Acórdão nº 989/08.1TBPMS-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 28-01-2014

Judgment Date28 January 2014
Acordao Number989/08.1TBPMS-A.C1
Year2014
CourtCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 11.02.2009, por apenso a processo de regulação do exercício do poder paternal, no Tribunal Judicial de Porto de Mós, o M.º Público deduziu incidente de incumprimento da regulação referente aos menores C (…) e J (…) (…), nascidos a 25.10.1999 e 05.01.1994, respectivamente, filhos de C (…) e E (…) e residentes com a mãe, contra seu pai, alegando que este, por decisão de 15.9.2008 [sentença homologatória], foi condenado a pagar, a título de alimentos, a cada um dos filhos, a quantia de € 100 mensais, a entregar à mãe dos menores até ao dia 10 de cada mês, e, ainda, metade das despesas de saúde e educação, mas nunca entregou qualquer montante.
Citado, o requerido nada disse.
A progenitora instaurou execução especial por alimentos (em 31.7.2009/apenso B[1]).
Realizou-se uma conferência dos pais.
Na sentença de 07.3.2013, face à dita execução e à circunstância de o J (…)ter atingido a maioridade (em 05.01.2012), ponderou-se:
a) Foram reclamadas pela progenitora as quantias de € 1 500 (respeitante a mensalidades anteriores a 31.7.2009), € 216,79 (correspondente a metade das despesas médicas e escolares devidas até 31.7.2009), € 48,16 (a título de juros moratórios) e € 7 000 (relativos às prestações de alimentos desde Agosto de 2009 a Junho de 2012).
b) Haverá que subtrair a quantia de € 600 computada pela progenitora nos meses de Janeiro a Junho de 2012, após a maioridade do filho J (…); os montantes que a mesma reconhece ter recebido do requerido, no total de € 120, e a quantia de € 3 041,54, cobrada coercivamente na execução.
c) Assim, por referência ao mês de Junho de 2012, encontra-se em dívida a quantia global de € 5 003,41.
Perante o descrito enquadramento fáctico e não tendo o requerido contestado o incidente, nem justificado o não pagamento das prestações de alimentos, e não se afigurando necessárias outras diligências, julgou-se então verificado o incumprimento das responsabilidades parentais, no que concerne à obrigação de alimentos, devendo prosseguir as diligências de penhora para cobrança da quantia de € 5 003,41 e das prestações vincendas relativamente à menor C (…).
De seguida, o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
Atendendo à maioridade de J (…), cessa a sua representação no processo de execução pela progenitora (e, consequentemente a intervenção da respectiva Patrona, relativamente àquele), devendo o mesmo juntar àqueles autos procuração forense ou comprovativo da nomeação de Patrono ou impulsionar ele próprio a execução, atento[2] o valor da mesma, tendo em vista a cobrança dos valores respeitantes às prestações de alimentos devidos até à sua maioridade.
Notifique, incluindo J (…).”
Inconformada e visando a afirmação da sua legitimidade para prosseguir na execução, a progenitora interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:
1ª - Recorre-se da decisão na parte em que se declara cessada a representação no processo da execução quanto ao filho que entretanto atingiu a maioridade para cobrança de valores respeitantes às prestações devidas na menoridade;
2ª - O Recorrido nunca cumpriu com as prestações alimentícias na menoridade dos filhos, pelo que a Recorrente foi forçada em 2009 a deduzir incidente de incumprimento e posteriormente execução para cobranças daquelas quantias;
3ª - Foi a Requerente, mesmo pobre, como resulta dos autos, quem sustentou os filhos (o que faz ainda até quanto ao filho maior já que este, bom aluno, frequenta o ensino superior);
- E “…satisfeita unilateralmente a obrigação, compreende-se que só quem efectivamente a cumpriu possa exigir do co-obrigado os encargos a que esse cumprimento deu origem e lhe assista legitimidade para exigir a parte dos encargos que, na repartição efectuada, o outro obrigado deixou de lhe prestar.” – Ac. S.T.J. de 25.3.2010;
- Este o entendimento mais justo e conforme às regras do direito substantivo e processual, tendo sido violadas, entre outras, as disposições dos art.ºs 55º do CPC e 181º, da OTM.
O M.º Público respondeu pugnando pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, apenas, se a maioridade do filho retira ao progenitor a quem foi confiada a respectiva guarda a legitimidade para exigir o pagamento das prestações de alimentos vencidas (e não pagas) durante a menoridade daquele, fixadas no âmbito da regulação do exercício do poder paternal [ou das responsabilidades parentais, segundo a designação depois adoptada pelo legislador/Lei n.º 61/2008, de 31.10].
*
II. 1. Para a decisão do recurso releva a factualidade e a tramitação supra referidas (ponto I).
2. A recorrente insurge-se contra o mencionado despacho na parte em que se julga cessada a representação no processo de execução pela progenitora quanto ao filho J (…), por este entretanto ter atingido a maioridade, tendo em vista a cobrança de valores respeitantes às prestações de alimentos devidos até à sua maioridade.
A 1ª instância considerou a recorrente carecida de legitimidade para o prosseguimento da acção executiva no tocante ao valor das prestações vencidas e não pagas devidas ao J (…) até à maioridade deste.
Embora estejamos perante matéria que tem suscitado alguma divergência na doutrina e na jurisprudência, afigura-se, por um lado, que é maioritária a corrente contrária ao entendimento que vemos sufragado no despacho recorrido e, por outro lado, sem quebra do respeito sempre devido, aquela perspectiva é a que efectivamente respeita a ligação entre “a lei e a vida real”, por forma a que os normativos legais aplicáveis tenham “um sentido mais justo e mais apropriado às exigências/interesses da vida”.[3]
Acresce que, tratando-se de processo de jurisdição voluntária (art.ºs 150º e 174º e seguintes da Organização Tutelar de Menores/OTM, aprovada pelo DL n.º 314/78, de 27.10), o tribunal não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente/ não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (cf. art.º 1410º do Código de Processo Civil/CPC de 1961/art.º 987º, do CPC de 2013), a que melhor serve os interesses em causa[4], sendo que, salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes[5] (cf. art.ºs 1409º, n.º 2; 1410º; 1411º, n.º 1, 1ª parte e 1412º, do CPC de 1961).
E o Tribunal deverá buscar a solução mais justa, a que repute como mais conveniente e oportuna, em ordem a uma equitativa composição dos interesses em presença, encontrando-se, assim, a resposta mais adequada ao caso concreto, sendo que, na regulação do exercício das responsabilidades parentais, sobrelevam os reais interesses do menor, que sempre se imporá salvaguardar e proteger, não podendo deixar de se atender às circunstâncias dessa efectiva salvaguarda e protecção.[6]
Essa a razão de ser da questão suscitada no presente recurso.
3. Como vimos, está em causa o valor das prestações de alimentos vencidas até à maioridade do filho, em cumprimento de acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais homologado por sentença, relevando agora a cobrança coerciva de dívida de alimentos, já vencida, conforme ficou esclarecido no incidente de incumprimento e se pretende
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