arma proibida, profanação de cadáver e furto qualificado (tentado), desobediência qualificada, condução sem habilitação legal, desobediência e condução sem habilitação legal.

A pena de multa foi convertida em 5 meses e 16 dias de prisão subsidiária (cfr. Fls. 620) “

O despacho de 07/09/2023 versa “ Aderindo-se , na generalidade , ao entendimento plasmado na promoção que antecede – com excepção da parte em que considera o crime de profanação de cadáver não abrangido pela presente Lei da Amnistia , posição da qual discordamos por não encontrarmos qualquer referência ao mesmo nas excepções previstas no art.º 7.º, da dita lei – declara-se perdoado um ano de prisão à pena de 23 anos de prisão e , declara-se ainda o perdão da pena de prisão subsidiária de 5 meses e 16 dias . (negrito, itálico e sublinhado nosso)

18. E tem sido este o entendimento da maioria dos Tribunais que, decidem e bem, em consonância com o que dita a Lei – ou seja, em caso de cúmulo é descontado 1 ano à pena (final) sendo que, para efeito de abrangência do perdão da citada lei , há que aferir à idade do arguido na prática dos factos, ao tipo de crime ( se faz ou não parte das excepções previstas e descritas na citada Lei ) e ainda se pelo cometimento desse crime não excepcionado foi aplicada uma pena inferior a 8 anos.

19. Nem faria sentido que pela aplicação do cúmulo, que é reconhecidamente um instituto favorável ao arguido, venha agora a ser vedada a possibilidade de beneficiar de uma lei – a lei do perdão – pela aplicação do conhecimento superveniente

20. Não poderemos conceber um instituto jurídico que é concomitantemente favorável ao arguido e obstativo da aplicação do perdão.

21. Se ao arguido não tivesse sido aplicado o cúmulo jurídico, o mesmo veria as penas parcelares perdoadas em 1 ano, pela aplicação da lei do perdão.

22. Ora, obviamente, não foi esta a intenção do legislador.

23.Sendo certo que, se dúvidas houvessem na interpretação da lei, sempre seriam em benéfico do arguido e não contra ele.

24. Isto posto, consta-se que o, ora peticionante, caso lhe visse aplicada a lei corretamente , estaria em condições de sair em liberdade condicional, porquanto já havia atingido os 5/6 da pena.

25. Isto significa que, a partir de dia 01/09/2023 o peticionante teria de sair em regime de liberdade condicional, o que não aconteceu, por interpretação errada da Lei.

26. O peticionante encontra-se ilegalmente preso, pois que, deu o seu consentimento à sua saída em regime de liberdade condicional, aos cinco sextos da pena, (pelo desconto de 1 ano a que tem direito pela lei do perdão), tendo-lhe sido vedada essa possibilidade por despacho do tribunal que aplicou erradamente a Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto.

27. E a prova disso mesmo é o facto de outros tribunais aplicarem a lei em consonância com o que lá vai descrito promovendo assim, a saída de reclusos que estão em condições de beneficiar da liberdade condicional.

28. Não se pode admitir é que se mantenham em reclusão cidadãos, por errada interpretação e aplicação da lei

...

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