Acórdão nº 960/21.8T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11-07-2024
Data de Julgamento | 11 Julho 2024 |
Número Acordão | 960/21.8T8BGC.G1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. Relatório
AA intentou contra BB, CC, EMP01... LTDA, e DD, acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que:
«I – seja declarada nula a transmissão da propriedade do imóvel objeto da ação para o 3º Réu;
II – seja reconhecido o direito da Autora de finalizar a aquisição do imóvel acordada no contrato-promessa de compra e venda;
III – sejam os Réus condenados a indemnizar os danos patrimoniais e extrapatrimoniais que causaram à Autora, no total de 43.000,00€, sendo:
a) 30.000,00€ de reembolso dos juros cobrados indevidamente (1º, 2º e 3º Réus solidariamente);
b) 5.000,00€ a título de dano moral pela cobrança de juros não previstos no contrato (1º, 2º e 3º Réus solidariamente);
c) 8.000,00€ a título de dano moral pelo corte indevido e sem aviso prévio dos serviços de eletricidade, água e gás no apartamento onde a Autora vive (todos os Réus solidariamente).
IV – a compensação dos créditos que a Autora tem a receber e a pagar dos Réus;
V – subsidiariamente, caso não se entenda pela condenação dos Réus nos termos dos artigos anteriores, requer a sua condenação a:
a) restituir em dobro à Autora o valor que já pagou até hoje pela pelo contrato (164.000,00€);
b) acrescido das benfeitorias que realizou no imóvel nos últimos 11 anos (40.000,00€);
c) restituir o valor dos juros cobrados indevidamente, sem previsão contratual (30.000,00€);
d) e indemnização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais (13.000,00€)».
*
Citados, os RR. apresentaram contestação (ref.ª ...94 e ...45).O co-Réu, DD, pugna pela total improcedência da acção.
Os co-RR., BB, CC, EMP01..., Lda, deduziram contestação-reconvenção, peticionando a condenação da Autora/Reconvinda a:
«a. Reconhecer que o contrato promessa de compra e venda celebrado em ../../2020 foi resolvido em 16-08-2017.
b. Por via de tal resolução, reconhecer que o Réu BB tem direito a fazer suas as quantias que lhe foram entregues pela Autora e EE no âmbito daquele mesmo contrato promessa de compra e venda.
c. Também por via de tal resolução, pagar ao Réu BB a quantia de 25.000,00 €, a título de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa, correspondente á clausula penal aí fixada.
d. Reconhecer que o contrato de arrendamento com prazo certo para fim habitacional celebrado em ../../2017 foi objeto de não renovação, tendo cessado em 30-11-2020.
e. Pagar à Ré EMP01... Lda o valor das rendas relativas aos meses de agosto de 2019 a novembro de 2020, no total de 8.000,00 € (500,00 € x 16 meses).
f. Pagar à Ré EMP01... Lda uma indemnização pela ocupação e não restituição do local entre ../../2020 e ../../2021, correspondente ao valor da renda estipulado pelas partes elevado ao dobro (cfr. artº 1045º, nºs 1 e 2, do Código Civil), no total de 6.000,00 € (500,00 € x 6 meses x 2)
(…)».
*
A A. apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção (ref.ª ...22).*
A A. informou nos autos que foi declarada insolvente por sentença proferida em 14/05/2021 nos autos de Insolvência de Pessoa Singular n.º 114/21...., do Juízo de Competência Genérica de ..., e transitada em julgado em 04/06/2021 (ref.ª ...57).*
Foi determinada a notificação da administradora da insolvência para requerer o que tivesse por conveniente (ref.ª ...62).*
A administradora da insolvência requereu a suspensão de todos os prazos processuais (ref.ª ...72).*
Notificada nos termos e para os fins do disposto no art. 85.º, n.º 1 do CIRE, a administradora da insolvência veio dizer inexistir interesse na apensação da ação ao processo de insolvência, tendo requerido o prosseguimento dos autos nos seus termos até final (ref.ª ...25).*
Por despacho de 4/11/2023, e com vista ao suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário legal, a autora foi convidada a deduzir o devido incidente de intervenção principal provocada, nos termos dos arts. 6.º, n.º 2, e 590.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC (ref.ª ...74).*
Datado de 9/01/2024, foi proferido despacho saneador (ref.ª ...02), nos termos do qual a Exm.ª Juíza “a quo” decidiu julgar “verificada a excepção dilatória de ilegitimidade activa e, em consequência”, absolveu “os réus da presente instância”.*
Inconformada com o aludido despacho saneador, dele interpôs recurso a autora (ref.ª ...32), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. O presente recurso tem como objeto toda a matéria da Douta sentença de fls. que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e, em consequência, absolveu os réus da presente instância.
II. A Autora, ora Recorrente, não se conformando, na íntegra, com o teor da referida decisão proferida pelo Juízo Central Cível e Criminal de ... Juiz ..., vem interpor o competente recurso de apelação
III. Entendeu o Tribunal ad quo que “tendo a ação como causa de pedir o não cumprimento de determinado contrato promessa de compra e venda, deve a mesma ser proposta por e contra todos os que celebram tal negócio.”
IV. A Recorrente em conjunto com seu agora ex-marido (promitentes compradores) e o 1º Réu, representado pelo 2º Réu (seu procurador) celebraram, em novembro de 2010 contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma ... com o lugar de garagem com a letra ... do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...69, (artigo ...) correspondente ao ... andar do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., ... ....
V. Pela aquisição, a Recorrente e o ex-marido pagariam ao 1.º Réu a quantia de 130.000,00€ (cento e trinta mil euros), tendo sido 1.000,00€ (mil euros) pagos no momento da assinatura do contrato como sinal, devendo o restante, 129.000,00€ (cento e vinte e nove mil euros) ser pago faseadamente.
VI. Durante a execução do contrato a Recorrente e seu ex-marido enfrentaram uma série de dificuldades financeiras, que os levaram a renegociar os termos do contrato com o promitente-vendedor.
VII. Em 2017, a Recorrente e o seu ex-marido, procuraram o 1.º Réu de forma a acordar um pagamento do valor remanescente (48.000,00€) de forma faseado, acordo esse que este recusou uma vez que pretendia receber o valor por inteiro.
VIII. O 1.º Réu propôs um contrato de arrendamento de forma a possibilitar à Recorrente e ao ex-marido o pagamento mensal de um determinado montante (ficou estipulado o pagamento mensal de 200,00€) até que estes conseguissem reunir a totalidade do valor em falta para o pagamento do referido imóvel.
IX. Tal contrato não era mais do que uma possibilidade de pagamento faseado até a Recorrente reunir a totalidade do montante em falta.
X. Em ../../2020, a Recorrente e o agora ex-marido divorciaram-se.
XI. Na sequência do divórcio ficou acordado que o dito contrato de arrendamento passaria a figurar apenas no nome da aqui Recorrente.
XII. O referido contrato apenas foi usado para permitir à Recorrente ir reduzindo o valor total do valor em falta para o pagamento do imóvel.
XIII. Assim, quando o acordo de divórcio definiu que a concentração do contrato de arrendamento ficaria inteiramente a favor da aqui Recorrente, foi pacífico entre ambos os membros do ex-casal que tal se remeteria aos direitos e deveres decorrente daquele imóvel, nomeadamente ao contrato promessa de compra e venda anteriormente realizado.
XIV. Tanto assim é que o acordo entre o ex-casal estabelecia que o imóvel ficaria para a Recorrente e o ex-marido ficaria com um estabelecimento comercial.
XV. Como tal, não teria qualquer sentido a Recorrente trocar a propriedade de um estabelecimento comercial por um contrato de arrendamento.
XVI. Dessa forma, a Recorrente entendeu, e continua a entender, que o ex-marido não tem qualquer interesse subjacente nos presentes autos.
XVII. Entender que o mesmo deve assumir a mesma posição processual da Recorrente seria possibilitar a este um ganho injustificado, na medida em que parte do eventual sucesso da Recorrente nos presentes autos seriam distribuídos por aquele.
XVIII. O que mais uma vez, com o devido respeito, não pode a Recorrente permitir que suceda.
XIX. Além do referido, todos os assuntos relativos ao imóvel sempre foram tratados pela Recorrente, inclusivamente todos os acordos de pagamento e o contrato de arrendamento.
XX. Para se apurar da legitimidade processual - que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação – tem, apenas, de se levar em consideração o concreto pedido formulado e da respetiva causa de pedir, aferindo-se a legitimidade processual pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é, tão só, nestes termos que tem que ser apreciada;
XXI. Como se refere no Acórdão do STJ de 14/10/2004, processo 04B2212, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Araújo de Barros (sendo os preceitos referidos de anterior redação do CPC) “A legitimidade processual, pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa (art.º 288º, nº 1, al. d), do C.PC.) - que se não confunde coma denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido - afere-se pelo interesse direto do autor em demandar e pelo interesse direto do réu em contradizer (art.º 26º, nº 1, do mesmo diploma).”
XXII. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3 do citado art.º 26º).
XXIII. Na verdade, a relação controvertida, tal como a apresenta o autor e forma o conteúdo jurídico da pretensão deste é que é o objeto do processo, em face do qual se aferem a legitimidade e os outros pressupostos que desse objeto dependam.
XXIV. Ora, contrariamente ao referido na Douta sentença recorrida, não carece de estar em juízo o ex-marido da Recorrente,...
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