Acórdão nº 953/14.1T8ACB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 16-03-2016
Data de Julgamento | 16 Março 2016 |
Número Acordão | 953/14.1T8ACB.C1 |
Ano | 2016 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção):
I – RELATÓRIO
R (…), veio requerer a declaração de insolvência de F (…),
Alegando, em síntese:
no ano de 1991, a requerente emprestou a requerido a quantia de 76.000.000$00 (376.086,00 €), para cujo pagamento emitiu três cheques;
a 3 de fevereiro de 1992, instaurou ação executiva contra o requerido, execução que veio a ser declarada interrompida a 5 de junho de 2006;
posteriormente, a requerente veio a instaurar nova execução contra o requerido, execução que veio a terminar sem que a requerente lograsse obter pagamento da quantia exequenda, por não se encontrarem bens penhoráveis ao requerido, isto numa altura em que a dívida da requerente ascendia a 950.885,64 €;
o requerido deve ainda à CCAM de Caldas da Rainha quantia não inferior a 230.000,00 €;
o requerido está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas;
o requerido não tem qualquer outro património, com exceção do direito e ação à herança aberta por óbito do seu pai, A (...) , hoje desprovida de qualquer bem mas que, em face da sentença proferida no proc. 1656/14.2TBCLD, atualmente pendente de recurso para o STJ, poderá compreender três prédios – um urbano e dois rústicos.
O requerido deduziu oposição, defendendo não se encontrar insolvente, alegando, em síntese:
em 2010, a requerente e o requerido acordaram que o requerido iria vender o “x (...) ” por 2.500.000,00 €, e que a requerente receberia os seus 392.500,00 €;
porém o “x (...) ” não foi ainda vendido, porquanto a requerente pretendeu valer-se de o referido prédio se encontrar em seu nome, e recusou-se a outorgar a escritura, quando a venda estava já acordada por 2.500.000,00 €;
entretanto, o imobiliário entrou em crise e o comprador só se prontifica a pagar 1.500.000,00 €;
a quantia de 663.900,74 €, já lhe foi paga;
e o “x (...) ” ainda e apenas não está vendido porque a requerente interpôs recurso para o STJ do acórdão da Relação.
Realizada audiência de julgamento, pelo juiz a quo foi proferida sentença a julgar a ação improcedente.
*
Inconformada com tal decisão, a requerente dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. No que diz respeito aos factos, deveriam ter sido julgados provados os seguintes factos:
1.1 QUE O REQUERIDO DEVE À REQUERENTE PELO MENOS A QUANTIA DE EUR 392.500,00 (78.500 contos)
1.2 QUE O REQUERIDO DEVE A J (…) A QUANTIA DE EUR 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros)
1.3 QUE O REQUERIDO ESTÁ IMPOSSIBILITADO DE CUMPRIR COM AS SUAS OBRIGAÇÕES VENCIDAS.
2. Tal prova resulta da confissão do Requerido (1.1, 1.2 e 1.3), sendo certo que a confissão foi expressamente aceite pela Requerente (1.1 e 1.3), 3. E, no que tange à dívida a J (...) resulta também do depoimento dessa testemunha.
4. A Sentença recorrida viola o disposto no nº1 do art.3º do CIRE.
5. Efetivamente, estando provado que o Requerido (a) tem dívidas muito avultadas para com a Requerente, para com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e para com J (...) , (b) não tem crédito, (c) não tem qualquer profissão, (d) não tem qualquer rendimento, (e) tem como único património a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai que, neste momento, nada mais tem que uma expectativa futura de ingresso na massa de três imóveis, e (f) pendem contra ele pelo menos duas execuções, desde 1992 e 1994, respetivamente, no âmbito das quais não se conseguem encontrar-lhe bens penhoráveis, parece manifesto que o Requerido está impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas,
6. Impossibilidade que, de resto, o mesmo confessa no seu articulado, já que faz depender o pagamento do ingresso futuro de imóveis no seu património.
7. Por outro lado, a Sentença viola, também, os nsº2 e 3 do art.3º do CIRE.
8. Efetivamente, a Recorrente não se limitou a fazer prova do facto-índice a que se refere a al. e) do nº1 do art.20º do CIRE.
9. A Recorrente provou os factos que são subsumíveis no nº1 do art.3º do CIRE, e
10. O Recorrido não fez prova de que não está em situação de insolvência.
11. Em primeiro lugar porque os imóveis a que a Sentença se refere não ingressaram na massa da herança aberta por óbito do pai do Requerido – poderão apenas vir a ingressar.
12. Em segundo lugar porque, mesmo que venham tais imóveis a ingressar no património do Requerido, isso não resulta automaticamente numa situação de solvabilidade do Requerido, conforme é entendimento da Doutrina e da Jurisprudência desta Relação.
13. Em terceiro lugar o critério da diferença positiva entre o ativo e o passivo a que se refere o nº3 do art.3º do CIRE só é chamado a afastar a presunção da situação de insolvência se a constatação da situação de insolvência resultar do nº2 do CIRE, o que não ocorre no caso concreto, dado que a situação de insolvência decorre do facto do Requerido estar impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas;
14. E, finalmente, conforme resulta do mesmo normativo (nº2 e nº3) tal critério só é aplicável a pessoas coletivas e patrimónios autónomos, e já não a pessoas singulares.
15. A declaração de insolvência e a execução global do património do Requerido no seu âmbito é, no caso concreto, a única forma adequada de proceder no caso de haver a expectativa futura de ingressarem bens imóveis no seu património, se atualmente o mesmo está impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas,
16. Não decorrendo desse facto qualquer consequência negativa para o Requerido. 17. Muito pelo contrário, já que se, no futuro e no decurso dos atos de liquidação ou de execução de um plano de insolvência, se chegasse à conclusão a que a Sentença prematuramente chega, sempre seriam tais consequências negativas afastadas com a aplicação do disposto no art.230º, nº1, al. c) e 231º do CIRE.
Nestes termos, nos melhores de Direito e nos do sempre mui Douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso merecer integral provimento, revogando-se a Sentença recorrida e declarando-se a insolvência de F (…).
*
Cumpridos que foram os vistos legais, há que decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, nº4, e 639º, do Novo Código de Processo Civil[1], as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Se os factos dados como provados determinam o estado de insolvência do requerido.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Impugnação da matéria de facto.
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Contudo, da leitura da oposição deduzida pelo requerido não resulta que ele se reconheça devedor à requerente da referida quantia de 392.500 €: o que aí se afirma é que, tendo a requerente e o requerido feito contas no ano de 2010, acordaram em que nessa altura, o requerido lhe devia a quantia de 392.500 €; contudo, o requerido alega ainda que, tendo a requerida com o seu comportamento, impedido o requerido de proceder à venda do imóvel pelo valor de 2.500.000,00 €, e que o comprador já só oferece 1.500,000,00 €, a requerida lhe causou um prejuízo de 1.000.000,00 €, pelo que, na tese do requerido, ele é que é credor da requerente (cfr., entre outros, arts. 4º a 18º da articulado de oposição). E, se dúvidas restassem quanto à posição do requerido relativamente a tal questão, atentar-se-á em que, não só na lista de credores por si apresentada não consta qualquer crédito a favor da requerente, como, nos arts. 28º e 29º da sua oposição, invoca como fazendo parte do seu ativo um crédito sobre a requerente no valor de 607.500,00 € (resultante da compensação do seu crédito de 1.500.000,00 € sobre o crédito da requerente no valor de 392.500 €).
O referido facto não pode, assim, ter-se provado por confissão, indeferindo-se a pretensão deduzida a tal respeito pela apelante.
Nesta parte é de dar razão à apelante, deferindo-se o requerido e aditando-se tal facto à matéria dada como provada.
É de indeferir, por se tratar de uma afirmação conclusiva que contém matéria de direito – correspondendo precisamente à noção de insolvência dada pelo nº1 do artigo 3º do CIRE, a tarefa do juiz, na subsunção dos factos ao direito, passará precisamente por determinar se, dos factos dados como provados, se poderá extrair se o requerido está ou não, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
São os seguintes, os factos dados como provados, pelo juiz a quo, com a alteração do aditamento determinado em sede de impugnação deduzida pela apelante:
1 - A Requerente intentou contra o Requerido ação executiva que veio a correr termos pela 2ª Secção da 13ª Vara Cível de Lisboa com o número 5269/1992. O julgado veio a ser liquidado em 1 de Março de 2005, data em continuava em dívida à Requerente a quantia de EUR 663.900,74 (Seiscentos e sessenta e...
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