ACÓRDÃO Nº 945/2024
Processo n.º 1104/2024
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho
Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra (doravante TRC), em que é reclamante A. e reclamados o Ministério Público et al., o primeiro apresentou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), reclamação do despacho proferido pela Relatora naquele Tribunal, de 14 de novembro de 2024, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional (cf. fls. 87-88).
2. O ora reclamante, na qualidade de arguido em processo crime, interpôs recurso para o TRC da decisão de primeira instância que o condenara, pela prática de um crime de violação agravado e de um crime de coação agravado, na pena única de sete anos e seis meses de prisão.
Por acórdão de 9 de outubro de 2024, (cf. fls. 50-79), o TRC negou provimento ao recurso.
3. De novo inconformado interpôs o mesmo recurso de constitucionalidade desta decisão, através de requerimento formulado nos seguintes termos (cf. fl. 81/81v):
«A., recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com o douto acórdão proferido, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. O recurso é interposto ao abrigo da norma da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15/11 (Lei de Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional).
2. Pretende o recorrente com o presente recurso, ver apreciada pelo douto Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade material da norma 410.º, n.º 2, alínea c) do C.P.P, existe um erro notório na apreciação da prova, quanto aos factos datados e dados como provados no n.º 5, que colide com os princípios fundamentais da presunção de inocência consagrado no art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República, no artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 6.º n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dignidade da pessoa humana; da legalidade; da imediação; da contraditoriedade.
3. Da violação do princípio da igualdade: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei” (sic) art.º 13.º da C.R.P., os direitos dos arguidos compreendem todas as garantias de defesa, e a Constituição assegura-lhes o direito a um processo justo e equitativo, conforme o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, quanto às declarações do arguido e da assistente, dar como provado todo o relatado de uma jovem/menor de 15 anos de idade à data dos factos; aos 16 anos de idade, finais de agosto, início de setembro do ano de 2022, decidiu contar ao namorado que tinha sido violada e em 9 de novembro o pai B. apresenta queixa contra o Recorrente, ou seja passado 7 meses; e ao arguido que é confrontado dos factos no dia 24 de janeiro, passados estão cerca de 9 meses, por engano de 1 dia, não lhe foi merecido qualquer credibilidade na negação dos factos.
4. Por outro lado, foi vedado o seu direito de defesa, através da geolocalização, para prova do lugar que se encontrava na data dos factos (doc. n.º 1).
5. Violou ainda o douto acórdão, o princípio in dubio pro reo, nos termos do artigo 355.º; 374.º, o dever de fundamentação; art.º 127.º, 30.º, 40.º, 50.º, 70.º todos do C.P.P. para efeitos de determinação da medida da pena, designadamente para que a mesma seja fixada mais perto do seu limite mínimo, inexistência de condenações anteriores a que se faça um juízo de prognose que aconselhe, ou imponha mesmo; a suspensão da execução da pena de prisão, na medida em que tal entendimento viola preceitos constitucionais, designadamente do direito à liberdade e excecionalidade da sua violação, do direito de defesa, bem como o da proporcionalidade.
6. O entendimento expendido é manifestamente desproporcional, não é necessário, não é essencial e não é harmónico.
7. Não é aceitável que, ao poder ver a sua pena suspensa em cúmulo jurídico 5 anos, e assim poder prosseguir com a sua vida, o qual está privado da sua liberdade desde o dia 25 de janeiro do ano de 2023.
8. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação e nas conclusões do recurso penal ordinário interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, sendo que do douto Ac. do TRC resulta também a violação dos preceitos constitucionais agora invocados.
R. assim a V. Excelência se digne admitir o sobredito recurso».
4. Pelo despacho de 14 de novembro de 2024, aqui reclamado, decidiu-se não admitir o recurso de constitucionalidade (cf. fls. 87-88), no essencial, com a seguinte motivação:
«Notificado do acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Coimbra, a confirmar o acórdão da primeira instância, veio o arguido A., recorrer desse acórdão para o Tribunal Constitucional.
A indicação, feita no ponto 1 do referido requerimento de que este é interposto ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art. 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, deve-se, seguramente, a mero lapso do recorrente, uma vez que na decisão recorrida não foi recusada a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade, tudo levando a crer que se terá querido reportar-se apenas à al. b) do mesmo preceito.
Porém, cremos que tal recurso não deve ser admitido, pelas seguintes razões.
Do requerimento de interposição do mesmo e da motivação já apresentada pelo recorrente constata-se que o recurso se funda na seguinte alegação: […].
Peticiona, pois, o recorrente a declaração de inconstitucionalidade do acórdão proferido por esta Relação, porquanto viola os princípios fundamentais da presunção de inocência consagrado no art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República, art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Mesmo relativamente ao art.º 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, o recorrente reporta-se a um concreto juízo subsuntivo levado a cabo no acórdão de que se recorre.
Como resulta do exposto, o recorrente não pretende obter a apreciação da conformidade à Constituição de uma norma que tenha sido aplicada na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, mas apenas que se conclua que o acórdão recorrido padece de inconstitucionalidade por violação dos aludidos princípios constitucionalmente consagrados.
Ora, no nosso...