Acórdão nº 955/08.7BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 20-02-2020

Data de Julgamento20 Fevereiro 2020
Número Acordão955/08.7BESNT
Ano2020
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, no âmbito da impugnação judicial deduzida por F...... contra as liquidações adicionais de IVA do 3º e 4º trimestre de 1996 e, bem assim, contra as respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor global de € 14.043,43, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Apresenta, para tanto, as seguintes conclusões:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por prescrição das quantias em cobrança coerciva no processo executivo n.º 1562-01/102490.6, cujo objeto são as liquidações oficiosas de IVA, respeitantes ao 3.º e 4.º trimestres do ano de 1996, nos montantes de € 6.921,80 e € 2.158,68, respetivamente, e correspondentes juros compensatórios nos montantes de € 3.751,48 e de € 1.211,47, tudo no valor de € 14.043,43.

B) Entendeu o Tribunal a quo que “(…) a prescrição da obrigação tributária que não pode ser invocada como fundamento autónomo de impugnação, por não poder servir de fundamento à pretensão anulatória do ato de liquidação, já que se enquadra, nos meios judiciais ao dispor dos sujeitos passivos, como fundamento de oposição à execução, tal como resulta dos artigos 99.º e 204.º, n.º 1, al. d), do CPPT, podendo ainda ser invocada no processo de execução fiscal a qualquer momento, cabendo reclamação nos termos do art.º 276.º do CPPT de eventual decisão negativa sobre tal pretensão”.

C) E acrescenta, que “(…) a prescrição pode, efetivamente, ser conhecida, a título incidental, em processo de impugnação (...)”.

D) De facto, a prescrição pode ser conhecida oficiosamente em processo de impugnação judicial, não havendo obstáculo a que incidentalmente possa ser apreciada, para efeito de verificação do pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide.

E) A apreciação da prescrição é, neste âmbito, para se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um ato que titula uma obrigação tributária que pode estar extinta por prescrição.

F) Entendimento diverso existe quando a prescrição for o único fundamento apresentado em sede de impugnação judicial, uma vez que o art.º 204.º n.º 1 alínea d) do CPPT apresenta como possível fundamento de oposição à execução, a “prescrição da dívida exequenda”, o que face à natureza taxativa da lista de fundamentos de oposição à execução fiscal, impõe que querendo suscitar a questão da prescrição, o tenha de fazer através deste meio processual, a oposição à execução, e não de impugnação judicial.

G) Desta feita, podemos concluir pela admissibilidade da invocação da prescrição como incidental no âmbito do processo de impugnação mas, nunca, como fundamento autónomo de impugnação judicial, considerando o já referido art.º 204.º n.º 1 alínea d) do CPPT.

H) Perante isto, questiona-se, será admissível a apreciação oficiosa em sede de impugnação judicial da prescrição, quando o(s) outro(s) fundamentos invocados não sejam igualmente fundamentos de impugnação, mas de oposição à execução?

Vejamos.

I) O ora Recorrido impugnando as liquidações oficiosas de IVA, respeitantes ao 3.º e 4.º trimestres do ano de 1996, alegou a prescrição da dívida, já referida e, “a caducidade do direito à liquidação por estar em causa um facto ocorrido em julho de 1996, devendo o respetivo IVA ser liquidado, e validamente notificado ao sujeito passivo, até julho de 2001, o que só veio a acontecer em 30.08.2001, sendo ilegais as liquidações de IVA e juros compensatórios “.

J) O Tribunal a quo começou por se pronunciar sobre a prescrição da dívida, a título de questão prévia à do mérito da causa, a referida “caducidade do direito à liquidação”.

K) Mas atentemos ao que se considera caducidade do direito à liquidação.

L) Nos termos do art.º 45.º da Lei Geral Tributária, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo legal, prazo que varia consoante os casos.

M) A ora Recorrida alegou no art.º 16.º a 18.º da sua petição inicial (p.i.) que, “No caso ora em análise, o facto tributário, aquisição intracomunitária de bens, ocorreu em Julho de 1996. Considerando que, o ora Impugnante apenas foi notificado das referidas liquidações de IVA em 30-08-2001 (…). Verifica-se que o direito da Administração de vir liquidar o IVA, já havia caducado em Julho de 2001”, desta feita suscitando a sua anulabilidade e a ilegalidade da liquidação.

N) Parafraseando Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume III, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, anotação ao art.º 204.º, pág. 486 “(…) o sentido da expressão «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade, isto é, situações de intempestividade da notificação à face do art. 45.º, n.º 1, da LGT. (…) Assim, neste regime do CPPT ter-se-á entendido que tanto a falta de notificação como a efectivação de uma notificação intempestiva (que se reconduz a falta de uma notificação tempestiva) afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que deverão ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada”. (sublinhado nosso)

O) Assim, tendo o ora Recorrido alegado exatamente falta de notificação das liquidações oficiosas de IVA, respeitantes ao 3.º e 4.º trimestres do ano de 1996 dentro do prazo de caducidade, conforme já foi referido, não se suscitam dúvidas de que tal fundamento se inclui na alínea e) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT e, portanto, é este um fundamento típico de oposição à execução e não de impugnação judicial.

P) Enuncia o Conselheiro Lopes de Sousa3 que: “A lista de fundamentos de oposição à execução fiscal previstos neste artigo é taxativa, como se depreende do uso da expressão «só» no corpo do n.° 1.” (…)

Q) “Esta taxatividade dos fundamentos de oposição não implica uma restrição aos direitos fundamentais de acesso aos tribunais, à tutela judicial efectiva e ao recurso contencioso, uma vez que a impugnação de actos lesivos é permitida sempre que a lei não assegurar um meio de os impugnar contenciosamente, como expressamente se refere na alínea h) do n.° 1.”

R) Em jurisprudência marcadamente sedimentada4, tem entendido o STA (de 16 de Abril, no proc. 051/08) que:

I – Os fundamentos de oposição à execução fiscal são apenas os indicados no art. 204.º, n.º 1, do CPPT.

II – A limitação dos fundamentos de oposição à execução fiscal não é materialmente inconstitucional, uma vez que, globalmente, considerando os meios contenciosos de impugnação de actos tributários, é assegurada uma tutela eficaz global dos direitos dos contribuintes.

S) Aqui chegados, importa questionar, até que ponto uma impugnação judicial deduzida com dois fundamentos, sendo que um deles poderá de facto ser analisado de forma incidental na impugnação judicial, “a prescrição da dívida tributária”, e o outro não é, sequer, fundamento de impugnação, mas de oposição à execução, “a caducidade do direito à liquidação” poderá conduzir à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

T) O erro na forma de processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no art.º 97.º n.º 3 da LGT e 98.º n.º 4 do CPPT, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correta, importando unicamente, a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto for possível, da forma estabelecida na lei.

U) In casu, verificado apenas em sede de recurso o erro na forma de processo, que embora de conhecimento oficioso, não foi alvo de análise pelo Tribunal a quo, todos os atos terão de ser anulados, com exceção da petição inicial, inclusive e sobretudo a sentença ora recorrida.

V) Uma vez que a manutenção de tal decisão seria uma forma de usar indevidamente um meio processual, a impugnação judicial, para um fim, no caso a inutilidade superveniente da lide, que só seria justificável caso tivesse sido invocado algum fundamento enquadrável no meio processual empregue pelo ora Recorrido, o que, conforme já vimos, não acontece.

W) Em suma, a manter-se tal decisão, a impugnação judicial seria usada para análise e averiguação de uma questão que apenas incidentalmente poderá ser analisada através deste meio processual, o que consubstancia uma clara e chocante reversão dos fins deste meio processual e uma violação clara do disposto no n.º 2 do art.º 97.º da LGT, “A todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer em juízo”.

X) Dos factos dados como provados, nomeadamente dos pontos W) e X) constam os seguintes factos:

Ponto “W) Em 29.08.2008 o ora Impugnante requereu ao Chefe do Órgão de Execução Fiscal o reconhecimento da prescrição da dívida – cf. fls. 88 a 90 do PAT apenso”.

Ponto “X) Por despacho de 02.09.2008 o requerimento que antecede foi indeferido por entender que o prazo de prescrição se interrompeu “em virtude da instauração da execução e posteriormente em virtude da instauração da reclamação. […] retomando-se a contagem a partir do indeferimento daquela reclamação e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT