Acórdão nº 97/20.7T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 03-05-2023
Data de Julgamento | 03 Maio 2023 |
Case Outcome | REVISTA IMPROCEDENTE. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 97/20.7T8PVZ.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo nº 97/20T8PVZ.P1.S1.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).
I - RELATÓRIO.
C... Unipessoal, Lda., instaurou acção comum contra AA, BB e CC.
Alegou essencialmente:
Celebrou com a ré AA e o marido (tendo este já falecido e demandando as herdeiras, além da esposa, as duas filhas), um acordo escrito de arrendamento, firmado em documento particular, tendo como objeto os dois prédios rústicos, que identifica.
Tratou-se de um contrato-promessa de arrendamento, com entrega do bem locado.
Como os imóveis não tinham as caraterísticas que permitissem o desenvolvimento da actividade pretendida, foi autorizada a realização das obras necessárias.
As rés emitiram sempre os recibos de renda, desde a data da celebração do contrato-promessa (em Março de 2002) até à sua denúncia.
Os outorgantes iniciais, DD e EE, cederam à autora a sua posição contratual.
O contrato-promessa havia sido celebrado pelo prazo de 25 (vinte e cinco) anos.
A autora tinha a expectativa de que os senhorios tivessem em curso o processo destinado à obtenção da licença de utilização do espaço, destinado à organização de eventos, após o que seria celebrado o acordo definitivo.
Essa licença nunca foi emitida, inviabilizando a celebração do contrato de arrendamento, tendo a autora, depois de insistir pela sua obtenção, optado por denunciar o contrato celebrado, por carta registada de 21 de Junho de 2019 e com efeitos a partir de 31 de Outubro de 2019, denúncia que a primeira ré aceitou.
Foi agendada a entrega das chaves, mas que estas não foram entregues, pois que a A. reclamou o pagamento das benfeitorias, o que os senhorios não reconheceram.
No imóvel, com autorização dos senhorios, aposta no próprio contrato, a A. realizou benfeitorias no valor de € 387.791,70, que aumentaram o valor dos prédios, e que são necessárias e úteis (e não passíveis de serem removidas), referindo um conjunto de despesas realizadas e exigindo o reembolso da correspondente quantia.
A sua expectativa era que o contrato vigorasse por 25 anos e, assim, tendo um resultado líquido médio anual, nos últimos três anos, de € 5.508,00, alega que deixou de auferir, em 8 anos, a quantia de € 44.064,00 euros.
Subsidiariamente, e admitindo que estaria em causa um contrato-promessa, para além do valor das alegadas benfeitorias realizadas, peticiona que as rés sejam condenadas no pagamento da quantia fixada no acordo, a título de cláusula penal, para o caso de a licença de utilização não ser emitida por motivos imputáveis à ré e ao marido, no valor de € 375.000,00, uma vez que a não obtenção da licença implica a recusa de celebração do contrato-prometido.
Conclui pedindo:
a) o reconhecimento à autora o direito de ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas com base no enriquecimento das rés, no valor de € 387.791,70, sendo as rés condenadas a pagar este valor;
b) o reconhecimento do direito de retenção da autora sobre o imóvel em causa pelo valor das benfeitorias realizadas, enquanto o mesmo não for pago;
c) a condenação das rés no pagamento de uma indemnização pela perda de lucros decorrentes da cessação da atividade de realização de eventos que estima em € 5.508,00 de valor anual até à integral execução do contrato.
Subsidiariamente, e com base no contrato-promessa, peticionou que lhe fosse reconhecido o direito a ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas, no valor de € 387.791,70, sendo as rés condenadas a pagar tal valor, reconhecendo o seu direito de retenção sobre o imóvel enquanto o mesmo não for pago e ainda a condenação das rés a pagar-lhe a quantia definida como cláusula penal, no valor de € 375.000,00.
Citadas, as rés excecionaram a ilegitimidade passiva das 2.ª e 3.ª rés (filhas dos contraentes iniciais), impugnaram as despesas que a autora alega ter realizado com as alegadas benfeitorias, alegando que todas as obras foram realizadas pela autora, colaborando apenas as rés quando tal lhes era pedido pela autora.
Referiram que a legalização da construção efetuada exigia que se fizesse uma alteração ao PDM, facto que era do conhecimento da autora desde a data da celebração do acordo escrito.
As rés formularam pedido reconvencional.
Alegaram nesta sede que a A. recusou a entrega as chaves do imóvel e pediram a sua condenação a reconhecê-las como proprietárias do imóvel, exigindo o pagamento do valor correspondente à renda de € 1.442,46 x 9 meses, e das rendas vincendas, considerando o gozo do imóvel que não estão a fruir, inexistindo direito de retenção, e pedindo também a responsabilização da autora pelos prejuízos decorrentes de danos e degradação decorrentes do abandono do locado.
A autora replicou e manteve o que inicialmente alegara, mas, em acrescento, informou ter procedido à entrega do imóvel no dia 3 de Setembro de 2020.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:
“a) Julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver as Rs. AA, BB e CC do pedido que contra si foi formulado pela A. C... Unipessoal, Lda..
b) Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
1 - considerar extinto por inutilidade superveniente da lide o pedido de entrega dos imoveis pois que esta já se verificou em 3 de Setembro de 2020;
2 - condenar a A. reconvinda a pagar às Rs. reconvintes a quantia de €1.442,46 x 10 meses, num total de € 14.424,60 (catorze mil quatrocentos e vinte e quatro euros e sessenta cêntimos), a título de privação do gozo dos imóveis de 1 de Novembro de 2019 a 3 de Setembro de 2020.
3 - reconhecer as Rs. reconvintes como proprietárias dos imóveis descritos na CRP, freguesia ..., sob o nº ...69 e ...25.
4 - absolver a A. reconvinda quanto ao demais peticionado”.
Apresentou a A. recurso de apelação que veio a ser julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24 de Outubro de 2022, sendo as RR. absolvidas do pedido.
Veio a A interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões, devidamente sintetizadas, após convite que lhe foi dirigido nos termos do artigo 639º, nº 3, do Código de Processo Civil:
I. O recurso ordinário (tanto de apelação como de revista) apenas é admissível quando, nos termos do n.º 1 do art. 629.º do Código de Processo Civil22, “(...)acausatenhavalorsuperioràalçadadotribunaldequeserecorreeadecisãoimpugnadasejadesfavorávelaorecorrenteemvalorsuperiorametadedaalçadadessetribunal,atendendo-se,emcasodefundadadúvidaacercadovalordasucumbência,somenteaovalordacausa”.
II. Nestes termos, surge como indiscutível a admissibilidade do presente recurso.
III. Entende a Recorrente que a fundamentação se tem por essencialmente diferente, quando a decisão do Tribunal da Relação, ainda que, na prática, mantenha as mesmas consequências da decisão de 1ª Instância, tenha por base diferentes preceitos legais, ou, ainda que, à luz das mesmas disposições, as interprete em sentido diverso.
IV. No caso sub judice, é manifesta a disparidade das fundamentações das decisões do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim e do Tribunal da Relação do Porto, desde logo porque este último qualifica de forma diversa as obras existentes nos prédios melhor identificados nos docs 2 e 3 juntos com a Petição Inicial consagrando no dispositivo, que as mesmas dever-se-ão qualificar como acessão imobiliária industrial; bem, como qualifica, de forma diversa o próprio contrato objeto de litigio nos presentes autos, como sendo atípico.
V. Ora, analisada a fundamentação de ambas as decisões, verificamos que por um lado, ao contrário do que foi considerado pelo tribunal de 1ª instância, que entendeu estar-se perante um contrato-promessa de arrendamento, o Tribunal a quo considerou que “nãopodemosfalaremcontrato-promessaquandotodoointeresseeconómicoenegocialqueocontratoprometidopretendiaassegurarsemostrajásatisfeito.E,nãohavendoqueconcluir,também,queestamosperanteumdefinitivocontratodearrendamento,oqueaspartescelebraramfoiumcontratoatípico,facultado,desdelogo,peloprincípiodaautonomiacontratual,queoart.405.ºdoCCnãoinstitui,masreconheceeajurisprudênciaaceita”.
VI. Salvo o devido respeito por mais abalizada opinião, tal qualificação contratual acaba por se revelar incongruente, porquanto o Tribunal a quo aplica, o instituto jurídico da denúncia/resolução respeitante à matéria de arrendamento.
VII. Por outro lado, no que diz respeito à qualificação jurídica das obras realizadas, o tribunal de 1ª instância considerou que “[a]tentaanaturezadasobrasrealizadas,nãotemosdúvidasqueestãoemcausabenfeitoriasúteis...”
VIII. A decisão do Tribunal da Relação do Porto deve ser revogada porque ofende o direito potestativo de resolução por justa causa do contrato atípico celebrado entre Recorrente e Recorridas.
IX. O contrato em causa, sido, objetivamente, incumprido, e com efeito, não ter sido respeitado o princípio pactasuntservanda, deveriam resultar as consequências previstas no mesmo ao abrigo da liberdade contratual, e, uma vez que o contrato em causa é atípico, serão aplicáveis, em primeira linha, as disposições estipuladas pelas partes.
X. E é neste ponto que entra a questão fulcral e de suma importância para a aqui Recorrente, determinante para a cessação do contrato atípico que ora se discute e que se traduz, precisamente, na questão relativa às licenças administrativas de utilização dos imóveis e de licença de atividade, sendo certo que a obtenção desta última a, estaria dependente da obtenção da primeira.
XI. A obtenção da licença de utilização foi, abinitio, definido entre declarante/Recorridas e declaratário/ Recorrente como um elemento essencial para a celebração do contrato definitivo, consubstanciando-se o mesmo num termo resolutivo ou final, e o grande cerne da questão está na falta de...
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