Acórdão nº 9731/16.2 BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02-11-2023
Data de Julgamento | 02 Novembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 9731/16.2 BCLSB |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “P…., LDA” contra o ato de liquidação adicional n.º 8310002291, referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do exercício de 1997, e respetivos Juros Compensatórios (JC), no valor global de €50.542,82.
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A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:
“
I- Na douta sentença a quo entendeu-se que seria de anular parcialmente a liquidação adicional de imposto (IRC/1997), considerando então que a Impugnante logrou provar ter incorrido em despesas com “alugueres de equipamentos”; “deslocações e estadas” e “outros custos - variação de produção", por considerar irrelevante que os documentos de suporte dos respectivos registos contabilísticos não estabelecerem qualquer relação entre os beneficiários das despesas e a Impugnante, assim como por considerar que os meios de pagamento utilizados foram os da Impugnante.
II- Do assim doutamente decidido dissente esta RFP, porquanto, relativamente a todas aquelas categorias de correcções, não resulta que os custos contabilisticamente registados tivessem sido pagos através de meios pagamento da Impugnante, facto que não permite verificar o circuito financeiro subjacente às operações registadas, não obstante ter sido aquela, para o efeito, instada, no âmbito do procedimento inspectivo, a apresentar fotocópias dos cheques ou de meios bancários de transferência.
III- Quer isto dizer que a Impugnante não comprovou os alegados pagamentos efectuados com cópia dos correspondentes meios de pagamento, quer fossem eles financeiros ou outros.
IV- Sendo que este nexo entre a despesa e a entidade que nela incorreu, se reputa de essencial para que se pudesse determinar com rigor a entidade que, de acordo com as melhores práticas contabilísticas, estaria em condições de lançar tais despesas a título de custos ou gastos.
V- Posto que, estando em causa um consórcio em que participaram várias entidades, os documentos referentes aos meios de pagamento, revelavam-se fulcrais para se saber quem efectivamente incorreu nos referidos custos.
VI- Quanto às correcções relativas a despesas com viagens, alojamento e alimentação, não ficou demonstrado que a Impugnante nelas tenha efectivamente incorrido, dado que os documentos de suporte não identificam os respectivos beneficiários.
VII- E no que respeita às correcções relativas a alugueres de equipamentos, não poderão ser as mesmas aceites, visto que os respectivos documentos de suporte não permitem discernir se os utilizadores das viaturas tinham com a Impugnante qualquer relação laboral ou de prestação de serviços ou se trabalhavam ou prestavam serviços a qualquer outra entidade.
VIII- Relativamente às correcções denominadas de variação de produção, que comportam alugueres de viaturas e passagens aéreas de ida e volta de e para Moçambique e alojamentos e refeições, verifica-se que os documentos existentes na contabilidade, não identificam os beneficiários das estadias nem o período a que respeitam, para além de também aqui não ser perceptível a relação existente entre os beneficiários e a Impugnante.
IX- Assim, os referidos encargos não podem deixar de ser qualificados como não documentados, nos termos do art.° 45° do CIRC, não sendo, por tal facto, dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, sendo certo que os depoimentos testemunhais não lograram abalar as conclusões do procedimento inspectivo quanto a esta matéria.
IX - Deste modo, entende a Fazenda Pública que o douto decisório fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório da Inspecção Tributária, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto nos art.° 74°, n° 1 e 75°, n° 1 da LGT, 41° e 23° do CIRC, na medida em que ali se considera que o impugnante cumpriu a obrigação de prova dos factos que alega, designadamente, através da prova testemunhal, sem que os documentos contabilísticos de suporte permitam retirar semelhantes conclusões.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
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O Recorrido, devidamente notificado contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A) A dedutibilidade fiscal dos custos dos sujeitos passivos de imposto decorre, única e exclusivamente, da comprovação da sua indispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", nos termos do artigo 23° do CIRC;
B) A dedutibilidade dos custos, para efeitos de IRC, encontra-se adstrita a dois pressupostos cumulativos, um de natureza material, consistente na indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto; e, outro, de natureza formal, atinente à comprovação da realização dessas mesmas despesas, as quais devem encontrar-se devidamente documentadas, apoiando-se em “documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário";
C) Ora, face à factualidade dada como provada, máxime nos artigos O a AH, é evidente que se encontra mais do que comprovada a indispensabilidade das despesas para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto;
D) A impugnante era uma produtora cinematográfica, produzindo filmes cinematográficos, tendo co- produzido o filme “C….", em Moçambique (alineas A), U) e V) dos factos provados);
E) Nessa co-produção, “ficou responsável pelo pagamento das despesas logísticas da equipa 20 portuguesa (as quais incluíam despesas de viagens, seguros, profilaxia de malária), pelas despesas de alojamento de todas a equipa de produção em Moçambique e pelas despesas com o aluguer de viaturas” (Alínea Z dos factos provados);
F) Foi precisamente o que fez, ou seja, a impugnante suportou, entre outras:
as despesas logísticas da equipa portuguesa ( as quais incluíam despesas de viagens, seguros, profilaxia de malária);
as despesas de alojamento de todas a equipa de produção em Moçambique;
as despesas com o aluguer de viaturas.
(alíneas R), S), T), Y), Z), AC), AD), AF), AG) e AH) dos factos provados).
G) “[e]m sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23°, n°1 e 42°, n° 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova"
H) Ora, os recibos encontravam-se todos na contabilidade da impugnante comprovando que pagou:
Os alugueres dos veículos (Alíneas R) e S), AF), AG) e AH);
Os alojamentos ou estadias (Alíneas T), AC), AD), AE), AH);
I) Encontram-se assim reunidos os requisitos de natureza formal e material de que dependia a dedução dos custos nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC;
J) A Douta Sentença proferida faz uma interpretação correcta do disposto nos art.° 74°, n° 1 e 75°, n° 1 da LGT, 23°, 41°, 42° e do CIRC.
K) Quanto à parte dos custos agregados na rubrica “Variação da Produção", cuja dedutibilidade é rejeitada pela Administração Tributária, importa concluir que a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios daí decorrente é ilegal
L) Por todo o exposto, é de concluir que a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura ao considerar procedente a impugnação judicial e, em consequência, a anulação do acto de liquidação adicional de IRC/ 1997 e juros compensatórios impugnados.
Termos em que, negando provimento ao presente recurso, e confirmando na íntegra a mui douta sentença recorrida, V. Exas farão a costumada Justiça!”
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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos constantes dos autos:
A) No ano de 2001, a impugnante era uma sociedade de responsabilidade limitada registada com o CAE 92130 - “Projecção de Filmes e Vídeos” (cfr. fls. 6 do PAT apenso aos autos );
B) Em 7 de Agosto de 2001, teve início uma acção inspectiva externa, de âmbito parcial, referente a IRC, IVA e outros, que incidiu sobre a impugnante, com referência ao exercício de 1997, tendo por base a Ordem de Serviço n° 37497, de 17 de Maio de 1999 (cfr- fls. 8 e 86 do PAT apenso aos autos);
C) Em 17 de Setembro de 2001, foi emitido o ofício n° 021537, dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), com vista a notificar a impugnante do projecto de conclusões do relatório de inspecção, no qual se preconizavam correcções à sua matéria tributável de IRC, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, no valor de 20.285.310$00, e para exercer, no prazo de 10 dias, o seu direito de audição prévia (cfr. fls. 50 a 82 do PAT apenso aos autos);
D) Por requerimento entrado na 1ª. Direcção de Finanças de Lisboa em 2 de Outubro de 2001, a impugnante exerceu o seu direito de audição prévia, tendo pugnado, em síntese, pela desconsideração das conclusões enunciadas no projecto referido na...
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