Acórdão nº 971/19.3T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 19-11-2020

Data de Julgamento19 Novembro 2020
Número Acordão971/19.3T8PVZ.P1
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 971/19.3T8PVZ.P1
1). Relatório.
B…, residente em …, …, …, …, Ontário, Canadá, com residência Portugal na Rua …, n.º …, …, Póvoa de Varzim, propôs contra
C…, residente em …, apt …., …, …, Ontário, Canadá, e com residência em Portugal na Rua …, n.º …, …, Esposende,
A presente
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum alegando em síntese que:
casou com a Ré em segundas núpcias em 27/08/2010 sem convenção antenupcial;
em 04/04/2017 o casamento foi dissolvido por divórcio;
na constância do matrimónio, foram onerosamente adquiridos quatro imóveis - artigos 1550º, …, Póvoa de Varzim (E), artigo 378.º rústico, …, Póvoa de Varzim, 8278º (AM), Póvoa de Varzim, … e …, concelho da Póvoa de Varzim e 8278º (AP), Póvoa de Varzim, … e …, concelho da Póvoa de Varzim;
todos esses imóveis foram adquiridos com dinheiro do Autor já existente no seu segundo casamento;
a Ré não teve qualquer participação financeira nas mencionadas aquisições;
assim, nos termos do artigo 1723.º, do C. C., esse imóveis são bens próprios devendo ser excluídos da comunhão.
Termina pedindo que:
se reconheça e declare que os imóveis acima indicados são bens próprios do Autor, excluídos do acervo patrimonial de comunhão do extinto casal formado por Autor e Ré;
a Ré seja condenada a reconhecer a propriedade exclusiva do Autor sobre esses bens e a abster-se de qualquer conduta que viole ou perturbe o exercício do referido direito de propriedade do Autor.
*
Citada, contestou a Ré, alegando em síntese que:
na sentença de divórcio não foi fixada qualquer data relativa à separação de facto do Autor e da Ré pelo que, para efeitos patrimoniais, a data a considerar na partilha do património comum do extinto casal é a data da referida sentença (04/04/2017);
grande parte do dinheiro auferido por ambos os membros do extinto casal foi investido na aquisição dos imóveis identificados nos autos;
isso mesmo resultou provado no âmbito do processo de inventário n.º 3563/17, destinado à partilha do património comum do casal, que corre termos em cartório notarial;
o Autor, ali cabeça-de-casal, apresentou relação de bens onde não relacionou aqueles bens, tendo havido reclamação pela Ré no sentido de serem aditados os mesmos;
produzida prova, a notária, por despacho de 03/03/2019, julgou que não foi feita prova de que os supra mencionados bens imóveis foram adquiridos com dinheiro próprio do cabeça de casal e que, portanto, os mesmos, pertencem ao património comum do extinto casal;
esse despacho não foi impugnado;
o Autor manifestou aceitação da decisão por ter comparecido numa conferência preparatória;
assim, a conduta do Autor constitui abuso de direito;
o n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário determina que se consideram definitivamente resolvidas as questões que, no inventário, sejam decididas no confronto do cabeça de casal ou dos demais interessados a que alude o artigo 4.º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão, salvo se for expressamente ressalvado o direito às ações competentes;
existe assim caso julgado;
Termina pedindo a procedência da exceção de caso julgado e a sua absolvição de instância ou, assim não sendo, a improcedência da ação.
*
Tendo sido conferida oportunidade para o efeito, respondeu o Autor mencionando que:
a decisão do incidente de reclamação de bens não transitou em julgado pois no âmbito do processo de inventário (Lei n.º 23/2013, de 05/03) a regra é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha;
a reclamação contra a relação de bens não é um incidente processado autonomamente;
o que resultou provado nos autos de inventário, não transitado em julgado, foi que os bens imóveis em causa foram adquiridos na constância do extinto casamento, entendendo a notária que por isso têm, sem outras considerações, de ser mencionados na relação de bens;
a notária ainda refere que não tendo sido invocadas outras fontes de rendimento (as frações AM e BO foram arrendadas após todas as aquisições) é de aceitar que pelo menos 147.000 EUR foram empregues na compra da fração 1«E» sendo que o destino do valor remanescente das tornas terá que ser provado em Juízo, por requerer indagação mais alargada;
não houve assim a definitiva resolução da questão a dirimir nos presentes autos pois uma coisa são os bens adquiridos na constância do matrimónio terem que ser relacionados no âmbito do inventário por separação de meações, outra bem diferente é saber se os mesmos bens são comuns ou próprios de um dos cônjuges;
na presente ação pretende-se dirimir a propriedade dos bens e no inventário pretende-se a divisão dos bens.
Pugna assim pela improcedência da exceção.
*
Em 18/02/2020 o tribunal, ponderando a possibilidade de se decidir por ocorrer a exceção de litispendência, notificou as partes para se pronunciarem sobre essa questão.
Pronunciou-se a Ré pugnando que existia caso julgado e também o Autor no sentido de que não ocorria litispendência por a causa de pedir e pedidos serem diferentes nos dois processos.
*
Em 20/06/2020 é proferido despacho saneador onde se conclui pela existência da apontada litispendência, absolvendo-se a Ré da instância.
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Inconformado, recorre o Autor formulando as seguintes conclusões:
«1.º Nos presentes autos, decidiu a Julgadora pela existência da exceção da Litispendência, por ser seu entendimento da existência entre este processo e os autos de inventário referenciados, da identidade das partes, do pedido e da sua causa de pedir.
2.º E tendo em atenção a prévia instauração do Inventário aos presentes autos, reitera-se, decidiu a Julgadora pela existência da exceção da litispendência e pela absolvição da Ré/Recorrida.
3.º Ora, não pode o Autor/Recorrente concordar com tal saneador / sentença, até porque os presentes autos surgem como consequência da decisão da Srª. Notária que entendeu, face à complexidade da matéria de facto e de direito a decidir (propriedade dos bens – próprios ou comuns) remeter para os meios judiciais comuns o dirimir de tal questão.
4.º MERITÍSSIMOS DESEMBARGADORES, os Tribunais judiciais existem exatamente para dirimir tais questões, nos exatos termos do previsto no artigo 16º do Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), não podendo este Tribunal furtar-se a tal decisão, por clara violação do presente normativo legal, sob pena de ninguém decidir o que tem que ser decidido (O Notário não decide porque a questão é complexa, sendo que o Tribunal Cível não decide porque o Inventário é prévio e o Notário tem que decidir … não se entende). Claramente que a Juiz “a quo” fez uma errada interpretação da norma supra referida, pois a ela lhe cabia a decisão “in casu”, já que a sua competência resulta exatamente daquele normativo.
5.º E tendo a Dr.ª. Notária decidido não se encontrar habilitada a proferir tal decisão da propriedade, não podem os autos de inventário serem o local próprio e adequado para aferir de matéria tão específica, razão pela qual a remessa dos interessados para os meios comuns, em matéria tão sensível como a que se dirime nos presentes autos, sendo sim, estes autos, o local próprio para o dirimir de tal matéria, até porque aquela complexa questão (fixação da propriedade do património) só pode ser aferida em sede de julgamento judicial, onde tudo é muito mais pormenorizado e no qual os meios probatórios são sujeitos a efetivo contraditório, tudo na esteira do Acórdão da Relação do Porto ora junto aos autos.
6.º Os termos de inventário são assim processualmente dispostos à simplicidade de uma partilha e não ao dirimir de questões profundas, que só em sede de processo com julgamento se podem dirimir, não tendo a Julgadora no saneador sentido percebido tal
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