Acórdão n.º 96/2016

Data de publicação29 Junho 2016
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 96/2016

Processo n.º 743/15

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Eduardo Manuel Nunes da Silva, Jorge Manuel Nunes da Silva e Paulo Jorge Nunes da Silva, tendo sido notificados pelo Balcão Nacional de Arrendamento de que, devido à junção extemporânea do comprovativo da autoliquidação de taxa de justiça, não iriam prosseguir os trâmites necessários à execução para pagamento de quantia certa relativa ao pagamento de rendas em atraso, com recurso ao procedimento especial de despejo, em que eram requerentes, e de que aquela omissão é havida como desistência do pedido de pagamento de rendas, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, reclamaram de tal decisão.

Remetidos os autos à Secção Cível da Instância Local do Tribunal da Comarca de Santarém, por sentença de 3 de julho de 2015, foi julgada parcialmente procedente a reclamação apresentada e, em consequência, decidiu-se:

«a) Desaplicar, por materialmente inconstitucional por violação do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o segmento do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 1/2013 de 7 de janeiro que prevê que "A não apresentação, no prazo de 10 dias, do documento previsto na subalínea i) da alínea b) do número anterior, é havida como desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas [...]";

b) Revogar a decisão proferida pelo BNA na parte que determina que a falta de junção do comprovativo de pagamento da taxa de justiça respeitante à execução para pagamento de quantia certa é havida como desistência do pedido, mantendo-se, no mais, a decisão proferida.».

O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), requerendo a fiscalização da constitucionalidade da norma cuja aplicação havia sido recusada - a constante do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro.

O Ministério Público apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«29.º

Nessa medida, no seguimento da jurisprudência referida ao longo das presentes alegações, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá, agora:

a) concluir ser materialmente inconstitucional «o segmento do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 1/2013 de 7 de janeiro que prevê que "A não apresentação, no prazo de 10 dias, do documento previsto na subalínea i) da alínea b) do número anterior, é havida como desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas", por violação do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, «o qual prevê que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, uma vez que impede o titular do direito invocado de o exercer, configurando norma que comporta uma restrição desproporcional ao conteúdo essencial do direito fundamental de obter tutela jurisdicional efetiva, que aquela disposição constitucional visa asseverar", bem como por violação do princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição;

b) negar, nessa medida, provimento ao recurso obrigatório de constitucionalidade interposto pela digna magistrada do Ministério Público;

c) confirmar, em consequência, a sentença recorrida, de 3 de julho de 2015, da digna magistrada judicial do Tribunal de Santarém.»

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

*

Fundamentação

1 - Da delimitação do objeto do recurso

A decisão recorrida desaplicou, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o segmento normativo do n.º 2, do artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, no qual se prevê que "[a] não apresentação, no prazo de 10 dias, do documento previsto na subalínea i) da alínea b) do número anterior, é havida como desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas [...]".

Conforme decorre da fundamentação da aludida decisão, o tribunal a quo considerou que a «desistência do pedido» a que faz referência a norma desaplicada tem os efeitos previstos no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e que, por isso, extingue o direito que se pretendia fazer valer.

Ora, tendo sido este o sentido em que a norma sindicada foi interpretada pelo tribunal a quo, esta dimensão normativa deverá integrar o objeto do recurso, de modo a que, sobre a mesma possa incidir o juízo deste Tribunal a respeito da sua conformidade constitucional. Importa, por isso, proceder a uma delimitação do objeto do recurso.

Em face do exposto, o objeto do presente recurso consiste no segmento normativo do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, no qual se prevê que "[a] não apresentação, no prazo de 10 dias, do documento previsto na subalínea i) da alínea b) do número anterior, é havida como desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas [...]", interpretado no sentido de que tal desistência, em face do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, extingue o direito que se pretendia fazer valer.

2 - Do mérito do recurso

Tendo em atenção a delimitação do objeto do recurso ora efetuada, a questão de constitucionalidade que importa apreciar é a de saber se o segmento normativo do n.º 2, do artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, no qual se prevê que "[a] não apresentação, no prazo de 10 dias, do documento previsto na subalínea i) da alínea b) do número anterior, é havida como desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas [...]", interpretado no sentido de que tal desistência, em face do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, extingue o direito que se pretendia fazer valer, viola o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

Para melhor apreciação desta questão de constitucionalidade, importa, antes de mais, fazer uma breve referência ao regime jurídico infraconstitucional no qual se enquadra a norma desaplicada.

A Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, procedeu a uma significativa revisão do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que havia sido aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. Entre as alterações introduzidas por aquela lei, são de referir as modificações ao regime substantivo da locação e ao regime transitório dos contratos de arrendamento celebrados antes da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, e ainda a criação de um procedimento especial de despejo do local arrendado.

O procedimento especial de despejo encontra-se regulado nos artigos 15.º a 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela referida Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, retificada pela Declaração de...

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