Acórdão nº 945/20.1T8FLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-04-2021

Data de Julgamento15 Abril 2021
Número Acordão945/20.1T8FLG.P1
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Procedimento Cautelar n.º 945/20.1T8FLG
Sumário:
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Nos presentes autos de procedimento cautelar de restituição provisória de posse, intentado como B…, Lda contra - C…, Unipessoal, Lda, veio aquela pedir que o presente procedimento cautelar seja julgado procedente e provado e em consequência seja ordenada a imediata restituição à requerente, da posse sobre a fracção autónoma designada pela letra B”, correspondente a um estabelecimento comercial/serviços do prédio urbano sito na Avenida …, n.º …, …, ….-… ….
Mais requer a requerente, nos termos do disposto no artigo 369.º, nº 1 do C.P.C., que se dispense a requerente do ónus da propositura da acção principal de que os presentes autos serão dependentes.
Procedeu-se à audição da requerida que deduziu oposição pugnando pela procedência da oposição à providência cautelar de restituição provisória da posse, com todos os efeitos legais daí decorrentes e pela condenação da requerente como litigante de má-fé em multa a fixar pelo Tribunal e em indemnização a favor da requerida em montante não inferior a €1.000,00.
Após inquirição de testemunhas foi proferida decisão que julgou o procedimento improcedente.
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Inconformada veio a requerente recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação a subir imediatamente, com efeito devolutivo.
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2. Formulou conclusões, que pela sua dimensão desproporcionada se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, sendo resumidas nos seguintes termos:
1. Os factos provados (45 e 46); nºs “43 - A requerente esteve na posse do locado até 30 de Setembro, data em que o mesmo cessou por decisão da própria requerente;” “49 - No dia 30 de Setembro, data da cessação do contrato, funcionária da requerente retira do locado todos os equipamentos necessários ao desenvolvimento da actividade de análises clínicas;” e “51 - O contrato cessou em 30 de Setembro.” Devem ser considerados não provados;
2. Existe contradição entre o facto nº 49, e os nºs 35 e 36.
3. Parte dos factos não provados deve ser alterada (pontos 2 a 6)
4. Juridicamente defende ainda que o contrato não cessou em 30 de setembro de 2020 por força da oposição à renovação e que a Requerente não procedeu à entrega do locado, nem retirou dele todo o material para o exercício da atividade
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2.1. Foram apresentadas contra-alegações que, por igualdade das partes também se dão por integralmente reproduzidas, para os mesmos efeitos, as quais se resumem nos seguintes termos:
1. Considera que a decisão de facto não deve ser alterada.
2. E que a Recorrente praticou um conjunto de diligências que levaram à cessação do contrato de arrendamento em 30 de Setembro de 2020: arrendou outro local a cerca de 100 metros do locado, publicitou a mudança para as novas instalações, a realizar no dia 1 de Outubro de 2020, enviou carta a informar que “o referido contrato terminará apenas a 30 de setembro de 2020” e no dia 30 retirou os equipamentos de trabalho que deslocou para as novas instalações, comprometendo-se a entregar a chave do imóvel e a retirar um cadeirão velho e um frigorifico ainda nesse dia.
3. Não se verificam os fundamentos para a restituição provisória da posse, e nessa medida, o tribunal a quo, e bem, julgou improcedente a providência cautelar de restituição provisória da posse e, por outro lado, a Requerente sempre actuaria em manifesto abuso de direito (caso se entendesse que o contrato não cessou a 30 de setembro) uma vez que com o seu comportamento fez crer a entrega do locado, vindo ilegitimamente exercer um direito de forma abusiva – venire contra factum proprium.
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3. questões a decidir
1. determinar se a factualidade deve ou não ser alterada como requerido pela apelante.
2. Apurar depois, se esta permite, ou não, concluir pela manutenção dos efeitos do contrato após 30.9.2020 e se, assim for, se estão preenchidos os restantes pressupostos do esbulho.
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4. da alteração da factualidade provada e não provada
4.1. Da utilização de conceitos jurídicos
Importa ter presente que, a matéria de facto diz respeito aos factos alegados pelas partes, os quais não devem incluir matéria conclusiva ou jurídica[1].
Integram esse conceito as expressões que constam dos factos provados :
“8 - Não obstante a referida suspensão operar automaticamente,
7 - Acontece que, por força da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, relativa às medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-COV-2 e da doença COVID-19, alterada pelas Leis nos. 4-A/2020, de 6 de Abril, 4 -B/2020, de 6 de Abril, 14/2020, de 9 de Maio, e 28/2020, de 28 de Julho ficou suspensa, nos termos da alínea c) do artigo 8º do referido diploma, até 30-9-2020, a produção dos efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efectuadas pelo senhorio;
26 - atento o disposto na Lei n.º 1 – A/2020 de 13 de Março, não querendo fazer cessar o contrato de arrendamento em 31 de Julho,
43 - data em que o mesmo cessou por decisão da própria requerente;
49 - data da cessação do contrato,
51 - O contrato cessou em 30 de Setembro”.
Essas expressões, é certo, foram usadas pelas partes, mas são conclusivas e/ou expressões de direito e por isso serão eliminadas, já que a sua utilização em sede de motivação de facto integra uma nulidade processual secundária[2].
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4.2. Da valoração da prova
Na parte restante não se vislumbra qual o real motivo de insatisfação com a decisão de facto, porque a mesma é simples, evidente e baseia-se aliás no depoimento de parte da Requerente e suas testemunhas.
Diga-se, desde logo que o grosso da factualidade está assente por acordo ou com base em documentos dos autos (comunicações, doc nº 8 e fotografia) os quais foram (com excepção desta) aceites pelas partes. Note-se que se o representante não aceita a fotografia, mas a mesma é confirmada pelo depoimento da sua funcionária e documento nº 8. Logo, é mais do que suficiente para confirmar a retirada dos restantes objectos e intenção de retirar os restantes.
Depois, a requerente apresentou apenas duas testemunhas.
Estas afirmam, de relevante, que:
E…: Diz que foi ao local às 8h da manhã do dia 1.10, estava tudo fechado e a chave não abriu a porta de acesso geral. Vieram embora. No dia seguinte voltaram lá e uma pessoa não lhes permitiu a entrada. Diz que a colega levava uma mala para trabalhar. Na contra-instância confirma que o restante material (tubos, etc) nunca está na mala, mas no laboratório e na sua “opinião” não faz sentido transportá-lo. (logo, conclui-se não poderia trabalhar). Resumidamente diz que presenciou apenas o facto de terem mudado a fechadura. A instâncias do tribunal diz até que “ouviu rumores, mas não sabe da abertura da clinica”, confirma, porém, não saber se “o seu patrão ia passar a ter dois laboratórios nessa rua”.
D…: No dia anterior diz que retirou tudo e que só não levou mais porque não cabiam na mala no carro. No dia seguinte admite que o patrão lhe disse “afinal podemos estar ao fim do ano”. Diz também que nesse dia a representante da requerida lhe disse para retirar as restantes coisas (secretária e cadeirão). Admite, pois, que retirou tudo o que lhe permitia trabalhar e que afirmou que os móveis, segundo ordem do patrão, seriam retirados por outras pessoas, nesse dia. Diz que a representante da requerida no segundo dia, lhe disse “não tenho nada contra si mas não pode entrar”. ``A pergunta se havia marcações para colheitas, diz “eu (salientando o eu) não faço marcações. Acresce que o patrão lhe tinha dito “se a porta abrir trabalhe lá”. Diga-se que numa acesa e agreste inquirição com a advogada diz que era fácil buscarem as coisas nesse dia (30.9), sendo que entregou a chave ao seu patrão.
Para além disso o representante da requerente confirma que: “supostamente ia sair em Julho e por causa da situação manteve-se até Setembro e depois foi informado pelo advogado que podia ficar até Dezembro. Entretanto arranjou outro sítio, outras instalações em Maio, começou a tratar do assunto em Maio e celebrou o contrato de arrendamento das novas instalações em Maio, teve que fazer obras de adaptação, confirma a identificação do locador bem como a localização do locado, próximo da fracção em causa. Disse que publicitou a alteração do espaço, da mudança das instalações, fez uns prospectos depois de ver uns prospectos da C… a dizer que o espaço ia ser ocupado por outro laboratório, ele fez outros a dizer para onde ia mudar. Confirma os
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