Acórdão nº 994/12.3PBAMD.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-09-2014

Data de Julgamento24 Setembro 2014
Case OutcomeIMPROCEDENTE
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão994/12.3PBAMD.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo n.º 994/12.3PBAMD, da ... Secção do Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra, integrante da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido em..., preso preventivamente desde ..., no Estabelecimento Prisional de ... - fls. 1302.

Por acórdão do Colectivo da referida ... Secção do então Juízo de Grande Instância Criminal de ..., atribuído o processo ao Juiz ..., Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, datado de 4 de Novembro de 2013, constante de fls. 1168 a 1239, do 4.º volume, depositado no mesmo dia, conforme declaração de fls. 1241, foi deliberado:

“Parte Criminal

Julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o arguido:

1) nas penas individuais de 22 (vinte e dois) anos de prisão pela prática de cada um dos três crimes de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.°, n.ºs 1 e 2, alíneas d), e), h), i) e j), do Código Penal;

2) na pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; e

3) Procedendo ao cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

Parte Cível

I - Julgar os pedidos de indemnização civil parcialmente procedentes e, consequentemente:

I. 1 - Condenar o arguido/demandado a pagar:

1) À assistente e demandante BB:

a) O montante global de € 9.563,19, a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes;

b) O montante global de € 1. 450. 000,00, a título de indemnização por lucros cessantes;

c) O montante global de € 360.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

2) À assistente e demandante CC:

a) O montante global de € 380.000,00, a título de indemnização por lucros cessantes;

b) O montante global de € 200.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

3) Ao demandante Condomínio do prédio sito na Rua ..., o montante global de € 24.573,58, a título de indemnização por danos patrimoniais.

Todos os montantes referidos em 1), 2) e 3) são acrescidos de juros de mora legais, vencidos e vincendos desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

I. 2 - Absolver o arguido do mais peticionado.

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Inconformado com tal deliberação, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, argumentando, conforme fls. 1246 a 1259 verso.

O recurso, limitado à parte criminal, foi admitido por despacho de fls. 1260.

O Ministério Público respondeu, conforme fls. 1268 a 1290, defendendo a rejeição do recurso por manifesta improcedência e, caso prosseguisse, pugnou pela respectiva improcedência.

A assistente BB apresentou contra-alegações, conforme fls. 1292 a 1301, defendendo a confirmação integral do acórdão recorrido.

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Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Março de 2014, constante de fls. 1324 a 1382, foi deliberado negar provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

(Anota-se que muito embora tenha sido considerado ser “o recurso manifestamente improcedente”, tal não conduziu a rejeição do recurso, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, limitando-se o dispositivo a estes termos: “Nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando na íntegra a decisão recorrida”).

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O arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, produzindo a motivação de fls. 1395 a 1404, rematando com as seguintes conclusões:

1 - Ora, certo é que o princípio in dubio pro reo, quando constitucionalmente consagrado, não prevê apenas o sentido da dúvida da prova que está escrito, mas sim qualquer dúvida que em benefício do arguido possa surgir, qualquer facto cuja certeza não seja justificada, qualquer pormenor mal explicado;

2 - Pelo que sempre deveria o recorrente ter sido condenado por 3 (três) crimes de homicídio por negligência ainda que grosseira, p.p. art.° 137° do Cód. Penal, bem como por um crime de incêndio por negligencia, p.p. pelo n.º 3 do art.° 272° do Cód. Penal;

3 - Ainda que assim se não entenda, o que por mera hipótese de patrocínio se admite, então sempre haverá que se aferir da justiça da medida da pena;

4 - Devemos atender à idade do recorrente, bem como à sua modesta condição social, cultural e económica e inserção social para a atribuição da medida da pena, não existindo uma forte necessidade de prevenção especial quanto ao recorrente até por o recorrente ser uma pessoa calma e trabalhadora, que se encontrava socialmente;

5 - Devemos ainda atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.° 40° e n.º l do art.° 71 °, ambos do Cód. Penal;

6 - Como resulta dos factos dados como provados, toda esta infeliz situação derivou do resultado de anos de segregação laboral, que culminou numa situação que colocou o recorrente há anos na situação de desespero que por ser o único meio de sustente da família se encontrava privado de qualquer tipo de rendimentos;

7 - O recorrente deveria apenas ter sido julgado em tribunal, quando a sua condenação e medida da pena resulta também previamente do julgamento que foi feito na “praça pública” pelos meios de comunicação social, onde o recorrente ainda em sede de inquérito foi desde logo apelidado pelos meios de comunicação social de “o monstro de ...”;

8 - Poderia o recorrente esperar uma pena inferior a 25 anos para quem estava apelidado como “o monstro de ...”, não nos parece, pois condenação inferior seria como que a demonstração da ineficácia da justiça e eventualmente a geração da ideia de que o crime não é punível, podendo se pensar até na geração de algum alarme social;

9 - Porém, tais conceitos não podem caber em sede de apreciação de medida da culpa nem em sede de apreciação de medida da pena;

10 - O recorrente não pode ver a sua pena reflectida na consequência da informação que a comunicação social transmitiu antes sequer de saber os contornos do sucedido;

11 - O recorrente tem de ver a medida da pena ajustada à sua culpa!!!

12 - Pelo que se demonstra excessivamente elevada a pena aplicada ao recorrente;

13 - Entendemos assim que a graduação das penas parcelares aplicadas ao recorrente se deverão situar mais próximas dos seus mínimos legais, e assim em consequência também ser menor a pena única aplicada em cúmulo jurídico ao recorrente;

14 - Pois sempre teremos que considerar que se o legislador previu na moldura penal um limite mínimo, significa que este limite mínimo também deverá ser aplicado quando se demonstre ajustado, demonstrando-se essa aplicação ajustada no caso dos presentes autos, sob pena de se violar o disposto no 2 do art.° 40° e n.° 1 do art.° 71°, ambos do Código Penal;

15 - Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente.

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O recurso foi admitido por despacho de fls. 1405.

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A assistente BB apresentou a resposta de fls. 1414 a 1424, concluindo que a pretensão do arguido, a ser admitida, violaria o disposto no artigo 432.º, n.º 2, do CPP, porque o acórdão da Relação é irrecorrível, defendendo a rejeição liminar do recurso por não ser legalmente admissível, sempre se negando provimento ao mesmo, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa apresentou resposta, conforme fls. 1425 a 1427, que remata com as seguintes conclusões:

1 - Como se refere no acórdão ora recorrido, a opção pela pena fixada está devidamente fundamentada e encontra-se delimitada à medida da culpa do recorrente.

2 - E observou o disposto nos artigos 40.º e 71.º do CP.

3 - Deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se na íntegra o douto acórdão recorrido.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer a fls. 1432, apondo: “Visto (nada a acrescentar ao entendimento já defendido pelo Ministério Público a fls. 1425 e ss.)”.

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Não foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, face ao teor do parecer emitido.

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Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

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Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

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Questões propostas a reapreciação e decisão

O...

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